Correio braziliense, n. 20508, 15/07/2019. Economia, p. 6

 

Regras para saneamento terão 7° projeto de lei

Cláudia Dianni

Simone Kafruni

15/07/2019

 

 

Conjuntura » Representantes do setor de saneamento temem que cidades pequenas, favelas e periferias fiquem sem atendimento, caso prefeituras não possam mais fazer contratos diretos com companhias estaduais

O fim da votação da reforma da Previdência abre espaço na agenda do Congresso para uma outra discussão polêmica que aguarda na fila: o marco regulatório do saneamento. A Casa Civil da Presidência da República vai enviar à Câmara dos Deputados, nos próximos dias, um novo Projeto de Lei, em regime de urgência, para corrigir o PL 3261/19, de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), aprovado no plenário do Senado, e encaminhado à Câmara, no mês passado. Será o sétimo PL sobre o tema a tramitar na Casa, e todos devem ser apensados à nova proposta.

A correção se refere a um vício de origem do PL do senador, que suprimiu do texto toda a parte que transfere para a Agência Nacional de Águas (ANA) a coordenação regulatória do setor. Isso porque a mudança requer a criação de novos cargos, prerrogativa exclusiva da Presidência da República.

Entidades que representam o setor de saneamento comemoram o fato de que o tema será finalmente debatido no Congresso Nacional sem o rolo compressor do governo federal, que, em duas tentativas malogradas, tentou impor novas regras sem o devido debate com a sociedade, acusam as entidades, ao enviar duas medidas provisórias que caducaram: MP 844/18 e a MP 868/19.

No entanto, permanece a controvérsia em torno do tipo de contrato permitido aos municípios, já que o PL 3261/19 incorporou boa parte das propostas das MPs caducadas, entre eles, o que acaba com a possibilidade de os municípios contratarem as companhias estaduais de saneamento diretamente, sem licitação.

Atualmente as prefeituras, que possuem a titularidade da prestação dos serviços, têm três opções: manter uma autarquia, que é o caso de 25% das prefeituras; contratar os serviços diretamente de uma empresa estatal, modalidade utilizada por 70% das cidades; ou optar por ma empresa privada, o que ocorre em 5% dos casos.

O objetivo do governo é aumentar os investimentos privados. Representantes do setor temem, porém, que as empresas se interessem apenas por municípios rentáveis, deixando sem atendimento os mais pobres. Para reduzir o problema, o novo projeto da Casa Civil mantém a solução já prevista no PL de Jereissati: a criação de blocos de municípios para os editais de licitação. O objetivo é obrigar o investidor a assumir municípios grandes e rentáveis e pequenos e pouco atrativos.

É quase consenso que as regras precisam ser atualizadas, já que, apesar das opções, os índices com relação a esgoto, por exemplo, são indignos. Praticamente metade da população não tem acesso à coleta de esgoto. Representantes do setor, porém, temem que as consequências de tratar um serviço essencial como negócio e não como política pública.

“Somos contra o direcionamento na prestação do serviço. O setor privado só quer o filé e não o osso. Defendemos que o município tenha a liberdade de decidir se terá uma autarquia municipal, se vai fazer um contrato com uma companhia estadual ou uma parceria público-privada. É preciso manter o respeito à liberdade de planejamento dos municípios”, diz Aparecido Hojaij, presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae).

Para resolver o problema da falta de investimentos, ele sugere facilitar o acesso ao crédito e reduzir a burocracia para negócios. “Saneamento é política pública de desenvolvimento. Não se pode ficar refém do mercado. É preciso encontrar um outro modelo, como a criação de consórcios. O governo do estado pode criar microrregiões, que passam a ter poder concedente do serviço de saneamento”, sugere.

Para o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes). Roberval Tavares de Souza, o impacto positivo da mudança no marco regulatório é o fortalecimento da regulação e o aumento da segurança jurídica para os investimentos, além do aumento da competitividade. No entanto, além do fim dos contratos de programa com as companhias estaduais, ele aponta um outro problema das mudanças propostas: a alienação das ações de empresas estatais, ou seja, a possibilidade de privatizar essas companhias.

Privatização

“Vender as empresas não resolve o problema. O dinheiro entra, paga salário atrasado nos estados e fica tudo igual no saneamento. Muitos países estão reestatizando os serviços privatizados. Aconteceu com Paris, com Barcelona e outros. Além disso, com o fim do contrato de programa, a prefeitura fará licitação para empresa pública ou privada. Como será isso, se o foco da empresa pública é política pública e o da empresa privada é o lucro?”, questiona. ‘É preciso atender as favelas e periferias”.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Roberto Tavares, diz que o setor pede por modernização no marco regulatório há seis anos, mas é contra destruir o que existe, para construir algo incerto, sem a devida discussão. Para ele, não é preciso acabar com os contratos de programa para estimular investimentos privados.

“Temos a responsabilidade de atender 4 mil municípios, mais de 70% da população urbana brasileira. Se mudar e não der certo, como ficam essas pessoas? As maiores parcerias com o setor privado não vêm dos 1,5 mil municípios que não têm nenhuma relação com as empresas estaduais. Não estão ali”, afirma.

Um estudo da ONG Trata Brasil, em parceria com a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) mostra os ganhos econômicos e sociais gerados pela expansão dos serviços de água e esgoto e aponta perdas de até R$ 1,2 trilhão com a ausência da expansão dos serviços.

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Mercado tem apetite

15/07/2019

 

 

 

 

Uma vez destravado o nó regulatório que afasta investidores, o mercado deve mostrar apetite para investir no setor. Especialistas garantem que há interessados entre empresas estrangeiras, fundos de investimentos e operadores nacionais. No entanto, o debate não está maduro e o principal entrave diz respeito ao problema federativo do Brasil. Isso porque, no que diz respeito a água e esgoto, as decisões envolvem 5.570 municípios.

Para o especialista em direito administrativo e regulatório do escritório Souto Correa Daniel Vila-Nova, a pauta saneamento ainda vai se renovar por um bom período. “A competência sobre o setor é municipal. Mas a região metropolitana, por exemplo, é instituída pelos estados. Então, sem uma solução federativa, não se consegue avançar”, avalia.

Ele acredita que o modelo é vacilante. “As propostas apresentam as ferramentas, mas o momento é de desenhar uma cooperação federativa para dar confiança ao mercado. O setor privado teme entrar num setor sem saber de qual ente é a competência regulatória”, explica. O advogado compara dois modelos: São Paulo e Rio de Janeiro. “Existem arranjos muito bons, como o da Sabesp, que faz contrato de locação de ativos por meio do qual a iniciativa privada entra como investidora. No caso do Rio, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o modelo. No Distrito Federal, por mais que o governador Ibaneis (Rocha, do MDB) diga que quer privatizar, não há acordo com os outros dois estados envolvidos (Goiás e Minas Gerais) e com os municípios. É o ambiente menos favorável das três principais regiões metropolitanas do país”, alerta. Uma vez resolvido o impasse federativo,  não faltarão interessados. “O mercado é enorme. Hoje, no Brasil, temos o equivalente a mais de dois países desassistidos. São 100 milhões sem esgoto e 30 milhões, sem água. Isso é mais do que as populações de Colômbia e Argentina somadas”, afirma.

Flexibilização

Para o advogado Miguel Neto, a saída para retomar obras de saneamento é a flexibilização do marco regulatório para entrada do setor privado. “Estados e municípios estão sem dinheiro. Além disso, as obras são enterradas e, politicamente, não têm visibilidade. A prioridade dos governos nunca foi essa. Tem que passar para o setor privado, senão nunca vamos sair do lugar. ”

Ele lembra que a competência da água é municipal, mas muitas cidades fazem contratos ou parcerias público-privadas (PPPs). “A questão é que o Judiciário, em algumas cidades, entende que água é bem vital, e obriga a religação, mesmo que o cidadão não pague a conta. Isso desestimula investimento privado. É um negócio com demanda. Há interesse, mas o marco regulatório precisa entrar na agenda das prioridades”, resume.

“Passando a reforma da Previdência, acho que veremos o andamento de projetos de infraestrutura ainda este ano, e o saneamento está entre eles”, aposta Sogayar, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados. Como saneamento é dos maiores modais de infraestrutura, tem potencial para atrair fundos de investimentos. “Os chineses têm interesse, europeus, sobretudo franceses, também. E há grupos brasileiros que já estão no mercado e vão querer abrir novas frentes”,  opina. (S.K)

Frase

“A competência sobre o setor é municipal. Mas a região metropolitana, por exemplo, é instituída pelos estados. Então, sem uma solução federativa, não se consegue avançar”

Daniel Vila-Nova, especialista em direito regulatório

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Investimentos encolheram em 10 anos

 

 

Simone Kafruni

Cláudia Dianni

15/07/2019

 

 

 

Embora o país seja extremamente carente de serviços de saneamento, com menos da metade da população assistida por coleta de esgoto, o investimento no setor mais atrasado da infraestrutura brasileira encolheu nos últimos anos. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram queda de 7,8% nos aportes em 2017 na comparação com o ano anterior. Foram desembolsados R$ 10,9 bilhões em saneamento, menor valor investido nesta década e patamar 50,5% inferior à média de R$ 21,6 bilhões necessários para o Brasil universalizar os serviços até 2033, conforme meta prevista pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).

O quadro é ainda mais preocupante quando se observa a lenta evolução dos indicadores de abastecimento de água e coleta de esgoto. O acesso à água encanada está estagnado nos últimos três anos. O índice passou de 83%, em 2015, para 83,5%, em 2017. Já em relação às redes de esgoto, a coleta passou de 50,3% para 52,4% no mesmo período. “Não à toa, aumentou a incidência de doenças, como dengue, zika, febre amarela, que tem a ver com a qualidade da água e com o tratamento de esgoto”, afirma Ilana Ferreira, especialista em infraestrutura da CNI.

Como é um setor de monopólio natural, a CNI defende a concorrência para que fique claro onde são necessários subsídios e onde falta gestão competente na prestação dos serviços. “Como é um modelo de 50 anos atrás, o mecanismo jurídico é o contrato de programa. É falho, não exige licitação. Temos contratos renovados indefinidamente desde 1970, que não estipulam metas de atendimento ou de investimento. Assim, não se tem instrumento para dizer que a escolha é o melhor para a população”, explica.

Entre os vários projetos de lei que tramitam no Congresso para modernizar o marco regulatório, a CNI defende o PL 3235/2019, do deputado Evair Evair Vieira de Melo (PP-ES), que converte os contratos de programa em concessões. “O texto do senador Tasso Jereissati era bom, mas foi desfigurado e criou uma série de exceções”, justifica.

A possível falta de interesse do setor privado em municípios pouco rentáveis, segundo Ilana, foi resolvida com o modelo de blocos regionais, o famoso filé com osso. “Além disso, as empresas estatais também não investem onde não há retorno. Basta ver a diferença entre os índices de atendimento com serviço de água e os de esgoto”, ressalta. Apesar dos inúmeros projetos, a perspectiva da indústria é positiva. “Há movimentação no Congresso e uma frente parlamentar engajada. O tema não vai morrer, porque retomar as obras paradas terá um impacto econômico importante, com geração de emprego”, defende.

Celeridade

A expectativa da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) é de que projeto do governo, que insere a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão regulador, tenha célere tramitação no Congresso. “O governo já manifestou urgência e pertinência do tema”, justifica o diretor executivo da Abcon, Percy Soares Neto, para quem os vários textos devem ser transformados num bom projeto.

Qualquer que seja a saída, sustenta Soares Neto, a solução para o saneamento está em três pilares: maior competição, melhor regulação e garantia da economia de escala. “Hoje, existe reserva de mercado na mão de um conjunto de companhias, que levou o saneamento à situação precária em que está”, afirma. Para ele, o impasse sobre falta de interesse em municípios pouco rentáveis já foi superado com a prestação regionalizada. “Atualmente, 58% das nossas operações já estão em cidades com menos de 20 mil habitantes”, esclarece.

O diretor diz que as operadoras privadas estão presentes em 6% dos municípios e são responsáveis por 20% dos investimentos, com tarifa 3% maior do que a média das companhias públicas. No entanto, Soares Neto admite que a maior parte das operações são por meio de PPPs. “O modelo de parceria funciona, mas joga o custo do privado e público junto na tarifa”, destaca. Com a flexibilização do marco, o dirigente aposta numa investida forte tanto dos atuais operadores privados quanto de fundos de investimento. “Os fundos já mostraram interesse em alavancar a nossa participação no mercado”, revela.

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Preocupação com conflitos no setor

15/07/2019

 

 

 

A coordenadora do Programa Rede das Águas da organização não governamental SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro se preocupa com conflitos de papéis que a mudança no marco legal do saneamento, conforme propostas em discussão no Congresso, podem gerar. Ela teme que, ao levar para a Agência Nacional de Águas (ANA) a coordenação da regulação de saneamento, o novo marco possa enfraquecer o papel regulador da ANA com relação ao acesso e ao uso da água nas bacias hidrográficas, uma vez que a Agência é responsável por autorizar o uso e por classificar, com comitês de bacias hidrográficas, a qualidade da água de acordo com seus usos. “Como vai ficar o papel da ANA na emissão de outorgas para o setor que ela vai passar a regular diretamente, já que o saneamento, por meio da emissão de efluentes de esgotos nos rios, é um poluidor das bacias hidrográficas?”, questiona.

No entanto, ela considera uma evolução o fato de a discussão poder ocorrer no Congresso, em audiências públicas com vários setores da sociedade, em torno de um projeto de lei, e não por medida provisória.  “Agora há espaço para aperfeiçoar a proposta e isso foi uma conquista do movimento ambiental, que pressionou muito para que as medidas provisórias não fossem votadas”, afirma. Na avaliação da especialista, esta e outras questões poderão ser esclarecidas e amadurecidas durante os debates, antes da votação do texto final.

A coordenação da regulação da ANA para o saneamento foi retirada do PL do Senado, mas a proposta vai voltar no novo texto que será enviado pelo governo nos próximos dias. A ideia é que a Agência estabeleça critérios técnicos gerais a serem seguidos pelas companhias de saneamento, como condição para investimentos que quiserem ter acesso a crédito da União.

Flexibilidade

Licenciamento Ambiental - Outra preocupação do SOS Mata Atlântica é com a rota única de licenciamento ambiental, proposta pelo PL 3261/19, para que os projetos de saneamento não aguardem na fila com os de outros setores. “Dar prioridade para empreiteiras que lidam com esses projetos, como a Odebrecht, por exemplo, vai criar problemas jurídicos que podem levar as obras a se arrastarem mais ainda”, pondera.  Já o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), Roberval Tavares de Souza, considera positivo. “Por que temos que aguardar o licenciamento na mesma fila de uma indústria química, por exemplo? Não somos os poluidores. Ao contrário, tratamos esgotos, somos a solução-problema”, compara.

Para Malu Ribeiro, porém, a maior causa de preocupação com relação a licenciamentos ambientais ágeis não está nos textos da mudança do marco regulatório, mas no projeto conhecido como “ Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, que tramita na Câmara, pois pode enfraquecer padrões técnicos, avalia, em todos os projetos, inclusive de saneamento. A proposta dá mais flexibilidade para que estados e municípios alterem suas condições de licenciamento ambiental e isenta de licença as atividades agropecuárias.

Na opinião de Fabiana Figueró, especialista em meio ambiente do escritório Souto Correa,  é importante desburocratizar o processo, para alavancar investimentos em saneamento. “Temos uma situação bastante precária. Os números do saneamento não mudam. É importante tentar todas as formas possíveis para que as obras sejam realizadas. Desburocratizar o licenciamento ambiental é algo muito salutar. Claro que precisa preservar e adotar medidas de compensação eventualmente necessárias. O impacto ambiental que o esgoto não tratado gera no meio ambiente e os resíduos sólidos, urbano e industrial, são problemas que precisam ser melhor conduzidos”, avalia.

Por meio de nota, o Ministério do Meio Ambiente disse  que o licenciamento rápido é uma forma de agilizar investimentos. “O MMA entende que medidas de maior agilidade no licenciamento, sem perda de qualidade técnica, aliadas a outras que sejam atrativas ao investimento privado, constituem a única forma viável de avançar com o saneamento no Brasil.”

Em seminário sobre recursos hídricos no auditório do Correio em junho,  o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, comemorou o fato de o Senado ter reagido rápido, ao apresentar o PL 3261/2019, em resposta à caducidade da MP em 868/2019, no mês passado.  Vamos apresentar outro. A ideia é colocar a ANA como agência definidora das normas de referência”, disse. “No nosso entendimento, a proposta aprovada no Senado faz todo o sentido. Cria uma regra de transição para as companhias estaduais, permite o investimento privado, o que leva — assim esperamos — à universalização do sistema. Mas, sem a presença da ANA, uma das pernas, que é a uniformização, a segurança jurídica dos contratos de programas que virão a ser prorrogados, fica capenga”. Segundo ele, o novo PL vai completar o do Senado.

De acordo com Canuto, as questões regulatórias não foram incluídas apenas devido à questão do vício de origem, já que é prerrogativa da Presidência criar cargos, e não do Congresso. No caso da transferência da coordenação da regulação do saneamento para a Agência Nacional de Águas, será preciso criar novas funções específicas antes de  implementar as mudanças. (C.D e S.K)

Frase

“Agora há espaço para aperfeiçoar a proposta e isso foi uma conquista do movimento ambiental, que pressionou muito para que as medidas provisórias não fossem votadas”

Malu Ribeiro, SOS Mata Atlântica

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Itu privatizou e remunicipalizou

15/07/2019

 

 

 

Com 168 mil habitantes, o município paulista de Itu, a cerca de 75km da capital do estado, teve os serviços de saneamento privatizados a partir de 2007 e permaneceu sob a gestão da concessionária Águas de Itu. De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Aparecido Hojaij, houve descumprimento das obrigações de investimentos, aumento de tarifa e sucateamento de equipamentos, além de racionamento.

O grande teste para a experiência da privatização foi durante a crise hídrica, quando o estado enfrentou a maior estiagem em 90 anos. Os moradores de Itu passaram 11 meses com racionamento. As famílias precisaram armazenar água em tambores e fazer fila em bicas ou captar água em córregos poluídos. A prefeitura comprou água de cidades vizinhas e houve casos de saques de carros-pipa.

Em junho de 2015, a prefeitura decretou a intervenção administrativa da empresa, e em 2017, os serviços voltaram a ser prestados pelo município, pela Companhia Ituana de Saneamento, autarquia de água e esgoto.

Foi um verdadeiro caos”, lembra Malu Ribeiro, coordenadora do programa Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica. “Se foi assim com uma rica estância turística de São Paulo, com 100% de serviço de abastecimento de água e de saneamento, o que pode acontecer com municípios pobres, principalmente em tempos de escassez?”, questiona a especialista, para quem é preciso estudar a experiência de outros países que passaram pela experiência.

Europa

Na opinião de Maurício Zockun, sócio de direito administrativo do escritório Zockun Advogados, privatizar contradiz a tendência mundial. “Entre 2000 e 2017, foram registrados 267 casos de reestatização no mundo. Na Alemanha, por exemplo, cerca de 90% das empresas de saneamento privatizadas foram estatizadas”. “Além disso, saneamento básico está ligado diretamente à saúde pública”, completou.

Em 2017, o Instituto Transnacional (TNI), centro de pesquisas com sede na Holanda, em parceria com o Observatório Corporativo Europeu, divulgou um mapa das  267 reremunicipalizações de serviços de saneamento em vários países, principalmente na Europa. Entre as cidades que voltaram a oferecer serviços públicos, estão Berlim (Alemanha), Paris (França), Budapeste (Hungria), Bamako (Mali), Buenos Aires (Argentina), Maputo (Moçambique) e La Paz (Bolívia). (C.D e S.K)