Correio braziliense, n. 20508, 15/07/2019. Mundo, p. 13

 

Começam buscas a ilegais

Rodrigo Craveiro

15/07/2019

 

 

Estados Unidos » Agentes iniciam rondas para deter e deportar cerca de 2 mil estrangeiros não documentados em nove cidades. Brasileiros admitem apreensão e medo. Trump causa polêmica ao sugerir a congressistas mulheres que retornem aos países de origem

Por meio das redes sociais, começavam a circular vários conselhos aos ilegais: “Não abra portas, permaneça em silêncio, não assine nada, registre tudo no celular e denuncie, fique calmo, peça um mandado judicial, não responda a perguntas, contrate um advogado e explore todas as alternativas para lutar por sua permanência no país”. Segundo as redes de TV CNN e Fox News, o Departamento de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, pela sigla em inglês) começou ontem as rondas para capturar e deportar 2 mil imigrantes ilegais em nove cidades — Atlanta, Baltimore, Chicago, Denver, Houston, Los Angeles, Miami, New York e San Francisco. O clima entre os estrangeiros não documentados, incluindo vários brasileiros, era de apreensão. Até o fechamento desta edição, no entanto, não havia notícias sobre prisões. As batidas do ICE coincidiram com a virulenta retórica do presidente americano, Donald Trump, contra legisladoras de ascendência estrangeira.

Portador de carta de deportação, o mineiro Romeu, que mora em Newark (Nova Jersey) desde 1988, afirmou ao Correio que os brasileiros da região, ainda que não contemplada pela medida, tentam evitar uma prisão. “Muitos evitam sair às ruas e ir a bares. Todo mundo está apreensivo, mas confiante. Eu estou de férias, em Pompano Beach, na Flórida, e tenho mantido contatos com amigos em Newark. É colocar na mão de Deus e crer que tudo vai dar certo. Infelizmente, é a lei e a gente tem de respeitar”, comentou o funcionário do ramo de construção civil, sob condição de não ter o sobrenome divulgado.

Pela manhã, Romeu recebeu um vídeo de uma advogada brasileira, na qual ela orienta os ilegais a não abrirem a porta de casa. “Não acredito que em New Jersey haja problema. Mas a ideia é não sair de casa”, acrescentou. Na sexta-feira, ele disse à reportagem que os estrangeiros que têm a carta de deportação vivem com medo e sempre se mudando, além de não conseguirem se estabilizar. “Quando gente como eu é procurada e encontrada, acaba deportada imediatamente. Você não sabe o que te espera, né?”

Em Filadélfia (Pensilvânia), o cimenteiro Fabrício Lagares, 33 anos, relatou à reportagem que a situação é “muito tensa”. “Meus amigos chegaram aqui e me disseram que há vários carros do ICE nas ruas, incluindo carros-fortes. Acho que eles começaram a dar as buscas. Estamos numa condição muito complicada. Se eles (agentes) começaram assim hoje, o bicho vai pegar de segunda-feira em diante. Falei com minha advogada e ela disse para eu andar com documentos no bolso”, afirmou. “Não é fácil isso. Ele é um pessoal muito inteligente, e a lei deles aqui é respeitada, mesmo.”

Natural de Poços de Caldas (MG), José Luis Franco trabalha como pintor nos EUA desde 1998, onde vive sem documentos. Ele demonstra ceticismo com as notícias sobre as rondas do ICE. “Isso é conversa de televisão. Fui à missa hoje e nenhum imigrante está falando nada”, comentou o brasileiro, que mora em Mount Vernon (Nova York).

Racismo

“É interessante ver congressistas mulheres democratas ‘progressistas’, que vieram de países cujos governos são uma completa e total catástrofe, os piores, mais corruptos e ineptos de qualquer parte do mundo (…), agora gritando e dizendo cruelmente ao povo dos EUA, a maior e mais poderosa nação sobre a Terra, como nosso governo deve ser administrado”, escreveu Trump no Twitter. “Por que elas não retornam e ajudam a consertar os lugares de onde vieram, que estão totalmente falidos e infestados pelo crime? (…) Eu estou certo de que Nancy Pelosi ficaria muito feliz em rapidamente trabalhar nos arranjos para viagens gratuitas.” O tuíte teria sido uma referência a um grupo de mulheres liberais mais jovems que integram a Câmara dos Representantes, como Rashida Tlaib, do Michigan; Ilhan Omar, de Minnesota; e Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York.

A democrata Pelosi, presidente da Câmara, rejeitou os comentários “xenofóbicos” de Trump, “que servem para dividir a nossa nação”. “Em vez de atacar os membros do Congresso, ele deveria trabalhar conosco por uma política de imigração que reflita os valores americanos. Pare com as batidas”, afirmou. “Querem uma resposta a um presidente fracassado e fora da lei? Ele é a crise. Sua ideologia perigosa é a crise. Ele precisa ser afastado”, criticou Rashida Tlaib.

256.085

Total de imigrantes deportados em 2018 — 29.966 a mais que no ano anterior, segundo o  Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA

400 mil

Número aproximado de imigrantes expulsos do país em 2012, durante o governo do democrata Barack Obama

À margem da lei

Quem são os imigrantes que podem ser deportados e quais os prováveis próximos passos na Justiça

Os alvos

Famílias de imigrantes recém-chegadas aos Estados Unidos. Em fevereiro, o Departamento de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE) enviou cartas a 2 mil famílias que receberam ordens finais de deportação.

Locais das batidas

A operação deve atingir as 2 mil pessoas que ignoraram a carta de deportação, em nove cidades: Atlanta, Baltimore, Chicago, Denver, Houston, Los Angeles, Miami, Nova York e San Francisco. Nova Orleans também está na lista, mas as batidas na cidade foram suspensas temporariamente por conta da passagem da tempestade tropical Barry.

O futuro dos ilegais

É improvável que todos os imigrantes sejam imediatamente deportados. Existe a possibilidade de que alguns deles apresentem uma moção para tentarem reabrir o seu caso na Corte, enquanto outros poderiam impetrar uma ação alegando que as condições de vida em seu país de origem pioraram desde a sua chegada aos EUA.

TUITADA

“Por que elas (congressistas democratas) não retornam e ajudam a consertar os lugares de onde vieram, que estão totalmente falidos e infestados pelo crime?”

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

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Decisão para contrariar Obama

15/07/2019

 

 

Para o ex-embaixador britânico nos Estados Unidos Kim Darroch, o presidente Donald Trump saiu do acordo nuclear iraniano porque o pacto estava associado ao seu antecessor, Barack Obama, revelaram documentos diplomáticos publicados pela imprensa. “O governo está apostando em um ato de vandalismo diplomático, aparentemente por razões ideológicas e de personalidade — foi o acordo de Obama”, escreveu Kim Darroch em um telegrama diplomático em maio de 2018. O documento é parte de uma segunda série de relatórios confidenciais vazados e publicados pelo jornal Mail on Sunday. A primeira resultou na demissão de Kim Darroch na quarta-feira.

Em maio de 2018, Boris Johnson, então ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, foi a Washington na tentativa de convencer o magnata republicano a não tirar os Estados Unidos do acordo nuclear iraniano assinado em 2015. Em telegrama enviado posteriormente, Kim Darroch notou as divisões na equipe de Trump sobre a decisão e criticou a falta de uma estratégia de longo prazo da Casa Branca. “Eles não são capazes de formular nenhuma estratégia para o ‘dia seguinte’; e os contatos com o Departamento de Estado esta manhã não sugerem nenhum tipo de plano para estender a mão aos parceiros e aliados, seja na Europa, seja na região”, escreveu o embaixador.

Ele relatou que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, “distanciou-se sutilmente ao falar sobre a ‘decisão do presidente’” durante conversas com Johnson. De acordo com Kim Darroch, Pompeo sugeriu que ele tentou, sem sucesso, “vender” um texto revisado para Trump.

Concluído em 2015 entre Irã, Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido, França e Alemanha, o pacto permitiu o levantamento de parte das sanções contra Teerã em troca do compromisso iraniano de não adquirir armas nucleares. Em 8 de maio de 2018, Trump anunciou a retirada dos EUA do acordo. O vazamento de memorandos diplomáticos desfavoráveis em relação a Trump provocou uma tempestade entre o Reino Unido e seu aliado.

Em telegramas publicados na imprensa no dia 4, Kim Darroch considerou a Casa Branca “inepta” e classificou Trump como um “estúpido pretensioso”.