Valor econômico, v.20, n.4749, 14/05/2019. Brasil, p. A6

 

Endividados, mais pobres lideram a queda da confiança 

Aricia Martins 

14/05/2019

 

 

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A piora do ambiente econômico não foi sentida apenas por empresários e investidores, que estão mais preocupados com os rumos da reforma da Previdência. Sem perceber retomada na geração de empregos e melhora no orçamento, os consumidores de renda mais baixa foram aqueles que mais puxaram a queda da confiança das famílias, pessimismo que dificulta uma retomada consistente da demanda. A "sensação térmica" ruim explica também a perda de popularidade do governo recém-eleito.

Medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) caiu 7,1 pontos entre janeiro e abril, para 89 pontos. Em igual intervalo, as famílias que ganham até R$ 4,8 mil por mês mostraram perda muito mais forte, de 114,2 para 95,5 pontos - redução de 18,7 pontos. Para os consumidores cuja renda mensal é superior a R$ 4,8 mil, o recuo do ICC foi bem menor no período (-6,2 pontos). O índice dessa faixa de rendimento também está em nível mais alto, com 103,2 pontos.

As famílias que ganham menos também estão mais endividadas e perceberam aumento mais significativo dos preços nos últimos meses. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Confederação Nacional do Comércio (CNC), em média, 62,7% dos brasileiros tinham algum tipo de dívida em abril, maior percentual desde agosto de 2015, auge da recessão. Para a faixa de renda que vai até dez salários mínimos, essa fatia está ainda mais alta, em 63,9%.

Do lado da inflação, o quadro está longe de preocupar, mas os preços também subiram um pouco mais para os mais pobres. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é referência para famílias com renda de um a 40 salários mínimos, subiu 2,09% de janeiro a abril. Já a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), cuja cesta representa o consumo daqueles que recebem de um a cinco mínimos, ficou em 2,29% no mesmo período.

Coordenadora das sondagens do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV), Viviane Seda observa que a confiança já era negativamente afetada pelo comportamento dos preços, relação que ficou mais forte durante a crise. No momento atual, a inflação está sendo pressionada principalmente pelos alimentos, segundo ela, itens que têm peso maior no orçamento dos consumidores com renda menor. No INPC, o grupo alimentação e bebidas responde por 30,7% da cesta de consumo, percentual que cai para 25% no IPCA.

Para Viviane, porém, o mercado de trabalho é a maior preocupação dos consumidores mais pobres no momento, diante da atividade que não ganha tração e, consequentemente, não estimula a criação de vagas. "Esses consumidores estavam apostando na retomada do mercado de trabalho, que daria um alívio maior na situação financeira", perspectiva que foi frustrada, disse. "A expectativa de inflação não está preocupando muito, mas o emprego, sim."

Dentro da Sondagem do Consumidor da FGV, o indicador que mede a perspectiva futura sobre o emprego diminuiu 17,8 pontos em abril, na comparação com janeiro. O elevado nível de incerteza econômica, que, do lado das empresas, trava investimentos, também piora o humor dos consumidores, acrescenta a coordenadora. "A incerteza afeta todas as faixas de renda. Os consumidores percebem que toda a economia gira em torno de decisões pendentes. Há insegurança sobre qual rumo será tomado", diz.

Segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, o período de "lua de mel" que tradicionalmente marca os primeiros meses de novos governos está acabando e, para a camada de renda mais baixa, o choque de realidade foi mais forte. "Foi a parcela do eleitorado que ajudou a eleger Bolsonaro, mas é também a população que tem menos poupança e, por isso, é mais sensível ao mercado de trabalho." Pesquisa feita no fim de 2018 pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) mostrou que, entre os consumidores da classe AB, 43% conseguem guardar dinheiro. No agregado das classes C, D e E, essa fatia diminui para 17%.

Meirelles acrescenta ainda que, para esses consumidores, a ausência de resultados concretos na economia não é o único motivo de descontentamento. "O problema é que não existe perspectiva de futuro. Mais do que emprego e renda, o consumidor não consegue enxergar um rumo para o país e, assim, uma parcela da população começa a questionar a capacidade de liderança efetiva do governo."

O maior ceticismo das famílias sobre o futuro do país e da economia é outro fator que joga contra uma reação mais pujante da demanda em 2019. Em abril, a pesquisa de Intenção de Consumo das Famílias (ICF), calculada pela CNC, apontou que 60,3% dos entrevistados avaliam o momento atual como ruim para a compra de bens duráveis. Para 35,7% dos pesquisados, a tendência é que o nível de consumo caia nos próximos meses, parcela superior aos que preveem alta (34,5%).

Na visão da entidade, as incertezas de curto prazo quanto aos rumos da economia, devido principalmente à falta de melhora no mercado de trabalho, apontam um quadro de "relativo desânimo" do consumidor. "Ele está mais receoso e tende a colocar o pé no freio", diz Fabio Bentes, economista-chefe da CNC. A confederação cortou de 5,2% para 4,9% a projeção para o aumento das vendas no varejo ampliado (inclui automóveis e material de construção) neste ano.

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Índice de Miséria se recupera e deve voltar ao nível de 2015

Estevão Taiar 

14/05/2019

 

 

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Sergio Vale: "Melhoramos bastante, mas ainda estamos muito aquém"

O Índice de Miséria, que busca medir de maneira aproximada o bem-estar da população, deve ter evolução modesta ao longo de 2019. A tendência é que o indicador termine o ano no mesmo nível do início de 2015.

"Melhoramos bastante em relação aos piores momentos, mas ainda estamos muito aquém do patamar em que poderíamos estar", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

O indicador foi criado no começo dos anos 70 pelo economista americano Arthur Okun. No Brasil, ele é calculado somando a taxa de desemprego (medida pela PNAD Contínua) com a inflação (acumulada em 12 meses do IPCA). Quanto menor a soma, maior a sensação de bem-estar da população.

No auge da recessão, em meados de 2016, o Índice de Miséria atingiu o maior nível em mais de uma década: 20,8 pontos. Mas, puxado principalmente pelo recuo abrupto da inflação, caiu durante o ano e meio seguinte.

Desde o início de 2018, entretanto, ele vem basicamente variando em torno dos 15 pontos. No meio do ano passado, por exemplo, houve um repique causado pela greve dos caminhoneiros. "Mas o efeito foi esporádico e depois se reverteu", diz Vale. "O grande culpado pela queda lenta na verdade é o desemprego."

Em janeiro deste ano, a inflação acumulada ficou em 3,8%, abaixo da meta de 4,25%, enquanto a taxa de desocupação atingiu em 12%. Com isso, o Índice de Miséria ficou em 15,8 pontos, patamar semelhante ao do início de 2018.

"Levará certo tempo para voltar aos menores níveis da década", diz. Entre 2012 e 2014, o indicador ficou várias vezes na casa dos 12 pontos.

No cálculos de Vale, o Índice de Miséria terminará 2019 em 14,3 pontos, recuo de 1,5 em relação ao nível atual. A projeção para o IPCA é de 3,7%, enquanto o desemprego deve ficar em 10,6%.

O economistas destaca, no entanto, que, além da queda lenta, a composição atual do indicador é pior do que no início da década. Na época, as duas variáveis estavam em situação oposta à atual: inflação alta e desemprego baixo.

"A percepção da população a respeito do desemprego é maior", diz. "As pessoas acabam conhecendo um monte de gente desempregada, inclusive na própria família. A compreensão a respeito da taxa de desemprego também é mais simples do que entender a inflação."

Para o economista, a solução para a queda do Índice de Miséria é "seguir o caminho das reformas". Vale afirma que a implantação da agenda reformista no mandato do presidente Jair Bolsonaro (PSL) pode levar a economia a um "círculo virtuoso" semelhante ao do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Talvez daqui a quatro anos consigamos estar um momento parecido com aquele vivido em 2006", diz, citando o último ano do primeiro mandato do petista. Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2006, o Índice de Miséria caiu de 25 pontos para 11,8 pontos.

Em menor medida, o recuo da meta de inflação - de 4,5% no ano passado para 3,75% em 2021 - também deve ajudar. "Espero que a meta continue caindo até chegar a 3%", diz.

O Banco Fibra tem visão ainda mais pessimista e calcula que o indicador vai se manter "ao redor de 16 pontos" nos próximos dois anos. A instituição financeira projeta crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de apenas 1% neste ano e de 2,6% no ano que vem, com "lenta recuperação do mercado de trabalho".

Economista-chefe do banco, Cristiano Oliveira destaca que o Índice de Miséria tem uma correlação negativa com a popularidade do presidente da República: quanto maior um, menor o outro. Como exemplo, ele cita o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o Índice de Miséria e a popularidade médios foram, respectivamente, 13,2 pontos e 71%. Já no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, esses indicadores ficaram em 18,1 e 13%.

Com base nessas premissas, Oliveira afirma que "é provável" que a avaliação do presidente Jair Bolsonaro "permaneça próxima do patamar atual nos próximos meses, sem tendência de alta ou de queda, mas distante do ponto máximo da série do início do mandato".

Ele faz a ressalva, no entanto, que a aprovação plena da proposta de reforma da Previdência, incluindo o regime de capitalização, seria "geradora de empregos" e poderia levar à queda do Índice de Miséria.