Valor econômico, v.20, n.4749, 14/05/2019. Política, p. A7

 

Justiça do Rio quebra sigilo de Flávio e Queiroz 

Rafael Rosas 

14/05/2019

 

 

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) subiu o tom ontem, em resposta a declarações dadas no fim de semana pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e divulgou uma nota em que diz que "o senador tem direcionado seus esforços para invocar o foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal ou mesmo tentar interromper as investigações, como o fez junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, fato amplamente notificado nos meios de comunicação".

Para os procuradores do Rio, Flávio é "presença constante na imprensa", mas nunca compareceu ao MP-RJ, apesar dos convites para esclarecer sua relação com o ex-policial militar Fabrício Queiroz, seu ex-assessor parlamentar.

Ontem, o jornal "O Globo" informou em seu site que o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) autorizou, no dia 24 de abril, a quebra de sigilo de Flávio, de sua mulher, Fernanda Bolsonaro, da empresa dos dois, a Bolsotini Chocolates, além do de Queiroz e de sua família. Procurado, o TJ-RJ informou que não se pronunciaria, pois o processo corre em sigilo de Justiça. O MP-RJ também não se pronunciou sobre a quebra de sigilo, sob a mesma alegação. A quebra de sigilo compreenderia o período de janeiro de 2007 a dezembro de 2018.

Em nota, o senador afirmou que o seu "sigilo bancário já havia sido quebrado ilegalmente pelo MP-RJ, sem autorização judicial". "Tanto é que informações detalhadas e sigilosas de minha conta bancária, com identificação de beneficiários de pagamentos, valores e até horas e minutos de depósitos, já foram expostas em rede nacional após o chefe do MP-RJ, pessoalmente, vazar tais dados sigilosos", diz Flávio no comunicado. "Somente agora, em maio de 2019 - quase um ano e meio depois - tentam uma manobra para esquentar informações ilícitas, que já possuem há vários meses. A verdade prevalecerá, pois nada fiz de errado e não conseguirão me usar para atingir o governo de Jair Bolsonaro", acrescenta.

Em entrevista publicada ontem pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o senador afirmou que "há grande intenção de alguns do Ministério Público de me sacanear" e que o seu "processo corre em sigilo de Justiça, mas sempre que vai para o Ministério Público os caras vazam tudo". Os procuradores afirmaram ontem, entretanto, que "as investigações sigilosas somente ganharam notoriedade após a deflagração da Operação Furna da Onça, pelo Ministério Público Federal, em novembro de 2018, com a consequente juntada do relatório do Coaf aos autos da respectiva ação penal".

A relação entre Queiroz e Flávio começou a ser analisada pelo MP-RJ depois que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou movimentação financeira considerada atípica nas contas de Flávio e de Queiroz, que foi seu assessor parlamentar. Desde então, o senador nega irregularidades. Queiroz foi chamado para dar sua versão ao Ministério Público, mas alegou motivo de saúde para não comparecer; ele operou um câncer.

Flávio também foi convidado a dar sua versão dos fatos aos procuradores, mas não compareceu. O PSL chegou a protocolar em março representação contra o procurador-geral de Justiça do MP-RJ, José Eduardo Gussem, alegando que a investigação teria como objetivo atacar a reputação de Flávio, com vazamento de informação sigilosa e indevida espetacularização na mídia. O pedido para interromper a investigação foi negado.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Destino de senador é principal trunfo de ministro 

Maria Cristina Fernandes 

14/05/2019

 

 

Ao assumir o Ministério da Justiça debaixo de um bombardeio, Sergio Moro valeu-se do discurso de que iria para o governo porque sua pauta havia sido aceita pelo presidente. Acusado de ter aderido ao vencedor de uma disputa em que o principal concorrente era seu prisioneiro, Moro se defendeu dizendo que o presidente havia aderido à sua pauta, e não o contrário.

O ministro voltou a usar o mesmo argumento ao ser fritado em praça pública pelo presidente da República na entrevista à Rádio Bandeirantes. Ao dizer que assumira o compromisso de indicar Moro ao Supremo porque o ministro havia aberto mão de 22 anos de magistratura, Bolsonaro tentou colar a barganha no ministro.

Permitiu a livre interpretação de que Moro não foi para o governo em busca de realizar seu projeto de combate à corrupção mas de uma prebenda. Antecipa assim sua defesa contra futuras alegações de uma saída motivada pela frustração da pauta anticorrupção.

Não fez questão de defender os superpoderes de Moro. Ao contrário. Disse que se o conselho que controla atividades financeiras no país, o Coaf, voltar para o Ministério da Economia, não oferecerá problemas para o ministro da Justiça, que mantém boas relações com Paulo Guedes.

E foi além. O Coaf, disse, deve se manter independente. Só não pode vazar informações. Depois de deitar e rolar em cima dos vazamentos da Lava-Jato contra seus adversários na política, o presidente teve que amargar o expediente, desta vez, contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que teve sua movimentação bancária exposta antes da quebra oficial do sigilo autorizada ontem pela justiça federal no Rio.

Se Bolsonaro atraiu Moro para o governo para neutralizá-lo, com sucessivas derrotas, e uma promessa irrealizável, como a da vaga no Supremo, porque exposta a 18 meses de intempéries, o ministro da Justiça também tem seu trunfo na queda de braço com o presidente.

O principal são as relações da família Bolsonaro com as milícias. Com ou sem Coaf, Moro tem como avançar nas investigações que hoje cercam o senador Flávio. Se Fabrício Queiroz ainda não teve um mandado de prisão expedido contra si é pelas salvaguardas de um momento político ainda muito distante da sucessão presidencial.

A despeito dos desgastes enfrentados desde sua posse como ministro, Moro mantém popularidade capaz de rivalizar com o presidente da República no seu eleitorado. E poderá turbiná-la ainda mais se, ao prosseguir na sua pauta, como tem dito, cruzar com o caminho do filho e, por que não dizer, do próprio presidente.

As crescentes hostilidades de Bolsonaro contra os militares de seu governo ajudaram ainda a selar velha aliança da farda com o antigo togado. Agraciado pelo então comandante do Exército, o general Eduardo Villas-Boas, com a principal condecoração da arma, a Ordem do Mérito Militar, em 2017, Moro foi alvo, na semana passada, em pleno tiroteio entre o capitão e seus generais, de singela homenagem.

Villas-Boas compareceu à sessão da Comissão de Segurança da Câmara que ouviu o ministro sobre o pacote anticrime. Com o tuíte da véspera, contra o preferido do presidente, Olavo de Carvalho, demonstrara desencanto com seu escolhido em 2018. Com sua presença, sinalizou que seu encanto já tem nova guarida.