O Estado de São Paulo, n. 46056, 22/11/2019. Política, p. A4

 

Supremo sinaliza excluir antigo Coaf de julgamento

Rafael Moraes Moura

Breno Pires

22/11/2019

 

 

Judiciário. Maioria dos ministros defende restringir análise sobre compartilhamento de dados apenas a informações da Receita Federal; sessão será retomada quarta-feira

Voto. Alexandre de Moraes, durante julgamento; para ministro, Receita não pode ser privada de transmitir dados ao MP

Em discordância com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a maioria dos ministros da Corte sinalizou que pretende retirar a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, do julgamento sobre a necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de dados sigilosos entre órgãos de controle e o Ministério Público. Logo, o debate deve ficar restrito, apenas, à necessidade de anuência de um juiz para que investigadores tenham acesso a informações da Receita Federal. Paralisado ontem após dois votos, o julgamento deve ser retomado quarta-feira.

Caso essa posição seja confirmada, volta a correr a investigação sobre um suposto esquema de “rachadinha” – quando funcionários de um gabinete devolvem parte do salário para o político – que envolve o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A investigação teve início depois que o antigo Coaf comunicou o Ministério Público (MP-RJ) sobre movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz – o caso foi revelado pelo Estado.

Os ministros argumentam que o julgamento deve excluir o UIF (antigo Coaf) e ficar restrito à Receita porque o caso examinado é um processo de sonegação fiscal envolvendo donos de um posto de gasolina em Americana (SP). A defesa dos empresários acusa a Receita de extrapolar suas funções ao passar dados sigilosos sem aval da Justiça.

O processo ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento do Supremo deve ser aplicado para outros casos nos diversos tribunais do País. Toffoli, no entanto, resolveu colocar também em discussão o compartilhamento de dados do UIF.

Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, Toffoli ampliou o escopo do caso levado a julgamento, incluindo também o UIF, quando a discussão inicial tratava apenas da Receita. Foi nesse processo que o presidente do Supremo suspendeu, em julho, todos os procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da Justiça, o que beneficiou Flávio. “Eu tenho muita dificuldade em enfrentar esse tema (UIF), que não foi suscitado em nenhum momento nesse RE (recurso extraordinário)”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, na sessão de ontem.

A ministra Rosa Weber reforçou a posição do colega, ao afirmar que tem “perplexidade” em discutir, nesse processo sobre Receita, a atuação do antigo Coaf. “Pelo visto ele só surgiu aqui em sede extraordinária. Não se diz uma linha a respeito (da UIF no caso)”, observou.

Na avaliação do ministro Marco Aurélio Mello, a maioria do tribunal deve se posicionar contra a ideia de se debruçar sobre a atuação do UIF no compartilhamento de informações. “Não vamos tirar o que não está. Não vamos é incluí-lo. Não faz (sentido). Cada dificuldade em seu dia”, disse o ministro a jornalistas, depois da sessão.

Divergência. Até agora, votaram apenas os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Ambos trataram tanto da Receita quanto do UIF, embora tenham divergido. Como o julgamento só será retomado na próxima quarta-feira, Toffoli conta com o tempo para tentar convencer os colegas.

No único voto de ontem, Moraes não acompanhou propostas feitas por Toffoli para restringir compartilhamentos de informações fiscais e bancárias por parte da Receita e da UIF com o Ministério Público Federal (MPF). Moraes votou que a Receita não pode ser privada de encaminhar ao MPF dados que são importantes para a deflagração de investigações criminais.

Segundo o ministro, não faz sentido, portanto, impedir o envio de dados fiscais detalhados quando há indício de crime. O presidente do STF havia proposto que o Fisco não pode encaminhar ao Ministério Público dados detalhados de Imposto de Renda e extrato bancário.

Toffoli havia estabelecido, também, que a UIF não pode enviar ao MPF relatórios de inteligência financeira (RIFs) contra “cidadãos sem alerta já emitido de ofício pela unidade de inteligência ou sem qualquer procedimento investigativo formal”.

O voto de Moraes, porém, não estabeleceu nenhuma limitação no compartilhamento de dados do antigo Coaf. Moraes afirmou, ainda, que o órgão pode elaborar relatórios a pedido do Ministério Público, sem apresentar restrições à forma como os procuradores podem fazer esse pedido. Os investigadores do MP, portanto, podem fazer pedidos à UIF.

Ao fim da sessão, o relator da Operação Lava Jato, ministro Edson Fachin, afirmou que, após o julgamento, será revogada a decisão de Toffoli que resultou na suspensão de centenas de casos criminais em apuração no País. A situação de cada caso específico também deverá ser analisada pelo juiz competente.

JÁ VOTARAM

- Dias Toffoli

Defendeu restrições ao compartilhamento de informações fiscais e bancárias por parte da Receita Federal e do antigo Coaf com o Ministério Público Federal.

- Alexandre de Moraes

Divergiu de Toffoli e afirmou que a Receita não pode ser privada de encaminhar ao MP dados importantes para investigações.

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Toffoli foi além e ampliou objeto do caso concreto

Vera Chemim

22/11/2019

 

 

Apesar da análise do caso concreto não incluir procedimentos relacionados à atuação da UIF (o antigo Coaf), o ministro relator Dias Toffoli ampliou o seu objeto, que deveria tratar da Receita Federal. De acordo com Toffoli e Moraes, a Receita só poderá encaminhar informações fiscais ou bancárias ao MP desde que haja prévio processo administrativo e a devida notificação do contribuinte.

Para Toffoli, a Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP) não pode ser acompanhada de documentos “sensíveis” relativos à privacidade das pessoas, como a íntegra de extratos bancários ou declaração de imposto de renda que só poderão ser acessados com autorização judicial. Ao contrário de Toffoli, Moraes admite aquele compartilhamento sem autorização judicial, uma vez que os direitos fundamentais não podem servir de escudo para atividades ilícitas. Quanto à UIF, Toffoli e Moraes concordam que os RIFs só constituirão “meios de obtenção de prova”. Porém, Moraes, ao contrário de Toffoli, reconhece que é constitucional o compartilhamento de informações entre UIF e RF com os órgãos de persecução penal para fins criminais que deverão manter o seu sigilo.

Caso o voto de Moraes venha a prevalecer, o caso de Flávio Bolsonaro deverá ser processado e julgado com a validade das provas já disponibilizadas pela Receita sem autorização judicial, assim como os demais casos similares.