O Estado de São Paulo, n. 46056, 22/11/2019. Política, p. A8

 

Partido de Bolsonaro defende Deus e armas

Camila Turtelli

Mateus Vargas

22/11/2019

 

 

Presidente ‘lança’ o Aliança pelo Brasil, que ‘repudia o socialismo e o comunismo’

O presidente Jair Bolsonaro lançou ontem o Aliança pelo Brasil, partido que ele deseja tirar do papel a tempo das eleições municipais de 2020. O ato de fundação, exigência legal para que a legenda seja registrada pela Justiça Eleitoral, foi marcado por discursos em defesa de Deus e do uso de armas, além de ataques a movimentos de esquerda e a antigos aliados, como o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC).

Para ser registrado oficialmente e poder disputar eleições, ainda será necessária a coleta de 500 mil assinaturas, em pelo menos nove Estados. O prazo para que o partido seja registrado a tempo de concorrer nas eleições do ano que vem é apertado e termina em março do ano que vem. A expectativa é de que o presidente da República possa ser o principal fator de mobilização para conseguir os apoios necessários.

No evento, realizado em um hotel em Brasília pago pelo suplente de um senador do PSDB (mais informações nesta página), o futuro partido foi apresentado como conservador, comprometido com a liberdade e a ordem, soberanista e de oposição às “falsas promessas do globalismo”. O programa afirma que a sigla “reconhece o lugar de Deus na vida, na história e na alma do povo brasileiro”. Há ainda defesa da posse de armas.

Bolsonaro disse querer que a nova legenda “reze” sua “cartilha”. “Assim, atingiremos de verdade os nossos objetivos”, afirmou. Ele será o presidente do Aliança e seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o vice. Filho “03”, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) deve assumir a fundação que será vinculada ao partido. A primeira-dama, Michele Bolsonaro, e o filho “04”, Jair Renan, também fazem parte da comissão que assinou o ato de filiação. Apenas o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC) não participou do evento ontem.

A debandada do grupo político de Bolsonaro do PSL ocorre após divergências com o presidente da sigla, deputado Luciano Bivar (PE). O PSL deixou de ser nanico após eleger 52 deputados no ano passado – deve receber algo próximo de R$ 1 bilhão em recursos públicos até 2022. A intenção do grupo do presidente era afastar Bivar para poder dar as cartas na distribuição do dinheiro.

A expectativa é de que pelo menos 20 parlamentares eleitos pelo PSL acompanhem Bolsonaro no Aliança. Até agora, porém, apenas Flávio Bolsonaro pediu a desfiliação. Os deputados ainda buscam uma brecha jurídica para tentar migrar sem o risco de perder o mandato por infidelidade partidária.

Responsáveis pela estratégia jurídica para a criação do Aliança, os advogados Admar Gonzaga (secretário-geral) e Karina Kufa (tesoureira) também farão parte da direção.

‘Anticomunismo’. Karina Kufa foi a primeira a falar no evento, ao detalhar os “princípios” do partido. “O povo deu o norte da nova representação política. Em 2019, novo passo precisa ser dado. Criar partido que dê voz ao povo brasileiro”, afirmou a advogada.

Segundo ela, o partido “se esforçará para divulgar verdades sobre crimes do movimento revolucionário, como comunismo, globalismo e nazi-fascismo”. Disse ainda que a sigla estabelecerá relações com partidos e entidades de países que “venceram o comunismo”, como os do leste europeu. “O Aliança pelo Brasil repudia o socialismo e o comunismo”, afirmou Karina. “A nossa bandeira jamais será vermelha”, reagiu a plateia.

“Acreditamos que será o partido que traçará uma aliança para um Brasil sem corrupção, mais transparente, melhor para todos”, disse o advogado Wesley Toledo, que saiu na terça-feira de carro de Londrina para participar do evento em Brasília.

Ao discursar no lançamento do Aliança, Bolsonaro afirmou que pode acolher candidatos às eleições municipais de outras siglas, caso o Aliança não saia do papel a tempo. Horas antes, o presidente havia dito que não ia “entrar” na disputa municipal sem o próprio partido.

Não faltaram também ataques a ex-aliados do bolsonarismo vistos como “traidores”, como o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) e Witzel. Para Bolsonaro, o governador do Rio tem “obsessão” para se tornar presidente. “(Witzel) tenta destruir quem está do meu lado usando a Polícia Civil do Rio”, declarou. Disse ainda que a sua vida se tornou “um inferno” por causa de Witzel.

Assinaturas. Uma das ideias de Bolsonaro é colher assinaturas em plataformas digitais, o que depende de aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Crítico do voto eletrônico, ele questionou, mais cedo: “O voto pode, assinatura não pode? De acordo com a decisão, a gente vai saber se forma para março ou para o final do ano que vem.”

Em parecer ao TSE, o viceprocurador-geral Eleitoral, Humberto Jacques, se manifestou contra a coleta de assinaturas digitais para criar siglas.

‘PRINCÍPIOS’

O programa do Aliança pelo Brasil apresenta os seguintes princípios:

- Respeito a Deus e à religião

- Respeito à memória e à cultura do povo brasileiro

- Defesa da vida

- Garantia de ordem e da segurança

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Suplente de tucano pagou por auditório

Camila Turtelli

Mateus Vargas

22/11/2019

 

 

Suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), o advogado Luís Felipe Belmonte afirmou ontem que foi o responsável por pagar o aluguel do auditório do Hotel Golden Tulip, em Brasília, onde foi realizada a convenção de lançamento do Aliança pelo Brasil, partido criado pelo presidente Jair Bolsonaro.

A afirmação de Belmonte contraria o que o próprio Bolsonaro havia dito mais cedo. Durante discurso, ele agradeceu o exvice governador do Distrito Federal Paulo Octávio pela “cessão” do local. “Conversei há pouco com o Paulo Octávio, ao qual eu agradeço a cessão desse local e perguntei sobre a taxa de ocupação de hotéis. Ele disse que está bem superior à do ano passado”, disse Bolsonaro.

Em 2009, Paulo Octávio teve seu nome citado na Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal (PF), que investigava a distribuição de recursos ilegais a políticos do DF em troca de apoio. Ele nega participação no esquema. Em 2014, ele chegou a ficar quatro dias preso depois de ser acusado pelo Ministério Público de participar de um esquema de pagamento de propina para liberação de alvarás. Ele também nega. Atualmente, ele é presidente regional do PSD.

Belmonte negou que Bolsonaro tenha se enganado ao dizer que Paulo Octávio, um dos sócios do Golden Tulip, cedeu o auditório. O hotel ficou conhecido nos governos do PT por abrigar eventos do partido.

“Cedeu porque o local é muito solicitado. Ele (Paulo Octávio) conseguiu liberar na data”. Anunciado como segundo-vice-presidente da legenda, Belmonte é casado com a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF). Ele não revelou o valor da locação, mas disse que foi uma doação sua para o Aliança. “O partido ainda não existe, não tem como fazer despesa. Eu, como estou participando desde o primeiro momento, fiz essa doação”, disse.

Belmonte foi um dos principais doadores de campanhas no Distrito Federal no ano passado. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele destinou R$ 3,947 milhões aos candidatos, a maior parte para Izalci.

Conforme aliados de Bolsonaro, uma vaquinha foi feita para pagar outros custos, como segurança, recepcionistas e aluguel de telões instalados na parte externa, onde apoiadores acompanharam os discursos.