O Estado de São Paulo, n. 46055, 21/11/2019. Política, p. A4

 

Em voto, Toffoli impõe limites a órgãos de controle

Rafael Moraes Moura

Breno Pires

Lorenna Rodrigues

21/11/2019

 

 

Judiciário. Presidente do STF defende que antigo Coaf não pode produzir relatório ‘por encomenda’ a pedido do Ministério Público; sessão será retomada nesta quinta-feira

Relator. Dias Toffoli, presidente do STF, foi o único a votar; julgamento pode anular caso Queiroz e mais 934 outros processos

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, votou ontem por impor restrições ao compartilhamento de dados bancários e fiscais entre órgãos de controle e investigadores. Em um longo voto, Toffoli afirmou que a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, pode informar autoridades sobre eventuais irregularidades, mas não pode atuar sob demanda do Ministério Público. Isso abre caminho para manter suspensa a apuração envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (RJ) no esquema da “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. No caso, revelado pelo Estado, houve um pedido do Ministério Público por dados do Coaf.

Quatro meses após ter mandado parar todos os casos no País em que dados fiscais e bancários foram compartilhados pela UIF e pela Receita Federal sem autorização prévia da Justiça, Toffoli propôs ontem colocar limites para a atuação de ambos os órgãos. O longo voto, que tenta costurar uma saída que não comprometa investigações em curso no País, foi interpretado dentro do Supremo como uma forma de obter apoio dos colegas. A discussão será retomada hoje à tarde.

“Talvez o mais importante aqui seja a questão da supervisão judicial para evitar abusos de investigações de gaveta que servem apenas para assassinar reputações sem ter elementos ilícitos nenhum. Isso pode ser utilizado contra qualquer cidadão, contra qualquer empresa e isso é nosso dever coarctar (restringir, limitar)”, disse o presidente da Corte.

Durante as quatro horas que levou para ler o voto, sem esclarecer as dúvidas dos demais ministros, Toffoli tentou afastar a sombra das investigações em torno de Flávio Bolsonaro. No plenário, estava o advogado do senador, Frederick Wassef, que acompanhou a discussão.

Flávio passou a ser investigado pelo MP do Rio após um relatório do Coaf apontar movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão no intervalo de um ano nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar. “Aqui não está em julgamento, em nenhum momento, o senador Flávio Bolsonaro”, disse Toffoli. “É bom afastar essa lenda urbana.”

O caso analisado pelo Supremo gira em torno de um processo de sonegação fiscal envolvendo donos de um posto de gasolina em Americana (SP). A defesa acusa a Receita de extrapolar suas funções. O processo ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo deve ser aplicado para outros casos. Em julho, Toffoli deu uma liminar que resultou na suspensão de 935 apurações e inquéritos do Ministério Público Federal, o que beneficiou o filho do presidente da República.

O voto do ministro não esclareceu o que deve acontecer com essas investigações. Se prevalecer a posição de Toffoli, a análise sobre a continuidade ou não deles deverá ser feita caso a caso, o que gera incerteza sobre o futuro de diversos processos.

Regras. Para Toffoli, a UIF pode compartilhar informações com o Ministério Público e a Polícia, mas os dados devem ser repassados mediante sistemas de acesso restrito e vedadas outras formas de comunicação, como e-mail. Na avaliação de Toffoli, a UIF também não pode elaborar relatório de inteligência por “encomenda” contra cidadãos sem qualquer investigação criminal existente.

Esses dois pontos são contestados pela defesa de Flávio Bolsonaro, que utilizou esses argumentos para anular as investigações. Nos bastidores, a percepção da defesa do senador foi que essa limitação fortalece as decisões judiciais que paralisaram a investigação sobre o parlamentar.

As maiores limitações impostas pelo ministro, no entanto, miraram a Receita Federal. Dentro do MP, há o temor de que as restrições impostas por Toffoli criem mais uma etapa de procedimentos que congestione a Justiça e trave as investigações.

Para Toffoli, a Receita não pode incluir nas chamadas Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) que envia ao Ministério Público, dados considerados sensíveis, como a íntegra de extratos bancários ou de declaração de imposto de renda, a não ser que solicite autorização da Justiça. Na prática, isso obrigaria a Receita a rever os procedimentos atualmente adotados.

Quando há indícios de crime, como lavagem de dinheiro ou contrabando, a Receita é obrigada a comunicar o MP – e isso não muda. Enquanto a Receita investiga o não pagamento de tributos, o MP apura na esfera penal, o que pode levar à prisão.

Conforme revelou o Estado,a Receita incluiu a advogada Roberta Maria Rangel, mulher de Toffoli, entre alvos de apuração preliminar por indícios de irregularidade tributária. Foi a mesma investigação que atingiu o ministro do STF Gilmar Mendes e sua mulher, Guiomar Feitosa.

O voto de Toffoli não foi totalmente compreendido entre ministros. “Tem que chamar um professor de javanês”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, ao fim da sessão.

'Flávio Bolsonaro'

“Aqui não está em julgamento, em nenhum momento, o senador Flávio Bolsonaro. É bom afastar essa lenda urbana.”

Dias Toffoli

PRESIDENTE DA CORTE