O Estado de São Paulo, n. 46055, 21/11/2019. Política, p. A12

 

Porteiro recua e diz ter se enganado

Paulo Roberto Netto

Fausto Macedo

21/11/2019

 

 

Funcionário de condomínio afirma à PF que se equivocou ao escrever que acusado de matar Marielle iria à casa que pertence a Bolsonaro

Barra da Tijuca. Entrada do condomínio no Rio onde Bolsonaro e Ronnie Lessa têm casas

Depois de ligar o nome do presidente Jair Bolsonaro à investigação da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), o porteiro do condomínio Vivendas da Barra mudou sua versão sobre o que aconteceu no dia do crime ao prestar depoimento à Polícia Federal (PF) anteontem. O funcionário disse, agora, que se enganou ao escrever no livro de registro do condomínio, em 14 de março de 2018, que um dos acusados de assassinato, Élcio Queiroz, iria à casa 58, que pertence a Bolsonaro. Questionado por que não comunicou o erro ao prestar depoimento, relatou que se sentiu “pressionado”.

Ao longo do depoimento, ele também afirmou que ninguém o obrigou a mencionar o nome do presidente. Segundo reportagem da TV Globo veiculada em 30 de outubro, o funcionário manteve a versão de que Élcio foi à casa 58 em dois depoimentos anteriores. Ainda de acordo com a TV, ele chegou a dizer que, na ocasião, identificou a voz que autorizou a entrada do visitante como sendo do “seu Jair”. Bolsonaro, à época deputado federal, estava em Brasília, conforme registros da Câmara dos Deputados.

No dia seguinte, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) afirmou que analisou os áudios da portaria e concluiu que a entrada de Élcio foi autorizada por Ronnie Lessa. Élcio e Ronnie estão presos desde março deste ano. Ambos negam participação no crime. A defesa deles pede a suspensão do processo.

O porteiro foi ouvido anteontem no inquérito aberto para apurar se ele mentiu nas oitivas anteriores. A investigação foi solicitada pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, para apurar “tentativa de envolvimento indevido” de Bolsonaro nas investigações sobre o assassinato da vereadora. O inquérito corre em sigilo, e o Ministério Público Federal (MPF) afirma que só se manifestará na conclusão do caso.

Segundo o ministro, há “inconsistências” no depoimento do funcionário, o que poderia classificar o ato como “crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho ou denunciação caluniosa”. A Procuradoria-Geral da República (PGR) aceitou o pedido de Moro e enviou o ofício ao Ministério Público Federal

do Rio de Janeiro, que solicitou a abertura das investigações no dia 6. No mesmo dia, a Polícia Federal abriu o inquérito. Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, foram mortos há 616 dias em circunstâncias até hoje não esclarecidas.

No dia seguinte à citação do nome de Bolsonaro no caso, o MP-RJ solicitou perícia nos áudios, feita em menos de duas horas e meia. Foi a partir desta análise que promotoras do caso sustentaram a tese de que o porteiro mentiu em depoimento.

Áudios. O MP-RJ afirma que os áudios não foram editados, nem adulterados, mas a perícia é questionada por especialistas. Segundo eles, não houve tempo suficiente para uma análise aprofundada das provas e ressaltam que, como os computadores do condomínio não foram avaliados, não é possível saber se algum áudio foi suprimido ou renomeado de forma a enganar os investigadores.

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, exibiu nas redes sociais gravações que ele teria obtido com o síndico do condomínio. O próprio presidente chegou a declarar que havia pego os áudios antes que fossem “adulterados”. A declaração provocou questionamentos sobre suposta obstrução de Justiça.

Federalização. Em setembro, a então a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o caso fosse conduzido em âmbito federal, o que será analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) até o fim deste ano.

A federalização do caso, no entanto, enfrenta resistências do MP-RJ, que comanda as investigações. Em entrevista ao Estado na última sexta-feira, o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública na gestão Michel Temer, Raul Jungmann, classificou como “injustificável” a ação do MP para barrar a federalização. Segundo ele, o caso já estaria solucionado se estivesse sendo investigado em âmbito federal.

O MP repudiou as declarações do ex-ministro e afirmou que o acionou formalmente para dar explicações.

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Polícia volta a ouvir assessores de Carlos Bolsonaro

Roberta Jansen

Caio Sartori

21/11/2019

 

 

A Polícia Civil do Rio de Janeiro voltou a convocar para depor, depois de mais de um ano, pessoas ligadas à vereadora Marielle Franco e ao vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Os investigadores tentam entender melhor como era a relação entre os dois parlamentares, que eram vizinhos de gabinete na Câmara do Rio e teriam se envolvido em uma discussão no corredor do prédio.

Em 29 de outubro, no dia em que o Jornal Nacional, da TV Globo, revelou o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, a viúva da vereadora, Monica Benicio, voltou a ser ouvida pela polícia. Segundo pessoas que acompanharam o depoimento, houve insistência em perguntas sobre Carlos.

Um ex-assessor da vereadora, que afirma ter discutido com o filho do presidente, também foi convocado novamente para falar sobre o episódio. Carlos teria tentado agredir um assessor de Marielle, e ela teria ameaçado chamar a segurança da Câmara para intervir. Carlos nega que tenha havido tentativa de agressão, diz que nunca brigou com Marielle e que o episódio com o assessor tratou-se de uma “discussão sem desdobramentos” .

A briga foi abordada em depoimentos de ex-funcionários de Marielle no início das investigações, quando o próprio Carlos foi ouvido pela polícia na condição de testemunha, mas havia sido deixada de lado ao longo de 2019. Carlos não é investigado neste caso nem foi chamado a prestar novo depoimento.

Em nota enviada à reportagem, o gabinete de Carlos disse que não tem nada a declarar sobre as apurações da Polícia Civil. “Ressalto que nunca houve brigas entre os parlamentares, não sei de onde você tirou esta informação. Ela não procede. O relacionamento entre o vereador Carlos Bolsonaro e a ex-vereadora Mariele Franco, sempre foi cordial e amigável.”

Quanto ao episódio envolvendo o assessor, a equipe do vereador alegou que “a vereadora estava em seu gabinete e prontamente interviu com a cordialidade que lhe era peculiar.”

Até o momento, as investigações apontam para o envolvimento dos ex-PMs Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, presos desde março. A ProcuradoriaGeral da República apontou o ex-deputado e conselheiro licenciado do Tribunal de Contas do Estado, Domingos Brazão, como provável mandante.

Discussão

“Ressalto que nunca houve brigas entre os parlamentares. O relacionamento no parlamento entre o vereador Carlos Bolsonaro e a ex-vereadora Marielle Franco sempre foi cordial e amigável”

ASSESSORIA DE IMPRENSA DE CARLOS BOLSONARO, VEREADOR (PSC-RJ)