O Estado de São Paulo, n. 46053, 19/11/2019. Política, p. A8

 

Toffoli anula decisão sobre dados sigilosos

Rafael Moraes Moura

Breno Pires

19/11/2019

 

 

Pedido de acesso a informações financeiras de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas foi contestado pela PGR e por parlamentares

STF. Presidente do Supremo, Dias Toffoli, com o procurador-geral, Augusto Aras, e o advogado-geral da União, André Mendonça

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, voltou atrás e decidiu anular ontem a própria decisão que determinava o envio, pelo Banco Central, de cópias de todos os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) produzidos nos últimos três anos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Na prática, o ministro havia obtido acesso a informações de cerca de 600 mil pessoas, incluindo autoridades com prerrogativa de foro privilegiado.

A decisão, agora tornada sem efeito, foi duramente criticada por membros do Ministério Público Federal (MPF) e parlamentares, que reforçaram as articulações por uma CPI para investigar ministros do Supremo. “Ressalto que esta Corte não realizou o cadastro necessário e jamais acessou os relatórios de inteligência”, escreveu o presidente do STF, na decisão de ontem. Em resposta à decisão de Toffoli, o Banco Central havia autorizado o acesso do ministro às informações do Coaf.

Conforme revelou o Estado na sexta-feira, também por determinação de Toffoli, a Receita Federal encaminhou à Corte dados fiscais sigilosos e provas obtidas em investigações contra mais de 6 mil contribuintes, nos últimos três anos. Uma ala do Supremo avalia que excessos cometidos por agentes públicos estão na Receita, e não no Coaf. Uma das preocupações é com a utilização de informações referentes a declarações de imposto de renda e movimentações bancárias.

O tema será analisado pelo plenário do STF amanhã. Às vésperas do julgamento que discute a necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de informações sigilosas pela Receita e pelo antigo Coaf, o presidente do Supremo costura um voto que imponha limites ao repasse de dados, mas que não seja visto como ameaça ao combate à corrupção no País.

A discussão, que deve mais uma vez dividir o plenário do Supremo, interessa ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Relator do processo que discute o repasse de informações sigilosas por órgãos de controle e inteligência, Toffoli determinou, por meio de uma liminar, em julho a suspensão de diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da justiça. Só no Ministério Público Federal (MPF), o saldo de casos parados chegou a 935.

Uma das preocupações no governo é a de preservar as atribuições do Coaf e da Receita.

Reunião. Para tratar do tema, Toffoli se reuniu ontem com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça. “Nós estamos tentando buscar uma solução que atenda a todos em relação ao que vai ser votado na quarta-feira”, disse Campos Neto ao deixar o encontro.

Segundo o Estado apurou, Toffoli deve levar em conta as ponderações do grupo de trabalho da Organização dos Estados para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que demonstrou preocupação com a liminar do ministro concedida em julho.

Devassa. Em resposta a um pedido de esclarecimentos feito por Toffoli, Aras informou que é “tecnicamente impossível” a PGR fazer qualquer tipo de “devassa” em movimentações bancárias alheias, “até porque sequer possui acesso a essas informações”. De acordo com a PGR, ao longo dos últimos três anos, o Ministério Público recebeu 972 relatórios do Coaf, “todos enviados de forma espontânea”, pelo órgão.

Os relatórios são encaminhados ao Ministério Público por sistema eletrônico, “de forma automática”, em meio eletrônico e com uso de canal “criptografado”, ressaltou Aras. As comunicações, observou o procurador, não fornecem extratos completos de transações financeiras de uma determinada pessoa, e sim dados referentes a situações específicas que foram consideradas suspeitas.

Toffoli também havia solicitado a Aras que informasse “voluntariamente” quais e quantos membros do MPF são cadastrados no sistema restrito do Coaf, mas o procurador-geral não forneceu essas informações.

Ontem, três órgãos de coordenação e revisão do MPF reforçaram a necessidade de revisão da decisão de Toffoli que suspendeu diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da justiça.

Além de pedir que o plenário derrube a decisão que proibiu o compartilhamento, a nota pública quer que o Supremo reveja outra decisão de Toffoli, de outubro, que ordenou à Receita e ao BC a entrega dos documentos referentes aos RIFs e representações para fins criminais.

PARA LEMBRAR

Ministro parou investigações

Em julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, determinou a suspensão de todas as investigações do País em que foram utilizados dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf) e da Receita Federal sem autorização judicial. A decisão, que atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), resultou na paralisação de ao menos 700 investigações. No mês seguinte, em agosto, Toffoli determinou que a UIF lhe encaminhasse cópias de relatórios de inteligência financeira dos últimos três anos – informações sigilosas de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas. A informação foi revelada pela Folha de S. Paulo na quinta-feira passada. Na sexta, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ofício pedindo que Toffoli revogasse a decisão. O presidente do STF negou e pediu mais informações à UIF. Ontem, o ministro recuou da decisão.

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Fachin manda apurar se Cunha comprou votos

Rafael Moraes Moura

Pepita Ortega

Prata Pedro

19/11/2019

 

 

O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, determinou a abertura de um inquérito para investigar suposta compra de apoio político para a eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados, em 2015. Os supostos repasses, no valor de R$ 30 milhões, teriam sido autorizados pelo executivo Joesley Batista, do grupo J&F. Cunha teve o mandato cassado em setembro de 2016.

O caso ficou parado na Procuradoria-Geral da República por mais de um ano, o que levou Fachin a questionar a então procuradora-geral, Raquel Dodge, sobre o andamento da apuração, conforme mostrou o Estado em setembro. O pedido de abertura de investigação foi formulado em outubro pela equipe do sucessor de Raquel no comando do Ministério Público Federal, Augusto Aras.

Delação. O inquérito tem como base o acordo de delação premiada do ex-diretor da J&F Ricardo Saud. Segundo ele, o emedebista pediu ajuda do grupo empresarial para angariar votos na disputa pelo comando da Câmara. Joesley teria ficado responsável por viabilizar o apoio de parlamentares em troca de recursos financeiros, enquanto Saud se envolveria na articulação com as bancadas de Minas e do e com alguns líderes.

De acordo com Saud, Cunha pediu – e Joesley autorizou – R$ 30 milhões. “Esse cenário probatório, ao menos tal qual delineado atualmente, aponta para a prática, pelos investigados, em concurso de pessoas, dos crimes de corrupção e de lavagem de capitais”, escreveu o subprocurador-geral da República, Bonifácio de Andrada, ao pedir a abertura de inquérito a Fachin.

A Procuradoria-Geral quer que fique no Supremo a parte da investigação relativa a deputados federais que atualmente possuem mandatos.

A defesa de Eduardo Cunha não foi localizada para comentar a decisão do ministro do Supremo.