O Estado de São Paulo, n. 46053, 19/11/2019. Economia, p. B1

 

Com governo 'no jogo', Congresso quer unificar propostas de reformar tributária

Adriana Fernandes

19/11/2019

 

 

Reestruturação. Câmara e Senado pretendem criar comissão mista para obter ‘convergência’ entre o pacote que a equipe econômica deve apresentar até o fim do mês e os textos já em tramitação nas duas Casas; Maia afirma que mudanças não deveriam excluir ICMS

Câmara e Senado devem criar uma comissão mista informal para chegar a uma “convergência” entre o pacote de reforma tributária que o governo deve enviar até o fim deste mês ao Congresso e as duas outras propostas que já tramitam em ambas as Casas. Não há ainda definição sobre a relatoria e a presidência dessa comissão. Sem o texto do governo, deputados e senadores disputavam o protagonismo da reforma, o que, na prática, inviabilizou a tramitação de novas medidas. A avaliação de líderes partidários é que isso mudou com a “entrada no jogo” da equipe econômica.

O Estado antecipou ontem que o pacote do governo vai prever uma reforma em quatro fases, até meados de 2020. A primeira etapa estipula a criação de um imposto sobre o consumo, com a fusão do PIS e da Cofins, com alíquota entre 11% e 12%. Na segunda fase, prevista para o início do próximo ano, o plano é encaminhar a mudança no IPI, que será transformado em imposto seletivo. Na sequência, o governo vai se concentrar no IR de pessoas físicas (com o aumento da faixa de isenção e nova alíquota para os mais ricos) e na desoneração da folha salarial das empresas.

As propostas já em tramitação na Câmara e no Senado são ainda mais abrangentes, mas nenhuma delas conseguiu deslanchar. PEC idealizada pelo economista Bernard Appy – e apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) – cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), substituindo três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. A mudança ocorreria em uma transição de dez anos até a unificação e em 50 anos até a compensação de eventuais perdas de arrecadação de Estados e municípios.

Já o texto do Senado, assinado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e líderes partidários, recupera o conteúdo do relatório do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) formulado na Câmara. Essa reforma também prevê a criação do IBS, mas com a extinção de nove tributos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis (todos federais), ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Além disso, Hauly avança e propõe o Imposto Seletivo para bens e serviços específicos. O IBS não incidiria.

“O governo não poderia ficar de fora desse processo tão relevante. Sinaliza na direção que temos um avanço do ponto de vista da proposta do governo que estava represada há certo tempo”, disse o líder da maioria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da proposta que tramita na Câmara.

Resistências. A reação do Congresso ao pacote do governo já veio por meio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-SP). Ele disse ao Estadão/Broadcast que o plano da equipe econômica não resolve o principal entrave tributário atual – a complexidade do ICMS (mais informações nesta página). Maia disse que o governo do ex-presidente Michel Temer também tentou unificar apenas PIS e Cofins e não conseguiu ir adiante. “O governo anterior tentou avançar apenas com isso e não andou. Já avisei mil vezes à equipe econômica”, afirmou ele.

Hauly disse que a reforma tributária é “100 vezes” mais importante do que a administrativa para a economia. “O secretário entrou no jogo, bem jogado, conhece tecnicamente e é formidável de diálogo”, disse Hauly, referindo-se ao novo secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto. O ex-deputado defende, porém, que a proposta não seja fatiada. “Estamos preparados para uma etapa única.”

Para Gabriel Kanner, presidente do Instituto Brasil 200, a proposta de unificar o PIS e a Cofins é positiva por simplificar o ambiente de negócios. Mas ele vê com descrédito a possibilidade de aliar a desoneração da folha salarial e a reformulação do Imposto de Renda à manutenção da carga tributária.

“Dificilmente o governo vai conseguir reduzir Imposto de Renda sobre pessoa física e jurídica sem ampliar a base (de tributação). Não haverá outra solução que não o microimposto (um tributo sobre transação financeira, semelhante à CPMF)”, afirmou ele. O Instituto Brasil 200 é uma evolução do Movimento Brasil 200 – lançado no ano passado pelo empresário Flávio Rocha, presidente do grupo Riachuelo –, que tem entre suas bandeiras o retorno da CPMF.

O economista Fabio Klein, analista da Tendências Consultoria, também afirmou que o governo ainda não esclareceu como fará para manter a carga tributária atual. “Toda a estratégia que busque a simplificação faz sentido, porque desonera a produção brasileira e ganha competitividade”, disse ele. “O desafio é como fechar a conta.”

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Estados discutem mudanças em regras para cobrança do ICMS

Bárbara Nascimento

Lorenna Rodrigues

19/11/2019

 

 

Sem esperar pelo Congresso, governadores tentam avançar em pacote com propostas para simplificar tributo

Cenário. Reforma caminha a passos lentos no Congresso à espera da proposta do governo

Com a reforma tributária a passos lentos no Congresso, à espera da proposta do governo, os Estados tocam em paralelo uma agenda de mudanças no ICMS, o imposto estadual. Fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast afirmam que as discussões passam pela simplificação da cobrança do tributo e pela redução de entraves na votação de benefícios fiscais no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Pela legislação, ao conceder uma redução de ICMS, o Estado tem de submeter essa decisão ao Confaz – conselho que reúne os secretários de Fazenda dos 27 Estados e do Distrito Federal. Na prática, porém, os Estados não cumprem essa exigência, praticando o que ficou conhecido como guerra fiscal. Sem o aval do Confaz, porém, os benefícios podem ser contestados.

Em vez da unanimidade para aprovar uma isenção ou redução de impostos por parte de um Estado, a maioria dos governadores quer que o quórum caia para 4/5. Por outro lado, as demais decisões do Confaz, que hoje são tomadas por maioria simples, também teriam de ter os mesmos 4/5. Entre essas decisões, estão a definição sobre criação de fundos e suas respectivas fontes de recursos.

Transição. Segundo secretários, a ideia é preparar o terreno para a reforma tributária, que prevê a unificação de tributos sobre o consumo nas três esferas da Federação, entre eles, o ICMS. A visão dos governos estaduais é que a discussão está embaraçada no Congresso e, mesmo que se aprove uma reforma, a transição prevista faria com que os Estados convivessem com o ICMS ainda por muitos anos. “Como a gente sabe que a reforma não vai vigorar no dia seguinte, pensamos em discutir uma simplificação do ICMS para o período da transição”, disse um secretário, que pediu anonimato.

Os secretários também discutem mudanças no mecanismo de substituição tributária, permitindo que o imposto seja recolhido no início da cadeia de algumas produções, com base em estimativa de margem do produto final. Entendimento do Supremo Tribunal Federal permite hoje que o imposto calculado no início possa ser reajustado no fim da cadeia, nos casos em que o produto é vendido por preço menor do que o estimado inicialmente, dando direito a uma restituição.

Caso não seja viável alterar o entendimento do STF, a ideia é ao menos criar uma legislação nacional relativa à substituição tributária. Hoje, cada Estado aplica a antecipação do tributo com critérios diferentes. “A decisão do STF retirou o elemento de facilitação da substituição tributária. Queremos simplificar novamente ou, ao menos, criar um padrão nacional”, disse outro secretário.