O Estado de São Paulo, n. 46054, 20/11/2019. Política, p. A4

 

STF pode anular apuração de caso Queiroz e mais 900

Rafael Moraes Moura

20/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Judiciário. Supremo julga a exigência de autorização judicial para compartilhamento de dados sigilosos por órgãos, o que afetaria investigações como a que envolve Flávio Bolsonaro

Julgamento. Dias Toffoli é o relator da ação que decidirá se compartilhamento de dados deve ser autorizado previamente

O Supremo Tribunal Federal (STF) discute hoje a necessidade de autorização judicial prévia para o compartilhamento de informações sigilosas por órgãos de fiscalização e controle, como a Receita Federal e o antigo Coaf, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Com expectativa de placar apertado, o resultado do julgamento pode abrir brecha para anular a investigação sobre a prática de “rachadinha” no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia do Rio, além de causar impacto em outros 934 processos.

O julgamento do recurso é considerado crucial para o Ministério Público do Rio (MP-RJ). Se o Supremo decidir que é necessária autorização prévia para o compartilhamento das informações, volta à estaca zero a investigação sobre a suspeita de um esquema de divisão de salários dos assessores parlamentares de Flávio quando ele era deputado estadual, do qual faria parte Fabrício Queiroz, como revelou o Estado. Os promotores teriam que recomeçar o processo, solicitando formalmente os dados à UIF.

Questionado sobre como atuaria nesse cenário, o MP-RJ não respondeu. No fim de semana, os promotores cariocas pediram a Toffoli que casos como o de Flávio não devem estar no escopo do recurso que será analisado.

Relator da ação que será julgada hoje, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, determinou em julho a suspensão de diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da Justiça, o que beneficiou o filho do presidente Jair Bolsonaro. Entre os processos paralisados estão investigações sobre crimes contra a ordem tributária, relacionados à lavagem ou ocultação de bens, além de apurações sobre crimes ambientais na Amazônia, contrabando e corrupção. Se o Supremo decidir que é necessária a autorização de um juiz para o envio dos dados, a Lava Jato sofrerá mais uma derrota.

Em memorial encaminhado ao Supremo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, alertou os integrantes da Corte que limitar o compartilhamento de informações da UIF com o Ministério Público e a Polícia pode “comprometer tanto a reputação internacional do Brasil quanto sua atuação nos principais mercados financeiros globais”. Segundo Aras, a depender da decisão, o Brasil pode ter dificuldade de acesso a créditos internacionais para projetos de desenvolvimento e a redução do rating de investimento por agências internacionais.

Aras quer que a liminar de Toffoli seja revogada pelo plenário do Supremo, o que, na prática, permitiria o destravamento do caso da “rachadinha” envolvendo Flávio Bolsonaro e Queiroz.

Modulação. Conforme informou ontem o Estado, Toffoli costura um voto que imponha limites ao compartilhamento de informações pela Receita e pela UIF, mas que não seja visto como ameaça ao combate à corrupção. O ministro deve fazer uma distinção em seu voto sobre os procedimentos adotados pelos dois órgãos.

A expectativa dentro do Supremo é a de que o tribunal fixe critérios para o repasse de dados sigilosos, em uma discussão que deve mais uma vez rachar o plenário.

Uma das questões que serão discutidas é se os órgãos poderão informar apenas valores globais mensalmente, ou seja, informações genéricas, sem maior detalhamento. Esse ponto foi criticado por Aras, para quem o compartilhamento das informações não depende de autorização judicial.

Também deve ser discutido se o resultado do julgamento valerá para todos os casos ou apenas para aqueles que tiverem pedido de informações à UIF e à Receita após a decisão do plenário. O ministro Alexandre de Moraes criticou a possibilidade de modular os efeitos da decisão. “Se a maioria entender que é inconstitucional, é nulo. Levando em conta que são direitos fundamentais pode modular? Pode, mas precisa de oito votos”, disse o ministro.

O caso concreto que será analisado pelo Supremo é de um processo de sonegação fiscal envolvendo donos de um posto de gasolina em Americana (SP). A defesa dos empresários acusam a Receita de extrapolar suas funções ao repassar dados sigilosos sem aval da Justiça.

O processo ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo neste julgamento deve ser aplicado para outros casos nos diversos tribunais do País.

Reputação

“Não há dúvidas de que os efeitos de eventual descumprimento de diretrizes emanadas do GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional) podem comprometer tanto a reputação internacional do Brasil quanto sua atuação nos principais mercados financeiros globais.”

Augusto Aras

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

CASOS ATINGIDOS

- Operação Descarte

A Justiça Federal de São Paulo suspendeu parte da Operação Descarte, que investiga supostos esquemas de lavagem de dinheiro no setor de coleta de lixo. Dois empresários, que estavam presos, foram soltos

- Propina a PF

O STJ suspendeu a investigação contra o empresário João Alberto Magalhães Cordeiro, denunciado por supostamente pagar propina a agentes da Polícia Federal no Rio para ser favorecido em investigações.

- Construtora Delta

Justiça Estadual parou ação que pura supostos atos de corrupção que envolvem a construtora Delta, Carlos Cachoeira e o ex-governador Marconi Perillo (PSDB)

- Funcionário fantasma

Também ficou travado processo que investiga se o ex-senador Agripino Maia (DEM-RN) contratou funcionário fantasma para seu gabinete

- Rachadinha

O ministro Gilmar Mendes suspendeu investigação que envolve a suspeita de um esquema de rachadinha no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio, e seu assessor Fabrício Queiroz