Correio braziliense, n. 20503, 10/07/2019. Política, p. 2
Esforço concentrado para aprovar a reforma
Alessandra Azevedo
Hamilton Ferrari
Luiz Calcagno
10/07/2019
Câmara deve votar hoje, em primeiro turno, a proposta de mudança nas regras do sistema previdenciário. Alterações no projeto foram negociadas ontem até a última hora. Previsão é de que discussão se estenda até o um de semana
A reforma da Previdência avançou ontem no plenário da Câmara, mas frustrou os deputados governistas, que previam que a votação em primeiro turno começaria ainda durante a madrugada. A discussão atrasou mais do que o previsto inicialmente pelo governo, devido às negociações de última hora para mudanças no texto e à atuação da oposição, que apresentou requerimentos para atrasar o andamento da matéria.
Com os debates encerrados ontem, a previsão é de que comece hoje a votação em primeiro turno. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a sessão começará às 9h, sendo que ele “sentará na cadeira” às 10h30 para abrir o encaminhamento da votação, com o discurso de seis parlamentares, sendo três contrários e três favoráveis à reforma, até as 11h. Ele espera que até sábado seja possível votar o texto-base, em dois turnos, além dos destaques (sugestões pontuais de mudança no texto), para que a matéria esteja pronta para ser encaminhada ao Senado antes do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho.
Até ontem, o governo dizia contar com mais de 330 votos favoráveis. Para aprovar a PEC, são necessários 308, o que representa três quintos do total de 513 deputados, em duas rodadas de votação. A rejeição de um requerimento que pedia a retirada do assunto da pauta, por 331 votos a 117, no início da sessão, deixou os deputados governistas otimistas com a possibilidade de um placar final parecido. Hoje, com a abertura de uma nova sessão, um requerimento com o mesmo teor também será avaliado antes da decisão dos parlamentares sobre o texto-base.
A proposta de reforma começou a ser avaliada às 20h48 de ontem, após um dia de intensas negociações, que não se limitaram a divergências quanto ao texto aprovado na semana passada na comissão especial. A liberação de R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares, à véspera da votação, foi um dos assuntos que gerou mais discussão. Partidos de oposição, como PT e PSol, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) para anular a liberação dos valores, que consideram compra de votos.
Durante a tarde, o governo aceitou flexibilizar as regras de aposentadoria para as mulheres. A mudança vai permitir que elas recebam 60% da aposentadoria quando completarem 15 anos de contribuição. Após atingirem esse patamar, poderão ganhar 2% a cada ano a mais na ativa. Pela proposta que foi aprovada na comissão especial, o valor só começaria a aumentar depois que elas completassem 20 anos de contribuição.
Maia passou o dia conversando com líderes partidários para definir os últimos detalhes antes de pautar a PEC no plenário. Durante a manhã e no início da noite, ele se reuniu pelo menos duas vezes com parlamentares na Residência Oficial da Presidência da Câmara. Além de fazerem uma contagem de votos, eles conversaram sobre a possibilidade de reincluir estados e municípios na reforma, após os entes da Federação terem sido excluídos pelo relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), na Comissão especial da reforma.
Em jogo
O texto aprovado pela comissão, na semana passada, não será necessariamente o mesmo que passará pelo plenário. Os deputados apresentaram 18 destaques de bancada, sobre pontos diversos da proposta, além de 59 individuais, que costumam ser rejeitados em conjunto. O Novo, um dos partidos que mais defendem a reforma, anunciou a apresentação de um destaque para incluir novamente os estados e municípios.
Maia acredita ser “muito difícil” que a Câmara aprove o destaque, e lembrou que o assunto pode ser retomado pelos senadores e, se for o caso, votado à parte. “O Senado poderia se debruçar e devolver uma PEC paralela sobre estados e municípios, para a gente fazer o debate em um ambiente menos tensionado”, explicou.
Há, ainda, a possibilidade de aprovação de uma emenda aglutinativa incluindo apenas os municípios. Com a resistência de alguns parlamentares à inclusão dos estados, líderes articulam a apresentação de uma proposição para beneficiar apenas os prefeitos. “Resolveríamos a situação deles (municípios) e os estados ficariam mais para a frente”, afirmou o deputado Silvio Costa Filho (PRB-PR).
Entre os nove destaques que pretende apresentar, a oposição inclui um para reonerar as exportações agrícolas. A bancada ruralista conseguiu na comissão especial retomar a isenção de contribuição previdenciária do setor, que havia sido retirada no parecer de Moreira. “É um presente de R$ 83 bilhões para ruralistas, enquanto impõe sacrifício enorme a professores e policiais”, reclamou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).
A oposição também vai apresentar destaques para mudar as regras para pensão por morte. A principal reclamação é quanto à possibilidade de que o benefício seja menor do que o salário mínimo, caso não seja a única fonte de renda da família. Segundo o deputado José Guimarães (PT-CE), o assunto conta com o apoio da bancada evangélica. “Caso o texto seja aprovado, o medo do governo é nos destaques. São todos supressivos, então, eles que terão que colocar os 308 votos para rejeitar”, explicou.
Os professores, que não conseguiram ser retirados da reforma na comissão especial, voltam a ter esperanças com um destaque que será apresentado pelo PL. Já a situação de policiais e agentes de segurança pública continua indefinida. Partidos do Centrão consideram que flexibilizar as regras para a categoria pode abrir precedentes para que outros grupos também pressionem por mudanças, além de fortalecer o discurso da oposição de que a reforma mantém privilégios.
O presidente Jair Bolsonaro disse, ontem, que o governo negocia retirar os profissionais de segurança pública da PEC, para que o assunto seja tratado por lei complementar, depois que a reforma for aprovada. “Pelo que tudo indica, o que chegou ao meu conhecimento, é que essas classes da segurança pública deverão sair da PEC e deverão compor uma lei complementar tão logo seja promulgada essa PEC”, afirmou.
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Bolsonaro cria tensão
Leonardo Cavalcanti
Rodolfo Costa
10/07/2019
Antes da abertura da ordem do dia para a votação da reforma da Previdência — que deu início à maratona legislativa de 120 horas —, o presidente Jair Bolsonaro fez declarações que aumentaram ainda mais a tensão entre os parlamentares.
Ainda pela manhã, ele chamou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de general, o responsável pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 6/2019). A confusão maior, porém, se deu à tarde, durante uma coletiva.
Bolsonaro afirmou que “classes da segurança pública” vão sair da reforma e terão as regras de aposentadoria discutidas em um projeto de lei complementar. Como era de se esperar, a leitura feita pelos parlamentares das declarações não foi positiva.
Na avaliação de parlamentares, ao enaltecer Maia como um “general”, Bolsonaro jogou a responsabilidade pela definição das regras dos policiais federais e rodoviários para o presidente da Câmara e, dessa forma, tentou ficar bem com uma das principais bases eleitorais.
E, ao mesmo tempo, antecipou eventuais negociações. Bolsonaro sugeriu que regras de aposentadoria mais suaves para policiais federais e rodoviários federais serão discutidas em um projeto de lei complementar a ser apresentado posteriormente.
“Pelo que tudo indica, o que chegou ao meu conhecimento é que essas classes da segurança pública deverão sair da PEC e compor uma lei complementar tão logo seja promulgada essa emenda”, declarou o presidente durante coletiva.
O porta-voz Otávio Rêgo Barros evitou dizer quais as categorias, mas avisou que não seriam PMs e civis. “(Esses) estão na alçada dos estados.” A interpretação na Câmara foi a de que a declaração de Bolsonaro fazia referência a agentes e delegados federais.
“Isso é mais uma loucura da Presidência. O acordo para discutir a aposentadoria por lei complementar é referente aos bombeiros e policiais militares, não aos federais e rodoviários federais”, criticou um deputado aliado.
O que se sabe é que o governo precisará de muito diálogo dentro do próprio partido, o PSL, para superar entraves. Embora a legenda tenha fechado questão pela votação do texto base da reforma e pela não apresentação de novos destaques, deputados ligados à área de segurança pública devem votar contra a orientação do partido.
Deputados favoráveis à concessão de regras mais brandas de aposentadoria aos policiais criticam a orientação dada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), de que a ordem do Palácio do Planalto é “não passar nada” de mudanças na reforma, a fim de conseguir a aprovação com agilidade em dois turnos.
Parlamentares que decidirem ir na contramão da orientação da bancada estarão amparados pela insegurança jurídica do próprio estatuto do partido, que não deixa claro quais as punições. É o caso do deputado Felício Laterça (PSL-RJ), primeiro-vice-líder na Câmara. “Mesmo que feche questão, vou votar com a segurança pública. Não vejo problema em me posicionar conforme a consciência. Não vou trair meus princípios. E espero que prevaleça o respeito ao parlamentar”, alertou.
Labirinto
As negociações ainda na manhã de ontem já mostravam como a batalha para a aprovação do texto será labiríntica. Depois da reunião de líderes, o deputado Agnaldo Ribeiro (PP-PB) anunciou que a ausência de acordo pode estender a votação da PEC 6/2019 para além da quinta-feira. Tal informação é simbólica, por mais que os caciques partidários se entendam nos próximos rounds da tramitação.
A ausência de acordo sobre a extensão da análise da proposta na Câmara, assim, aponta que o primeiro turno deve ser aprovado até quinta-feira, mas não garante o final da tramitação da Câmara nesta semana, como querem os governistas. Isso não significa que tal movimento inicial seja refeito, afinal os deputados podem simplesmente ter recusado a negociação para não se comprometerem na largada. O labirinto foi apresentado, porém. Resta saber se o governo vai conseguir encontrar as saídas.
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Solução para policiais emperra
10/07/2019