Correio braziliense, n. 20503, 10/07/2019. Mundo, p. 12

 

No rumo incerto

Rodrigo Craveiro

10/07/2019

 

 

Reino Unido-EUA » Às vésperas da escolha do novo primeiro-ministro, oposição insiste em segundo referendo sobre o Brexit, enquanto governo enfrenta crise diplomática com Washington. Trump volta a atacar embaixador britânico e põe aliança histórica em risco

No cenário interno, confusão e incerteza sobre o substituto da primeira-ministra Theresa May e sobre os rumos do Brexit — o processo de divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia (UE). No contexto externo, relações cada vez mais tensas entre Londres e Washington, depois do vazamento da opinião do embaixador britânico nos Estados Unidos, Kim Darroch, sobre o governo caótico do presidente norte-americano, Donald Trump, e a reação desmedida do magnata republicano. A crise diplomática, que agora envolve o chanceler Jeremy Hunt, ocorre no momento em que o líder trabalhista (oposição), Jeremy Corbyn, defende a realização de um segundo referendo sobre o Brexit, na tentativa de forçar a permanência no bloco europeu. Nas mensagens confidenciais, o embaixador classificou Trump de “inepto” e sua gestão de “disfuncional”.

Em meio à derrota na Justiça, que o proibiu de bloquear críticos no Twitter, Trump voltou a usar a rede social para atacar Darroch e May.  “O embaixador maluco que o Reino Unido impingiu aos Estados Unidos não é alguém que nos empolgue, é um cara muito estúpido”, escreveu. “Ele deveria falar ao seu país, e a May, sobre sua negociação fracassada do Brexit, e não ficar chateado com minha crítica sobre como foi isso mal gerenciado. (...) Não conheço o embaixador, mas disseram que ele é um tolo pomposo.” O líder norte-americano disse que o representante britânico “deveria falar ao seu país, e a May, sobre a fracassada negociação sobre o Brexit. “Eu disse a May sobre como fazer esse acordo, mas ela seguiu seu próprio e ridículo caminho e foi incapaz de concluí-lo. Um desastre!”, enfatizou.

Simpatia

Anthony Glees, diretor do Centro para Estudos de Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham, acredita que a amizade estremecida entre britânicos e americanos pode beneficiar o ex-chanceler Boris Johnson, principal cotado para liderar os tories (conservadores) e ascender ao posto de primeiro-ministro. Trump demonstra simpatia por Johnson, que tem sido comparado ao presidente dos EUA por suas polêmicas e sua impetuosidade. “O ataque do republicano a May é ultrajante, e mostra até que ponto ele pode intimidar o Reino Unido e almejar conseguir o que deseja — um embaixador em Washington capaz de ser manipulado pela Casa Branca para atender aos interesses do ‘América em primeiro lugar’”, comentou Glees, ao citar o lema de campanha de Trump.

A postura de um potencial substituto de Darroch em Washington será considerada crítica, caso o Reino Unido abandone a rede de segurança da EU e seja forçado a negociar, a partir de uma posição de fragilidade, um acordo comercial com os EUA. “Não será um pacto entre iguais, e um embaixador pró-Brexit ajudará Trump a colocar os interesses de seu país em primeiro lugar”, acrescentou o professor da Universidade de Buckingham.

Glees lembrou que faz parte do trabalho dos embaixadores relatar o que observam sobre a nação onde firmaram o posto de trabalho. “Eles o fazem em vários graus de sigilo. A primeira coisa a notar sobre a crise nas relações Reino Unido-EUA — uma crise muito séria — é que, de alguma forma, as comunicações secretas entre Darroch e o Ministério das Relações Exteriores, em Londres, foram alvos de hackers. Isso terá sido feito por um adversário ou um inimigo, o que significa China, Irã, Coreia do Norte ou Rússia”, apostou. Ele vê os interesses russos como claros e suspeita que alguém de Moscou ou um político pró-Brexit tenha vazado as mensagens de Darroch.

Chefe do Programa EUA e Américas da Chatham House (em Londres), Leslie Vinjamuri duvida que a crise diplomática mude o resultado da disputa pela chefia de governo. “No entanto, podem muito bem mudar quem será o próximo embaixador”, afirmou. O chanceler Jeremy Hunt lembrou que os diplomatas são apontados pelo governo do Reino Unido. “Se eu me tornar premiê, nosso embaixador ficará”, garantiu, ao tachar os comentários de Trump sobre May de “desrespeitosos e falsos”. Johnson participou de um debate com Hunt e se recusou a comentar a reação de Trump ao vazamento de e-mails. Também declinou confirmar se manteria Darroch em Washington.

Pontos de vista

Por Anthony Glees

Ansiedade no Parlamento

“A maioria dos parlamentares, incluindo grande parte dos conservadores, estará muito ansiosa sobre o que está ocorrendo. Estamos agora na fase de eleger o novo líder Tory (conservador), o qual está prestes a se tornar primeiro-ministro. O eleitorado é composto de 160 mil a 170 mil membros do Partido Conservador, muitos dos quais são eleitores do Brexit e representam 0,27% do eleitorado britânico. O novo líder será Boris Johnson e, de uma forma estranha, a fúria de Trump ajuda o potencial novo premiê, pois o republicano disse que o valoriza.” Diretor do Centro para Estudos de Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham

Por Leslie Vinjamuri

Parceria complicada

“A tensão entre Londres e Washington torna muito complicado o trabalho em conjunto sobre as prioridades estratégicas. China, comércio e Irã são temas que  os Estados Unidos e o Reino Unido deveriam estar, ativa e estrategicamente, gerenciando em parceria. Isso se torna impossível quando esses  dois aliados são constantemente dilacerados por contratempos diplomáticos.”

Chefe do Programa EUA e Américas da Chatham House (em Londres)