Valor econômico, v.19, n.4733, 18/04/2019. Opinião, p. A14

 

Há motivos para recuperação dos investimentos?

Julia Braga 

Fernando Lara 

18/04/2019

 

 

Após dois anos consecutivos de forte queda do PIB brasileiro em 2015 e 2016, a taxa de crescimento voltou ao patamar positivo no biênio 2017-2018. Contudo, a economia ainda encontra-se 4,7% abaixo do nível médio de 2014. Nesse mesmo período, em termos de componente da demanda agregada, somente as exportações tiveram alta real acumulada média positiva (+18%). Todas as demais estão em níveis inferiores aos de 2014: consumo das famílias (-3,9%), consumo do governo (-2,1%) e, sobretudo, a formação bruta de capital fixo (-23,4%).

Ao longo do período, a persistente agenda de austeridade não trouxe a performance macroeconômica prometida. Avaliações subjetivas sobre a "confiança" do setor privado mostraram recuperação em resposta a determinados eventos políticos e/ou alterações institucionais e legislativas, sem que o investimento privado apresentasse a performance esperada. A taxa de juros básica também caiu com bastante intensidade, sem que se percebesse qualquer efeito sobre as decisões agregadas de investimento.

Em nossa concepção, não há qualquer caráter de surpresa nesta dinâmica do investimento. Verifica-se na economia brasileira uma expressiva regularidade do chamado efeito acelerador do investimento, quando se considera a relação entre o investimento produtivo (despesas com compra de máquinas e equipamentos que aumentam a capacidade produtiva do setor privado) e a demanda final (despesas que, não criam capacidade produtiva). Aproximadamente, para cada 1% de aumento na demanda final há um aumento de 2,4% no investimento produtivo. A literatura recente sobre o tema constata ainda que a direção de causalidade temporal é no sentido da demanda final afetar o investimento produtivo, não o contrário.

Sendo assim, nada mais previsível que o investimento tenha desacelerado significativamente durante a desaceleração da demanda agregada e, posteriormente, que tenha encolhido de forma muito expressiva durante a recessão. Da mesma forma, uma futura recuperação do investimento (em máquinas e equipamentos) precisa ser compreendida como consequência da retomada do crescimento da demanda agregada e não como o componente que deveria liderar a recuperação desde o primeiro momento. Não há qualquer possibilidade de que um "aumento de confiança" implique de forma sistemática elevação das despesas de investimento, a não ser que haja um aumento de demanda final que o justifique.

Neste sentido é que ganha centralidade a análise dos componentes considerados autônomos da demanda final, quais sejam, o investimento residencial, o consumo de bens duráveis, as exportações e os gastos públicos.

Ainda que não dependa diretamente da renda corrente, o acesso ao crédito para o investimento residencial está sujeito a uma condição geral de segurança no emprego. Tratando-se de contratos com longa duração e envolvendo valores elevados comparados aos orçamentos familiares, tanto a avaliação das instituições provedoras de crédito quanto a disposição de muitos tomadores estão necessariamente relacionadas às perspectivas da renda futura dos potenciais devedores. Sem um crescimento mais consistente do emprego formal, dificilmente poderá ser reproduzida uma situação que permita elevação do crédito ao investimento residencial comparável àquela que ocorreu ao longo dos anos 2000.

Em alguma medida, estas mesmas observações se aplicam à aquisição de bens duráveis, embora nesse caso as perspectivas pareçam um pouco mais promissoras. De fato, parece ter havido alguma recuperação do crédito para pessoas físicas (PF), com mais proeminência no segmento de crédito não consignado, nos últimos meses. Entretanto, a pequena intensidade dessa recuperação no período em simultâneo a uma importante redução da taxa básica de juros (de 14,25% em 2016 para os atuais 6,5%) não recomenda muito otimismo quanto à intensidade da transmissão da política monetária.

Ainda que o Banco Central tenha executado medidas de caráter regulatório para estimular o crédito, verifica-se expressiva rigidez das taxas de juros para os consumidores finais, de modo que os efeitos têm sido bastante modestos. A combinação entre elementos estruturais do setor financeiro brasileiro com o ambiente de elevada informalidade e baixos salários no mercado de trabalho implicam um quadro ainda precário no que diz respeito à situação financeira de boa parte da população. Tais condições parecem obstáculos importantes para um ciclo de consumo das famílias liderado por crédito.

Relativizando esses dois componentes (construção residencial e bens duráveis), restariam apenas dois candidatos a gastos autônomos capazes de recuperar a demanda agregada de forma mais intensa: as exportações e os gastos públicos/política fiscal.

O crescimento de 18% das exportações entre 2014 e 2018 contribuiu para compensar os efeitos das outras componentes da demanda agregada e retirar o PIB das taxas negativas de crescimento. Entretanto, mesmo supondo uma visão otimista para a economia mundial nos próximos anos, no caso de um país de dimensões continentais como o Brasil, o efeito da demanda externa sobre o crescimento costuma ser insuficiente, pois as exportações correspondem a cerca de 12% da demanda final.

Nesse quadro, a questão que parece de mais urgente apreciação por parte dos analistas econômicos diz respeito ao papel da política fiscal. As convicções sobre a necessidade de ajuste fiscal deram origem a uma orientação de política contraproducente, na medida em que deterioraram ainda mais os próprios indicadores fiscais, especialmente pelos efeitos sobre o nível de atividade e as receitas tributárias. Não nos parece coincidência que a performance macroeconômica tão marcadamente insuficiente que caracterizou o período recente tenha ocorrido simultaneamente a uma adesão incondicional à agenda de austeridade.

Esperamos que o passado recente já seja suficiente para deixar claro que uma opção de política econômica baseada exclusivamente em redução de gastos tem efeitos recessivos irreconciliáveis com qualquer agenda de recuperação dos investimentos, do emprego e da renda.