O globo, n.31434, 30/08/2019. Artigos, p. 02
Argentina paga o preço da resistência às reformas
30/08/2019
Passaram-se mais quatro anos de sucessivas frustrações políticas na resolução dos problemas fiscais. E, de novo, a Argentina dá sinais de ter chegado ao limite da fragilidade econômica.
Acabou o fôlego. Em maio, o país havia acertado um socorro de US$ 54 bilhões com o Fundo Monetário Internacional. Três meses depois, governo e FMI entenderam que se havia chegado à exaustão.
No início do mês, o governo tomava empréstimos para pagar 80% da dívida externa que estava vencendo. Na semana passada, já não conseguia crédito para cobrir mais do que 10% das suas necessidades.
A corrosão da capacidade de pagamento do setor público se deve a uma longa crise de confiança, emulada pelos próprios argentinos, e que se expressa no descontrole da inflação e na desvalorização da moeda, o peso. É um processo de liquefação da riqueza nacional, com destruição em massa de empregos.
Parte da conta deve ser debitada ao presidente Mauricio Macri, mas só em parte. Ele recebeu um país falido. Entre os anos de 2003 e 2015, a ala do peronismo liderada pelo casal Néstor e Cristina Kirchner devastou as finanças e a organização do Estado argentino.
Elas já estavam combalidas desde o ocaso da ditadura militar, com a tragédia da Guerra das Malvinas, perdida para o Reino Unido em 1982. Os Kirchner, no entanto, conseguiram ir além, desperdiçando uma oportunidade dourada ao optar por um receituário populista, como faziam Lula e Dilma no Brasil. Durante o recente ciclo de valorização de preços das commodities, duplicaram os gastos públicos: passou de 23% para 43% do Produto Interno Bruto, nos cálculos do FMI. O objetivo era se manter no poder.
Passada a bonança, veio a conta do desperdício. Macri conquistou a presidência, mas errou na lassidão com as reformas necessárias. O gradualismo não foi suficiente para conter a inflação, e a consequência política foi o voto de protesto nas eleições primárias do início do mês, contra a reeleição de Macri.
A perspectiva de retorno ao populismo kirchnerista grassou a réstia de confiança na economia. Na reta final da campanha, burocratas se mostraram preocupados com a repercussão e rotularam o problema como “reperfilamento” da dívida. É questão semântica. Chame-se moratória, reestruturação ou reperfilamento, o fato é que, durante o jantar dos argentinos, na quarta-feira, o governo anunciou que o país quebrou, mais uma vez. É o custo da resistência à reforma do Estado, sempre adiada.
Para o Brasil, o efeito tende a ser ruim, mesmo que o país ostente US$ 420 bilhões em reservas. O cenário indica mais perdas em exportações. Elas caíram 40% entre janeiro e julho, em comparação com igual período do ano passado.
O cenário indica mais perdas em exportações. Elas caíram 40% entre janeiro e julho, em comparação com igual período do ano passado. Trata-se do maior mercado para produtos manufaturados brasileiros, sobretudo bens de capital.