O globo, n.31434, 30/08/2019. Economia, p. 20

 

Construção civil ajuda a puxar alta da indústria 

Gabriel Martins 

Cássia Almeida 

João Sorima Neto 

30/08/2019

 

 

Setor cresce 2% no segundo trimestre, puxado pelo segmento habitacional. Para analistas, cenário de juros baixos contribuiu para que pessoas físicas financiassem imóveis, mas é preciso retomar obras de infraestrutura

Após cinco anos de recuo, a construção civil registrou crescimento no segundo trimestre. Na comparação com igual período de 2018, o avanço foi de 2%. Essa recuperação, destacam os economistas, está atrelada a um longo período de queda e ao setor imobiliário residencial. A alta contribuiu para o avanço de 0,3% na indústria, na comparação anual. Quando a comparação é entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, o avanço da construção foi de 1,9%, o que contribuiu para a alta de 0,7% da indústria.

O que impediu um avanço maior da indústria foi o setor extrativo, que desabou 9,4%, o maior recuo desde 1996. O tombo se deve à tragédia em Brumadinho (MG), que tirou cerca de 0,3 ponto percentual do PIB. Na comparação entre os dois trimestres de 2019, o recuo foi de 3,8%.

A construção também contribuiu para o bom desempenho dos investimentos, que avançaram 5,2% na comparação anual e 3,2% na trimestral. Mas os economistas destacam que o grande responsável por esse crescimento foram os juros baixos.

— Depois de cinco anos de queda, a indústria tinha que reagir. É preciso, entretanto, avaliar a política monetária. Com os juros baixos, o cenário fica mais propício para a expansão do crédito aos consumidores, que financiam ou fazem melhorias em suas casas. A produção de máquinas e equipamentos também é beneficiada — disse Luis Otávio Leal, economista chefe do banco ABC Brasil.

No período, a indústria de transformação teve alta de 1,6%, com destaque para a produção de metal e de máquinas e equipamentos.

Thiago Xavier, economista da consultoria Tendências, ressalta que a construção civil tem dois pilares, o investimento em infraestrutura e o setor imobiliário. Por conta da situação econômica ainda frágil, o investimento do governo em grandes obras caiu drasticamente.

Assim, destaca o economista, apesar do avanço, a construção como um todo continua frágil:

— A infraestrutura, pilar mais robusto da construção, segue fraca porque o governo teve uma reorientação da política econômica, limitando os gastos e reduzindo programas como Minha Casa Minha Vida e o PAC —disse Xavier.

— Além disso, grandes construtoras foram envolvidas em escândalos financeiros, o que causou redução das operações e de de projetos.

EMPREGOS NA INDÚSTRIA

Outro indicador que aponta que a melhora na construção civil ainda é lenta é o mercado de trabalho. Entre 2015 e 2017, 520 mil postos com carteira assinada foram fechados no setor, indica Xavier, com base no Caged. Neste ano, a média é de 7 mil contratações por mês.

Como uma alternativa para melhorar o indicador, e principalmente a parte de infraestrutura, Leal, do ABC, destaca que é necessário retomar a agenda de grandes obras.

O economista pontua, entretanto, que o governo não tem como fazer mais esse papel. Sendo assim, ressalta, é importante dar espaço para que a iniciativa privada assuma essas responsabilidades.

—Durante muito tempo o governo foi indutor de crescimento por conta das grandes obras. Agora, este cenário não se aplica mais. Por isso,

é necessário que a agenda de concessões e privatizações seja bem formulada para que, assim, a iniciativa privada assuma o papel que o governo não consegue mais cumprir, que é de fomentar a infraestrutura — explicou Leal.

Eduardo Zaidan, vice presidente de Economia do Sindicato da Indústria da Construção Civil de SP (SindusCon-SP), afirma que é preciso comemorar o crescimento da construção civil. Mesmo assim, ele avalia que o setor formal ainda está “andando de lado", uma vez que as grandes obras de infraestrutura não foram retomadas:

— Vemos o setor informal crescendo, ou seja, reformas de casas e venda de material de construção. Para o setor formal voltar a crescer, porém, é preciso mais financiamento, a volta das obras de infraestrutura, a retomada do mercado imobiliário, redução do desemprego e mais investimento. Para este ano, o PIB da construção civil deve ficar em 0,5%. Não vejo condições para um crescimento maior —afirmou Zaidan.

GOVERNO REDUZ CONSUMO

Já o consumo do governo teve queda no segundo trimestre: 1% frente ao trimestre anterior, em um grupo de despesas que respondem por 19% da economia. Foi a maior queda desde o início de 2014.

Segundo projeção da consultoria MB Associados, os gastos do governo devem voltar a cair de agosto a outubro, a um percentual de 0,4% (frente ao mesmo período do ano passado). Ele só voltaria a se estabilizar em 2020.

Na outra ponta, a da oferta, os impostos sobre produtos subiram no segundo trimestre. A expansão foi de 1,7%, puxada pelo desempenho da indústria, forte pagadora de impostos. A taxa foi a maior desde primeiro trimestre de 2018.

— Quando indústria de transformação sobe, há um reflexo nos impostos — disse Claudia Dionísio, gerente de Contas Trimestrais do IBGE.

“O governo foi indutor de crescimento por conta das grandes obras. Este cenário não se aplica mais. É necessário que a agenda de concessões e privatizações seja bem formulada para que a iniciativa privada assuma esse papel”

_ Luis Otávio Leal, economista-chefe do ABC Brasil