O globo, n.31434, 30/08/2019. Mundo, p. 25

 

De local desconhecido 

30/08/2019

 

 

Ex-dirigentes das Farc anunciam ‘nova etapa da luta armada’ na Colômbia

O ex-número dois das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Iván Márquez, cujo paradeiro era desconhecido havia mais de um ano, provocou comoção no país ontem ao reaparecerem um vídeo ao lado de outros antigos comandantes da guerrilha para anunciar uma “nova etapa da luta armada”.

— Anunciamos ao mundo que começou a segunda Marquetalia [lugar onde as Farc nasceram na década de 1960] sob o amparo do direito universal que dá a todos os povos do mundo o direito de se armarem contra a opressão — disse Márquez, em vídeo no YouTube.

— Nunca fomos venci dosou derrotados ideologicamente. P orisso, aluta continua. A História registrará em suas páginas que fomos obrigados a retomar as armas.

O dissidente, ex-chefe da equipe de negociação que chegou ao acordo de paz com o governo colombiano em 2016, afirma que a decisão de voltar às armas é “a continuação da luta guerrilheira em resposta à traição do Estado” ao pacto. Vestindo traje militar e com uma arma na cintura, ele afirma que seu grupo buscará alianças com o Exército de Liberação Nacional (ELN), última guerrilha em atividade na Colômbia.

Rodrigo Londoño, o Timochenko, ex-comandante das Farc e atual líder da Força Alternativa Revolucionária do Comum, partido formado pela antiga guerrilha, condenou o anúncio no Twitter:

“Nós, mais de 90% dos antigos guerrilheiros, continuamos comprometidos com o acordo de paz”, escreveu. “Apesar dos obstáculos e dificuldades, estamos convencidos de que o caminho da paz é o caminho certo. Algo que Manuel M aru landa[ fundador das Farc] nos ensinou foi a manter a palavra. Nossa palavra hoje é paz e reconciliação. A grande maioria de nós permanece comprometida com o que foi acordado, mesmo com todas as dificuldades ou perigos que se avizinham, estamos com a paz”, continuou.

Em entrevista à colombiana Blu Radio, Londoño disse que Márquez “perdeu a vontade de lutar pela paz” e pediu “desculpas à Colômbia e à comunidade internacional” pela ação do ex-companheiro.

O presidente colombiano, Iván Duque, anunciou uma ofensiva contra os ex-líderes das Farc, com uma recompensa de 3 bilhões de pesos (cerca de R$ 3,6 milhões) por informações que levem à captura deles. Duque acusou o venezuelano Nicolás Maduro de apoiar o grupo dissidente:

— Não estamos diante do nascimento de uma nova guerrilha, mas diante das ameaças criminosas de um grupo de narcoterroristas que conta com o abrigo e o apoio da ditadura de Nicolás Maduro.

PROCESSO SOB ATAQUE

Já Humberto de la Calle, que negociou a paz no governo do presidente Juan Manuel Santos, disse que o pacto continua sendo uma conquista histórica eque ogest ode Márquez “não é a primeira nem será a última crise” envolvendo sua implementação.

—Rejeitamos e condenamos o anúncio d eI ván Márquez de volta às armas. É preciso proteger o processo—disse La Calle, que também criticou o atual presidente, opositor do acordo.

— Já dissemos várias vezes que os ataques permanentes ao processo e os riscos de desestabilização jurídica poderiam levar vários comandantes a tomar posições equivocadas. O governo deve assumir com resolução e como Estado a liderança do processo e deixar de atuar com critérios partidários.

O senador de esquerda Gustavo Petro disse no Twitter que o anúncio de Márquez pertence ao século XX: “No século em que vivemos e no país em que vivemos, as armas só levam a uma aliança com o narcotráfico e a economia subterrânea. Dali não surgem revoluções”.

O acordo de paz, alcançado depois de 50 anos de um conflito que também envolveu milícias de extrema direita e deixou 260 mil mortos, levou à desmobilização de 13 mil integrantes das Farc, dos quais 7 mil combatentes. Desde o início, cerca de mil guerrilheiros se recusaram a entregar as armas, dedicando-se a atividades criminosas na mineração clandestina ou tráfico de drogas.

No vídeo, Márquez afirma que falade algum ponto próximo ao Rio Inír ida, no Sudoeste do país e perto da fronteira entre Venezuela e Brasil. Ao seu lado estão os ex-líderes das Farc Hernán Darío Velásquez, o El Paisa, e Jesús Santrich. Segundo Márquez, desde a assinatura do acordo de paz “o desarmamento ingênuo dos guerrilheiros” não impediu o assassinato de líderes sociais e ex-guerrilheiros:

— Em dois anos, mais de 500 líderes do movimento social e 150 guerrilheiros já morreram em meio à indiferença e indolência do Estado. Tudo isso, a armadilha, a traição e a deslealdade, a modificação unilateral do texto do acordo, a quebra de compromissos pelo Estado e a insegurança jurídica nos forçaram a volt arpara amontanha.