O globo, n.31434, 30/08/2019. Sociedade, p. 28

 

Rondônia arde 

30/08/2019

 

 

Parques nacionais e terras indígenas sob ataque

No último dia 13, ainda não havia amanhecido o dia quando fiscais do ICMbio e PMs acampados na região do Rio Jaci Paraná, em Rondônia, se defrontaram com uma quadrilha de mais de 20 grileiros armados. Os invasores atacaram o grupo que tentava impedir uma queimada na área, um lugar emblemático, onde o Parque Nacional de Pacaás Novos se mistura à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. A região, agora, é uma das áreas protegidas que queimam no estado, diz Ivaneide Bandeira, coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

No período de 1º de janeiro a 28 de agosto, Rondônia amargou um aumento de 164% no número de focos de incêndio em relação ao mesmo período de 2018, percentual só inferior ao do Pará (169%), segundo o Programa de Queimadas do Inpe.

Observado por satélites este mês, o conjunto de unidades de conservação e terras indígenas do noroeste de

Rondônia aparece coberto por fumaça. Abaixo dela, a floresta desfigurada pelo desmatamento arde como um microcosmo da tragédia das queimadas que consomem a Amazônia. Povos da floresta pediram socorro sem sucesso desde janeiro contra invasores. Agora, restou a floresta em cinzas.

As chamas já atingiram o Parque Nacional de Pacaás Novos dentro das Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a Terra Indígena Karipuna e a Floresta Nacional do Bom Futuro, esta última a sétima mais desmatada este ano na Amazônia Legal, segundo o sistema de alertas do Deter/ Inpe. As labaredas chegaram às beiradas do Parque Estadual de Guajará-Mirim. A causa é uma só: fogo ateado em áreas desmatadas no início do ano.

CRIME ORGANIZADO

Rondônia, o estado historicamente mais desmatado da Amazônia (perdeu 28,5% das florestas), sofre com grilagem e ausência de fiscalização e combate federais que promovem a destruição da maior floresta tropical do planeta. Só

em 24 de agosto, com o problema instalado, é que Ibama e Exércitos e juntaram ao governo estadual na Operação Jequitibá, parte do decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas realizassem a Garantia da Lei e da Ordem na Amazônia.

Autoridades estaduais e lideranças indígenas e comunitárias sabem quem são os incendiários.

Acusam quadrilhas de grileiros, que atuam soba fachada de associações rurais para invadir, desmatar e incendiar terras públicas não destinadas, unidades de conservação e terras indígenas.

— Houve aumento do fogo em relação a outros anos, e ele está associado a uma grande pressão do crime organizado, que fomenta o desmatamento.

Quadrilhas criam associações rurais e induzem pequenos proprietários a desmatar e a queimar unidades de conservação. Loteiam e desmatam no período chuvoso. Queimam no seco —afirma o coordenador estadual de Unidades de Conservação de Rondônia, Denison Trindade.

Ele explica que o estado tem feito operações policiais e de fiscalização, masque apressão das quadrilhas que atuam na região é imensa. O estado, por exemplo, expulsou invasores e apreendeu equipamentos de grileiros que atuavam na Reserva Extrativista Estadual de Rio Preto-Jacundá, no nordeste do estado. Esse ano o fogo não chegou a atingir aR es ex, mas se alastrou em assentamentos nas fronteiras e matou esta semana um casal de pequenos produtores rurais, cuja casa foi cercada pelas chamas.

Ivaneide diz que as invasões no Parque de Pacaás Novos e na terra Uru-Wau-Wau começaram no fim de outubro, logo após as eleições, e se agravaram em janeiro. Lá vivem sete povos indígenas, três deles não contactados. Ela observa que agentes da Funai, do Ibama e do ICMBio tentaram ajudar, mas nada puderam fazer.

— Até vieram algumas autoridades federais no início do ano, mas não fizeram nada do que prometeram. O ministro (do Meio Ambiente) Ricardo Salles foi a Espigão do Oeste dar apoio aos madeireiros ilegais. Os agentes são intimidados, não podem fazer nada. Nem entramos ainda no período mais seco, tem muita área desmatada e tememos pelo futuro. Só decretar proibição de queimada não vai adiantar se não tiver polícia junto —diz ela.