O Estado de São Paulo, n. 46054, 20/11/2019. Internacional, p. A14

 

Lava Jato pede prisão de ex-presidente do Paraguai por ligação com doleiro

Fausto Macedo

Caio Sartori

20/11/2019

 

 

Procurado. Dario Messer, preso em julho em São Paulo, comandava um esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 5 bi entre 2011 e 2017; a maior parte do tempo em que esteve foragido, segundo investigações, ele esteve sob proteção de Horacio Cartes

Amizade antiga. Horacio Cartes chamou doleiro de ‘irmão de alma’ em evento público em 2016

A força-tarefa da Lava Jato deflagrou ontem a Operação Patrón, que investiga o grupo que deu apoio à fuga e à ocultação de bens de Dario Messer, conhecido como o “Doleiro dos Doleiros”. Os agentes cumpriram 37 mandados – 16 de prisão preventiva, 3 temporárias e 18 de busca e apreensão. Entre os pedidos de prisão, está o do ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes, que teria ligação com Messer.

Messer foi preso em julho, em São Paulo, em uma ação da Polícia Federal e da Procuradoria da República. Ele foi alvo da Operação Câmbio, Desligo – braço da Lava Jato no Rio de Janeiro. O doleiro comandava um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 5 bilhões, entre 2011 e 2017. Segundo o MP, o dinheiro alimentava crimes de corrupção, sonegação fiscal e evasão de divisas.

Messer estava foragido desde maio de 2017. Durante a maior parte do tempo ele ficou no Paraguai, onde contaria com a proteção de Cartes, que governou o país de agosto de 2013 a agosto do ano passado.

Uma das ligações de Messer com o governo paraguaio seria Juan Ernesto Villamayor, ministro do Interior de Cartes – hoje chefe de gabinete do atual presidente, Mario Abdo Benítez. Mensagens de WhatsApp mostram que o doleiro teria pagado US$ 2 milhões a Villamayor para não ser extraditado para o Brasil e ter sua prisão relaxada no Paraguai.

A relação entre Cartes e Messer, segundo a investigação, vem da década de 1980, quando Ramón Telmo Cartes, pai de Horacio, virou acionista de um banco fundado pelo doleiro. Em evento público em 2016, Cartes chamou Messer de “irmão de alma”. Na agenda telefônica do brasileiro, o contato do paraguaio estava salvo como “Rei”.

O intermediário entre eles seria Roque Fabiano Silveira, empresário que vive na fronteira e é conhecido como “Zero Um” pelo seu protagonismo nos negócios de contrabando de cigarro. Silveira também teve mandado de prisão decretado ontem.

As investigações apontam que Messer ocultou cerca de US$ 20 milhões, dos quais US$ 17 milhões teriam sido colocados em um banco nas Bahamas.

O restante teria sido pulverizado no Paraguai, entre doleiros, casas de câmbio, empresários, políticos e sua advogada, María Leticia Bóveda Andrada.

Ontem, Villamayor admitiu ter recebido a advogada, filha do senador paraguaio José Manuel Bóveda. O ex-ministro do Interior, no entanto, garante que o encontro foi para negociar a prisão de Messer – não para receber propina. Carlos Palacios, advogado de Cartes, também negou envolvimento do ex-presidente. “Cartes não teve vínculos comerciais ou societários com Messer. Ele nega isso de maneira enfática.”

Os mandados foram expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio. Ao todo, cerca de 100 agentes participaram das ações em São Paulo, Ponta Porã (MS), Rio e Búzios. Segundo a PF, o nome da operação – Patrón (“patrão”, em espanhol) – é o termo que Messer usava para se referir a Cartes.

O ex-presidente terá um pedido de extradição protocolado pela Justiça brasileira e encaminhado para as autoridades paraguaias. O Paraguai, porém, não prende com base apenas em alerta de difusão vermelha da Interpol. Além disso, Cartes é senador vitalício e tem imunidade parlamentar. Para ser preso, seria necessário que o pedido brasileiro chegasse ao Ministério Público paraguaio, que pediria ao Congresso a retirada da imunidade do ex-presidente. Só então ele estaria sujeito a um processo de extradição.

Diferentemente do Brasil, a lei do Paraguai permite a extradição de cidadãos – em 2018, o expresidente da Conmebol Nicolás Leoz foi enviado para os EUA, onde era acusado de envolvimento no escândalo de corrupção da Fifa.

Defesa

“Cartes não teve vínculos comerciais ou societários com Messer. Ele nega isso de maneira enfática”

Carlos Palácio

ADVOGADO DE HORACIO CARTES