O globo, n.31433, 29/08/2019. País, p. 04

 

O plenário decide 

29/08/2019

 

 

Supremo vai reavaliar tese que anulou condenação de ex-presidente da Petrobras

Depois de a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ter anulado pela primeira vez uma condenação no âmbito da Operação Lava-Jato, o ministro Edson Fachin decidiu ontem levar ao plenário um debate sobre a tese que embasou a decisão. A condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, foi anulada porque, nas alegações finais, foi aberto prazo conjunto para todos os réus, sem diferenciar delatores e delatados.

O entendimento favorável à defesa detonou uma corrida de advogados de réus e condenados na operação para se beneficiar da decisão. Somente nos casos julgados pela Justiça Federal em Curitiba, pelo menos 32 sentenças poderão ser anuladas, envolvendo 143 réus, ou 88% dos 162 condenados até hoje pela operação no Paraná.

O próprio Fachin já aplicou ontem o entendimento a um dos casos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O processo trata do Instituto Lula e já estava pronto para ir a julgamento na 13ª Vara Federal em Curitiba. O relator da Lava-Jato determinou a reabertura dos prazos para alegações finais, e o caso retornará à fase anterior.

A defesa de Lula entrou ainda com pedido no STF para anulação das condenações dos casos do tríplex e do sítio de Atibaia, usando a decisão de terça-feira como argumento.

SOLUÇÃO ALTERNATIVA

O caso que Fachin decidiu levar ao plenário trata do ex gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele pediu preferência para a análise do tema em plenário, que dará a interpretação definitiva do Supremo, ainda sem data marcada.

Para evitar anulações em massa na Lava-Jato, ministros da própria Segunda Turma estudam restringir a aplicação do resultado do caso de Aldemir Bendine. A solução seria, no julgamento de novos recursos, beneficiar apenas os réus que apresentaram o argumento sobre os prazos das alegações finais quando a ação ainda corria na primeira instância. Para os demais réus, a interpretação seria a de que, se não recorreu na fase anterior, é sinal de que estava satisfeito com a ordem processual aplicada.

Nas duas ações em que Lula foi condenado, no caso do triplex do Guarujá e no do sítio em Atibaia, o argumento não foi apresentado em instâncias inferiores, apenas ao STF. No caso do tríplex, nenhum dos corréus era delator na época da condenação, mas a defesa de Lula sustenta que os depoimentos deles foram usados para declarar o ex-presidente culpado.

Se o novo entendimento for estendido a todas as ações com mesmo prazo para apresentação de alegações finais de colaboradores e delatados, o impacto pode ser grande na Lava-Jato de Curitiba. Estão em casos similares 143 réus condenados nos últimos cinco anos, segundo a força-tarefa. Entre eles, há alguns de expressão política, como o ex-ministro José Dirceu.

Os procuradores que atuam em Curitiba criticaram em nota a decisão da Segunda Turma: “A força-tarefa confia que o STF reverá essa questão, inclusive para restringir a sua aplicação para casos futuros ou quando demonstrado prejuízo concreto, de modo a preservar os trabalhos feitos por diferentes instâncias em inúmeros casos de acordo com a lei e entendimento dos tribunais até então vigente”.

Na Lava-Jato do Rio, já começou uma corrida das defesas em busca de enquadrar seus clientes, uma vez que o juiz Marcelo Bretas tem aberto prazo simultâneo para todos os réus. Já afirmaram que podem recorrer ao Supremo, depois de avaliarem os moldes da decisão da Segunda Turma, as defesas dos ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, do ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) Jorge Picciani, do ex-deputado estadual Edson Albertassi, do empresário Eike Batista e do ex-secretário de Obras Hudson Braga, entre outros.

PGR ANALISA RECURSO

Surpresa, a ProcuradoriaGeral da República (PGR) analisa apresentar um recurso para tentar minimizar um possível efeito cascata. Raquel Dodge solicitou que o grupo de trabalho da Lava-Jato no STF discuta as alternativas jurídicas para um eventual recurso.

Uma das estratégias é levantar precedentes de outros julgamentos do STF para ver como os ministros se posicionaram contra esse mesmo argumento utilizado pela defesa de Bendine.

Juristas ouvidos pelo GLOBO analisaram a decisão. O ex-presidente do STF Carlos Velloso discordou do entendimento, lembrando que a Lei de Organizações Criminosas, que regulamenta a delação premiada, não exige períodos distintos para as alegações finais de delatores e delatados.

— Nem o Código Penal, nem a lei da colaboração premiada fazem esta distinção que o Supremo adotou. Penso que não é possível o tribunal, invocando o direito de defesa, ampliar norma processual —afirmou.

Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp explicou que, com a decisão, o Supremo entendeu que delação é prova —e não meio para a obtenção delas —, e por isso réus delatores deveriam entregar as alegações finais antes.

—A decisão deve servir de precedente e vai ser sim utilizada pelas defesas nos processos que guardarem semelhança fática e jurídica. Mas isso vai ser analisado caso a caso —declarou.

O professor de processo penal na UFRJ Francisco Ortigão concordou com a decisão, que, para ele, privilegia o direito da ampla defesa:

— O que os ministros fazem é aplicar o princípio do contraditório, que é assegurado a todos os acusados em geral. Tem que se oportunizar ao réu delatado fazer a desconstrução da imputação feita. (Carolina Brígido, Aguirre Talento, Natália Portinari, Juliana Castro e Rayanderson Guerra, Dimitrius Dantas, Thiago Herdy e Gustavo Schmitt).

ENTENDA O CASO EM CINCO PONTOS

1 Por que o STF anulou a condenação de Bendine?

A Segunda Turma do STF anulou a sentença do ex-juiz Sergio Moro que condenou, em março de 2018, o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine a 11 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A defesa de Bendine alegou que ele não teve o direito de ampla defesa atendido porque teve de apresentar as alegações finais no processo no mesmo prazo de outros réus que fecharam acordo de delação premiada. Segundo três ministros, réus que não se tornaram delatores devem ter a “última palavra”, ou seja, apresentar suas alegações depois que os acusados que fecharam delação concluírem sua posição.

2 O que diz a lei sobre o argumento da defesa de Bendine?

Não há previsão, nem no Código Penal, nem na Lei de Delação Premiada, sobre o ponto proposto pela defesa de Bendine. As leis não diferenciam prazo de defesa entre réus que fecharam delação e os que não firmaram. Acolhendo a tese da defesa, os ministros entenderam que, por terem firmado acordo com o Ministério Público e subsidiado a acusação com testemunhos ou provas, os réus delatores são também uma espécie de testemunha acusatória. Os ministros privilegiaram o princípio de que o réu deve ter o direito de falar após a acusação, para ter garantida a chance de se defender do que lhe é imputado.

3 Qual será o impacto da decisão nos casos da Lava-Jato?

A decisão da Segunda Turma não é de “repercussão geral”, ou seja, não é aplicada automaticamente a todos os casos análogos. Já há, porém, uma corrida das defesas de réus que foram condenados juntamente com delatores para pedir a anulação das sentenças. A Lava-Jato de Curitiba informou que, dos 162 condenados em ações penais da operação, 143 (88%) estão nesse caso. Ganha força entre ministros do STF, porém, uma articulação a favor da interpretação de que apenas réus que apresentaram esse argumento sobre prazos de alegações finais ainda no curso do processo na primeira instância tenham direito à anulação da sentença.

4 A decisão pode voltar a ser discutida pelo Supremo?

Sim, e será. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato e que foi derrotado na votação de terça-feira na Segunda Turma, decidiu levar ao plenário do Supremo o caso do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, que pediu a anulação de sua condenação com base no mesmo argumento. A data de apreciação desse caso pelo plenário dependerá do presidente do STF, Dias Toffoli. Na Segunda Turma, Fachin foi o único voto contrário à anulação da condenação de Bendine. Votaram a favor os ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O ministro Celso de Mello estava ausente da votação.

5 A anulação da condenação pode se estender a réus delatores?

Não. Os casos análogos ao do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine são apenas os de réus que não fizeram acordo de delação premiada, mas que tenham sido condenados em que processos nos quais também há acusados colaboradores. O entendimento do Supremo Tribunal Federal é que os réus que não firmaram delação tiveram a sua defesa prejudicada por não terem podido fazer as alegações finais por último. No caso dos delatores, o próprio acordo formalizado com o MP ou a polícia — e homologado pela Justiça — já lhes garante atenuação ou mesmo extinção da pena, a depender de cada caso.