O globo, n.31433, 29/08/2019. País, p. 06

 

Voto de Cármen Lúcia surpreendeu colegas 

Carolina Brígido 

29/08/2019

 

 

Expectativa na Segunda Turma do Supremo era de empate sobre recurso de ex-presidente da Petrobras, o que levaria o colegiado a adotar a solução mais favorável ao réu. Ministra disse que seu entendimento era pontual

O voto da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), para anular a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine surpreendeu os outros três integrantes da Segunda Turma.

Antes do julgamento, na contabilidade particular que cada ministro faz, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Edson Fachin já vislumbravam um empate. Os dois primeiros votaram para derrubar a sentença do ex-juiz Sergio Moro. Fachin já tinha dado decisão individual no sentido contrário. Celso de Mello estava ausente, por problemas de saúde.

Na Segunda Turma, quando o processo é criminal, apraxeé Cármen Lúcias e alinhara Fachinp ara legitimaras decisões da Lava-Jato em Curitiba. Do outro lado, costumam ficar Lewandowski e Mendes, na ala mais garantista do tribunal —ou seja, com foco maior nos direitos dos réus. Celso de Mello ora vota com um grupo, ora com outro.

VOTO NÃO ERA DECISIVO

O empate, que era a expectativa dos ministros, levaria a Segunda Turma a adotar a solução mais favorável ao réu, como recomenda a legislação penal. Ou seja: Cármen Lúcia nem precisaria marcar posição contra a Lava-Jato — e, consequentemente, contra Moro, atual ministro da Justiça.

Ao mesmo tempo em que a ministra quis dar seu recado na sessão de ontem, ela ressaltou que era um entendimento específico para aquele processo, sem desdobramentos para outros casos.

A condenação de Bendine caiu por um detalhe processual. A defesa alegou que foi aberto prazo conjunto para alegações finais, com a manifestação de todos os réus. Esse é o procedimento que antecede a sentença. Os ministros concordaram que o correto seria primeiro se manifestar os réus que firmaram acordo de delação premiada e, em seguida, os outros acusados. Como Bendine foi alvo de delatores, deveria ter se manifestado por último no processo.

—Nós temos processo penal, a acusação e o acusado. E os acusados estão na mesmíssima condição. Nesse caso, temos uma grande novidade no direito. O processo chegou onde chegou por causa do colaborador. Não vejo que estejam na mesmíssima condição — declarou Cármen Lúcia na sessão de anteontem. Foi a primeira vez que o STF analisou esse argumento específico. Portanto, não se pode dizer que Cármen Lúcia, ou a Segunda Turma, mudaram de ideia.

Não há no Código de Processo Penal, ou na Lei de Delações, diferença de prazo para manifestações finais dos réus. Foi uma interpretação dada pela Segunda Turma a partir do princípio que, num processo penal, a acusação deve falar antes da defesa. Os ministros consideraram que os delatores, por terem firmado acordo com o Ministério Público, são uma espécie de testemunha acusatória. Por isso, eles deveriam se manifestar antes.

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Após crise, chefe da PF no Rio pode ocupar cargo na Holanda

Jailton de Carvalho

Antônio Werneck 

29/08/2019

 

 

Após sua saída do cargo ser acelerada pela Polícia Federal (PF), o superintendente do órgão no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, foi convidado para ocupar uma vaga de representante brasileiro na Europol, a polícia da União Europeia, na Holanda. O cargo depende, no entanto, da aprovação de um acordo de cooperação entre o Brasil e a instituição. A proposta do acordo está em tramitação na Câmara e tem como relator o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG).

Saadi recebeu a promessa de ocupar o posto do próprio ministro da Justiça, Sergio Moro. O ex-juiz esteve no Rio na última segunda-feira para visitar o Centro de Cooperação Policial Internacional, instalado na superintendência. O afago do ministro serviu para jogar água fria na crise entre a PF e o Palácio do Planalto.

O delegado deveria deixar a chefia do Rio em dezembro deste ano ou janeiro de 2020, mas, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, o superintendente deve ser exonerado do cargo nos próximos dias. Em seguidas entrevistas coletivas, Bolsonaro falou sobre o afastamento de Saadi e anunciou até a substituição dele pelo delegado Alexandre Saraiva, superintendente da PF no Amazonas. O órgão, porém, decidiu alocar no Rio Carlos Henrique Oliveira Sousa, da Superintendência de Pernambuco.

Saadi já era o nome preferido na direção-geral para assumir a vaga na Europol. O acordo de cooperação começou a ser costurado em abril de 2017. O objetivo é ter um policial brasileiro à frente de um projeto de prevenção e combate ao crime organizado, ao terrorismo e a outras formas de crime internacional na Europa, por meio do intercâmbio de informações entre o Brasil e o continente.

— O Saadi tinha sido sondado no início do ano e era o nome preferido. Mas há uma tramitação longa que está no final, mas não terminou — disse uma envolvido na negociação.

Nos últimos anos, com raras exceções, assumir o comando da superintendência do Rio significou carimbar o passaporte para um cargo de adido fora do país, pela complexidade e dificuldade administrativas do estado, que tem alto índice de violência e onde o crime organizado fincou raízes. Nas palavras de um delegado federal que recentemente passou uma temporada no Rio investigando grupos paramilitares, o estado “não é para amadores”:

— O trabalho no Rio é muito difícil. Talvez seja a mais problemática superintendência do país — afirmou ao GLOBO.

Ontem, após defender publicamente o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, Moro afirmou que ele “permanece” no cargo e tema sua“confiança ”. Ao ser questionado se não há possibilidade de Valeixo deixar o posto, Moro afirmou que “as coisas eventualmente podem mudar ”. Moro também disse que não é o chefe da PF “de forma alguma”.

— Veja, como eu tenho as várias funções aqui do Ministério da Justiça, as coisas eventualmente podem mudar, mas ele está no cargo, permanece no cargo, tema minha confiança —afirmou em entrevista ao programa Em Foco, da GloboNews.

Moro se esquivou quando perguntado sobre a declaração polêmica de Bolsonaro, de que ele é quem manda na PF e não o ministro.

—Não cabe ficar comentando afirmações do presidente,achoque também seria impróprio —disse o ministro.