O globo, n.31433, 29/08/2019. País, p. 10

 

STJ: relator defende reabertura do caso Riocentro 

Victor Farias 

29/08/2019

 

 

Em seu voto, Rogério Schietti Cruz afirma que atentado, ocorrido em 1981, deve ser considerado como crime contra a humanidade. Ministro Reynaldo Soares pede vista, e julgamento é adiado

O ministro e relator Rogério Schietti Cruz, da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), votou ontem a favor de um recurso do Ministério Público Federal (MPF) pedindo que os seis réus no caso do atentado do Riocentro, ocorrido em 1981, em Jacarepaguá, sejam julgados por crimes contra a humanidade. Schietti foi o único dos dez ministros a votar. Houve um pedido de vista do ministro Reynaldo Soares, e o julgamento foi adiado.

Schietti defendeu que o atentado deve ser considerado como um crime contra a humanidade e, por isso, não pode ser prescrito, como entendeu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). O ministro afirmou também que a Lei da Anistia não interfere nesse caso, já que o atentado ocorreu após a promulgação do texto, em 1979.

— É possível concluir que o atentado do Riocentro fez parte de uma série de ataques orquestrada por integrantes do DOI-Codi e do SNI contra adita ameaça comunista, personificada nos agentes opositores do regime militar—afirmou o relator.

De acordo com Schietti, os autores dos“sucessivos ataques abomba em bancas de jornal, redações de jornais, prédio da OAB, além do ocorrido no Riocentro”, eram agentes do Serviço Nacional de Informações (SNI) e do Destacamento de Operações de Informações (DOI-Codi), e a prática teria ocorrido em um “contexto de ataque sistemático àqueles que publicamente contrariavam o governo militar, em clara tentativa de forçar um movimento de repressão”, o que permite configurar os atos como crimes contra a humanidade.

O ministro afirmou também que as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o governo brasileiro nos casos da Guerrilha do Araguaia e do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ambas relacionadas a crimes praticados na ditadura, servem como base para classificar o atentado dessa forma e orientar o Judiciário.

Essa é a segunda tentativa de punir os culpados pelo atentado do Riocentro. Em 1999, seguindo entendimento do Supremo Tribunal Federal( STF ), a Justiça militar concluiu que os responsáveis estavam anistiados. Entre os envolvidos estão militares que trabalhavam no DOI-Codi e no SNI, na ditadura.

No julgamento de ontem, os ministros analisaram recurso do MPF contra a decisão de 2ª instância que parou a ação. Na ocasião, o TRF-2 considerou ocaso como julgado, citando decisão do Supremo Tribunal Milita rea Lei da Anistia. Os desembargadores negaram a possibilidade de crime contra a humanidade, por acreditarem que não se trata de um crime de governo .(* Estagiários oba supervisão de Eduardo Bresciani) 

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Julgamento no dia dos 40 anos da Lei da Anistia 

29/08/2019

 

 

O julgamento de ontem do recurso do Ministério Público Federal (MPF) para a abertura do caso Riocentro ocorreu no mesmo dia em que a promulgação da Lei 6.683, a Lei da Anistia, completou 40 anos. O texto, aprovado pelo Congresso ainda na ditadura, em 1979, assegurou o perdão a crimes cometidos por militares e por opositores do regime. À época, o general João Figueiredo ocupava a Presidência da República.

A Lei da Anistia, responsável por abrir as portas do país para a volta dos exilados, foi considerada um símbolo da reconciliação nacional. Mais tarde, o texto foi incluído na Constituição Federal por meio da Emenda 26, em 1985, após uma negociação com militares conduzida por líderes políticos como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Raymundo Faoro. Assim, os militares conseguiram anistiar os autores do atentado ao Riocentro.

Segundo a Lei 6.683, foi previsto o perdão para crimes políticos e conexos “de qualquer natureza” cometidos entre 2 de setembro de 1961 a 11 de agosto de 1979. Embora tenha possibilitado a anistia aos autores do atentado do Riocentro, a Emenda 26 acabou excluindo a expressão “de qualquer natureza”. Com a retirada, que dava larga abrangência ao perdão, juízes passaram a não suspender investigações ou barrar ações penais sob pretexto de que anistia era irrestrita, não importando a gravidade ou o tipo crime.