Correio braziliense, n. 20506, 13/07/2019. Cidades, p. 17

 

65% das áreas rurais estão na ilegalidade 

Ana Viriato

13/07/2019

 

 

Problema histórico da capital, a regularização de terras públicas rurais anda a passos lentos mesmo dois anos após a sanção da lei que disciplina o processo. Apenas 34,14% dos terrenos da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap) e do Distrito Federal ocupados por produtores rurais estão em situação regular, segundo a Secretaria da Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Devido ao baixo índice, o Executivo local enfrenta dificuldades para fiscalizar os próprios terrenos e perde cifras milionárias.

A legislação que fixou as regras para a legalização dos mais de 220 mil hectares foi publicada em janeiro de 2017 pelo então governador Rodrigo Rollemberg (PSB) (veja Exigências). Um ano depois, auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) alertou para a baixa adesão ao processo e as respectivas consequências. O estudo, relativo aos contratos assinados entre a administração pública e os produtores, mostrou que, àquela época, apenas 19% das terras rurais da Terracap eram regulares. Com isso, o GDF deixou de arrecadar, por ano, R$ 12,9 milhões em taxas de retribuição, valor pago pelos ocupantes após a assinatura do contrato.

Em março deste ano, o governador Ibaneis Rocha (MDB) criou a Central de Regularização de Terras Rurais para dar agilidade a mais de 3,8 mil processos pendentes na Secretaria de Agricultura e estendeu para abril de 2020 o prazo para a apresentação das propostas por parte dos produtores. Apesar das sequenciais medidas, o índice de regularização subiu apenas 15% desde o início de 2018.

O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do DF, Joe Valle, afirma que a baixa adesão dos produtores rurais à regularização deve-se à morosidade da Terracap. “A empresa demora muito a oficializar panoramas, como a delimitação das áreas e a capacidade de uso, e, assim, não concretiza o acertamento fundiário (criação de lotes individualizados e matriculados)”, explicou. E completou: “Com isso, não conseguimos retirar as Concessões de Direito Real de Uso (CDRU), com registro cartorial. Isso acaba levando à insegurança jurídica”. Na capital, somente três fazendas concluíram esse processo: Boa Vista, Barra Alta e Várzeas.

Devido à dificuldade, os produtores ficam parados em uma espécie de transição, com o recebimento das Concessões de Direito de Uso (CDU), documento que os autoriza a usar temporariamente as terras rurais. “Um decreto da gestão anterior previu que o CDU seria suficiente para usarmos os terrenos como garantia para a obtenção de créditos rurais ou em investimentos. O BRB e o Sicoob aceitam, mas os demais bancos exigem a CDRU”, relatou Joe Valle.

Simplificação

O secretário de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, Dilson Resende, alegou que o governo montou um grupo de trabalho para rever decretos e portarias que tratam de terras rurais a fim de simplificar o processo. Resende estima que ocupantes de cerca de outros 3 mil terrenos da Terracap e do DF ainda precisem apresentar a documentação necessária para a regularização. “Aumentamos a divulgação do programa. É importante que as pessoas entendam que, após o prazo estipulado, os terrenos irregulares poderão ser destinados a outros projetos, licitados ou doados a assentamentos”, explicou o secretário.

Em nota, a Terracap informou que, apenas neste ano, realizou o acertamento fundiário de três fazendas — Cava Baixo, Sítio Novo e Santo Antônio dos Guimarães, localizadas, respectivamente, em Planaltina, São Sebastião e no Paranoá. Para a conclusão do processo, entretanto, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) precisa emitir o licenciamento ambiental. A empresa pública acrescentou que concluiu os processos e autorizou a outorga de 51 escrituras de concessão de direito real de uso (CDRU).

Cobrança

A auditoria do Tribunal de Contas ainda mostrou a baixa arrecadação do GDF com as taxas de retribuição, de R$ 87,27 por hectare ao ano. “Analisando a planilha apresentada pela Terracap, percebe-se que está sendo realizado o controle dos pagamentos. Todavia, há de se registrar o grau de inadimplência observado, que pode se considerar elevado”, frisou o estudo. Conforme os auditores, àquele ano, o governo arrecadou R$ 1,8 milhão, mas deixou de embolsar outros R$ 848,1 mil.Ao Correio, a empresa pública esclareceu que “a auditoria do TCDF, desde sua fase processual, norteou a empresa no aperfeiçoamento do fluxo de procedimentos internos, com atuação proativa, inclusive retomando a cobrança de inadimplentes”. Em 2018, a Terracap recolheu R$ 2, 906 milhões em taxas de retribuição.

Documentação necessária

A Lei nº 5.083, de 2017, dispõe sobre regularização de terras rurais do Distrito Federal.

Para aderir ao processo na Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural,

os ocupantes precisam apresentar os seguintes comprovantes:

» Ocupação de gleba rural com área não inferior a dois hectares ou de gleba com característica rural inserida em zona urbana;

» Ocupação por si, em período anterior a 5 de dezembro de 2008, ou por sucessão, antes de 27 de agosto de 2004

» Uso da terra para atividade rural ou ambiental

» Adimplência com a Fazenda Pública do DF, a Terracap e a Seagri

» Pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR)

» Inscrição da gleba no Cadastro Ambiental Rural (CAR)

34,4%

Percentual de áreas públicas rurais do

DF e da Terracap regulares
R$ 2,906 milhões

Valor arrecadado pelo GDF com as

taxas de retribuição em 2018
R$ 1,593 milhão

Quantia levantada pelo governo com

indenizações pelo uso das terras rurais em 2018

Ponto a ponto
Veja os problemas apontados pela auditoria do TCDF

» Baixo percentual de regularização de terras públicas rurais e deficiência no sistema de controle do cadastro dos ocupantes

» Falhas no controle e na cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR)

» Deficiência na cobrança das taxas de retribuição pelos concessionários — pessoa particular, física ou jurídica que explora a concessão

» Falhas na cobrança das indenizações pela utilização de terras públicas rurais