Correio braziliense, n. 20510, 17/07/2019. Política, p. 2

 

Decisão de Toffoli favorece filho 01

Renato Souza

Luiz Calcagno

17/07/2019

 

 

Justiça » Atendendo pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, o presidente do STF suspende ações penais e diligências que utilizam dados do Coaf e outros órgãos de controle financeiro sem autorização judicial. Plenário deve decidir sobre o tema em novembro

Uma decisão tomada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, paralisa uma série de investigações pelo país. As ações afetadas pelo despacho do ministro são as que tratam de crimes financeiros, como o de lavagem de dinheiro. O ministro atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho 01 do presidente da República, Jair Bolsonaro, e suspendeu o andamento de ações que utilizam informações repassadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal, entre outros órgãos que são responsáveis por monitorar movimentações no sistema financeiro. O entendimento de Toffoli vale para todas as ações que utilizam dados repassados por essas entidades sem que tenha ocorrido autorização da Justiça.

No despacho, o ministro afirma que a suspensão é necessária para evitar que processos sejam anulados futuramente. O entendimento vale até que o Supremo julgue uma ação sobre o tema, agendada para ir ao plenário em novembro deste ano. Ou seja, se não ocorrer mudança no cronograma, todas as investigações afetadas ficam suspensas até o fim do ano. “Considerando que o Ministério Público vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial, o que é de todo temerário do ponto de vista das garantias constitucionais que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, revela-se prudente, ainda, suspender esses procedimentos que tramitam no território nacional e versem sobre o mesmo tema, de modo a evitar eventual usurpação de competência do Poder Judiciário”, escreveu Toffoli no despacho.

Em outro trecho, o ministro diz que a decisão não vale para todas as ações penais ou investigações, mantendo em curso as que usam dados financeiros dos órgãos públicos com autorização do Poder Judiciário. “Deve ficar consignado, contudo, que essa decisão não atinge as ações penais e/ou procedimentos investigativos (Inquéritos ou PIC’s), nos quais os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle, que foram além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, ocorreram com a devida supervisão do Poder Judiciário e com a sua prévia autorização”, completou.

O ato do ministro Toffoli foi duramente criticado por integrantes do Ministério Público e investigadores. O coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio, Eduardo El Hage, afirmou, em nota, que o despacho de Toffoli paralisa as investigações de lavagem de dinheiro em curso no país. “A decisão monocrática do presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil. O que é pior, ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do Coaf, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do judiciário brasileiro”, disse.

El Hage declarou que aguarda que os demais ministros da Corte se debrucem sobre o tema e revoguem o entendimento. “Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível”, completou.

Flávio Bolsonaro é investigado por movimentações financeiras atípicas em sua conta bancária. De acordo com o Coaf, o parlamentar recebeu, em sua conta, 48 depósitos entre junho e julho de 2017. O valor total foi de R$ 96 mil. As informações foram usadas pelo Ministério Público do Rio para abrir investigação contra o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. No documento enviado ao Supremo, os advogados do senador argumentam que ele teve seu sigilo fiscal e bancário quebrado ilicitamente.

Impacto

O cientista político da Fundação Getulio Vargas Eduardo Grin afirma que é preciso avaliar as motivações da decisão, já que o processo corre em segredo de Justiça. Na opinião dele, o ministro pode ter atuado para fortalecer o governo. “Está emprestando sua posição para uma agenda de aproximação institucional muito discutível”, afirmou.

O advogado Daniel Gerber, criminalista especializado em direito penal e processual, diz que o posicionamento do presidente do Supremo ocorre para garantir a segurança jurídica dos processos. “O sistema judiciário tem que regular a tramitação de provas e procedimentos que atentem contra a liberdade do cidadão. Talvez, esteja repercutindo negativamente em virtude do investigado que provocou a Suprema Corte (Flávio Bolsonaro), mas é uma decisão irretocável”, defende.

O que é o Coaf

Criado pela Lei número 9.613, de 3 de março de 1998, e vinculado ao Ministério da Economia, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tem como principal missão o combate à lavagem de dinheiro. Criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o órgão administrativo recebe denúncias, apura e identifica movimentações financeiras suspeitas. O presidente do conselho é indicado pelo ministro da Economia e nomeado pelo presidente da República. Há, ainda, um representante da Advocacia-Geral da União e outros 11 conselheiros de diversos órgãos como: Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Banco Central do Brasil, Controladoria-Geral da União, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Polícia Federal (PF) e do Ministério da Justiça. O órgão ganhou atenção da sociedade ao investigar as movimentações bancárias de mais de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, policial militar reformado e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, então deputado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Qualquer outro

Em Brasília, o advogado do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Frederick Wassef, considera que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender as investigações “nada mais é do que o cumprimento da lei”. Segundo ele, o cliente está “feliz” porque está sendo tratado “como qualquer outro brasileiro”.

“A percepção do senador é que houve justiça e o cumprimento da lei. É a demonstração de que o direito constitucional brasileiro deve ser protegido e guardado”, disse em entrevista à TV Globo. Na opinião dele, “basta as autoridades que investigam cumprirem a lei e, quando entenderem que é o caso de investigar um brasileiro, que se requeira autorização ao Poder Judiciário”.