Título: Gazeta à custa do contribuinte
Autor: Almeida, Amanda ; Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 28/10/2012, Política, p. 14

Deputados faltam às sessões, caem na campanha e apresentam outras justificativas para não terem desconto no salário

O brasileiro pagou R$ 3 milhões, em 2012, para que deputados participassem de atividades partidárias em dias que deveriam estar no plenário da Câmara. Além de benefícios como os 14º e 15º salários e mesmo com as segundas e as sextas-feiras livres para trabalhar em suas bases eleitorais, a maioria faltou às sessões deliberativas sob a justificativa de que estava em “atendimento à obrigação político-partidária”, nomenclatura tão ampla quanto subjetiva. Na prática, evitaram descontos de cerca de R$ 800 por reunião, garantindo o polpudo salário de R$ 26.723,13, sem contar auxílios e outros penduricalhos.

Teve quem usasse o argumento para não comparecer à metade dos 70 dias destinados à votação de projetos. Entre os 10 parlamentares que mais se valeram dessa arma, seis foram candidatos nesta eleição. Segundo a Mesa Diretora, atividades eleitorais não poderiam entrar no bolo. Mas entraram.

Até a última sexta-feira, as atividades partidárias representaram 66,75% das justificativas apresentadas pelos parlamentares para abonar faltas, número cinco vezes maior que o de licenças para tratamento de saúde (12,82%). Dos 513 deputados, apenas 81 não alegaram agenda política para evitar descontos nas remunerações. Só 17 compareceram ao plenário em todos os dias de votação. Das 6.502 faltas contabilizadas neste ano, 793 (12,19%) não foram justificadas. Os parlamentares têm até 30 dias para apresentar as razões das ausências.

O corte de R$ 800 por não comparecimento pode parecer muito, mas não é. Se um cidadão comum contratado sob o regime de trabalho CLT para trabalhar 220 dias por ano recebesse o salário de um deputado e faltasse um dia sem justificativa, sofreria redução de R$ 1.943,50 no contracheque (veja ilustração). Diferentemente dos representantes do povo na Câmara, quando um celetista não comparece ao serviço, ele perde também a remuneração do dia de repouso semanal (em geral, o domingo). A partir da segunda falta na mesma semana, o desconto seria menor, R$ 971,75. Ainda assim, o valor é maior do que o retirado — ao menos na teoria — do bolso dos parlamentares.

Mais que isso. Ao contrário dos trabalhadores comuns, há limite para a redução da folha de pagamento do parlamentar por falta não justificada. O desconto só pode chegar a R$ 16.701,96, o que corresponde a 62,5% do salário. Outra punição é a perda de mandato, prevista para aqueles que não comparecerem a um terço das sessões ordinárias. Candidato à prefeitura de Campo Grande, o peemedebista Edson Giroto (MS) foi o deputado federal que mais teve faltas não justificadas (20) às sessões deliberativas.

Nas folhas de pagamento de Giroto de agosto e setembro, constam descontos de R$ 12.526,44 e R$ 10.021,17, respectivamente, referentes a “acertos de meses anteriores e/ou descontos de falta e impontualidade”. O deputado foi procurado pelo Correio na última sexta-feira, mas, segundo a sua assessoria de campanha, estava em preparação para debate do segundo turno e não pôde atender.

Crítica “Os deputados deveriam pedir afastamento (para participar das eleições). Os que não o fazem não estão sendo honestos”, criticou o coordenador nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas nas Administrações Públicas do Ministério Público do Trabalho, Alpiniano do Prado Lopes. Para ele, a Câmara é muito permissiva e aceita todas as justificativas. “Lógico que o parlamentar tem que ter agenda político-partidária, mas ele quer passar quatro anos em campanha”, afirmou. Para Reguffe (PDT-DF), que faz parte da microlista de oito parlamentares que não tiveram faltas em 2011 e 2012, “só deveria ser considerada justificativa para ausência motivo de doença ou morte de familiar”.

Alpiniano Lopes critica, ainda, a falta de detalhes nas informações divulgadas no site da Câmara sobre as justificativas, que se resumem a atendimento à obrigação político-partidária; missão autorizada (quando o parlamentar representa a Mesa Diretora em eventos e solenidades); decisão da Mesa (para casos como lua de mel e morte na família); e licença para tratamento de saúde. Ele acredita que informações detalhadas deveriam ser divulgadas aos eleitores. “O povo deveria saber disso. E se a Câmara quiser, ela tem estrutura para fazer esse crivo, sim”, afirmou.