O Estado de São Paulo, n. 46039, 05/11/2019. Política, p. A4

 

Governo abandona ideia de 'Lava Jato da Educação'

Lígia Formenti

Thiago Faria

05/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Executivo.  Medida foi anunciada por Bolsonaro no início do seu mandato; protocolo para um ‘pente-fino’ em contratos e programas do MEC durante gestões anteriores não saiu do papel

Protocolo. Ministro Sérgio Moro e Ricardo Vélez, ex-titular do MEC, assinam acordo para investigar contratos na Educação

Anunciada há oito meses, a Lava Jato da Educação foi enterrada pelo ministro Abraham Weintraub, que assumiu a pasta em abril. A “operação” foi anunciada no início do ano pelo próprio presidente Jair Bolsonaro como uma das prioridades do seu governo. A ideia era passar um pente-fino nas gestões anteriores do Ministério da Educação (MEC), entre elas a do exministro Fernando Haddad, adversário de Bolsonaro na disputa pelo Palácio do Planalto, no ano passado.

A iniciativa partiu de Ricardo Vélez, então titular do MEC, que assinou um protocolo de intenções com três ministros, incluindo o da Justiça, Sérgio Moro, ex-juiz da Lava Jato. Caberia à Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU) identificar eventuais irregularidades em contratos firmados pelo MEC com empresas ou instituições.

O Estado apurou, contudo, que essa interação não ocorreu até hoje. A CGU, por exemplo, afirma não ter sido acionada, a exemplo da AGU e do Ministério Público. O prazo previsto no protocolo de trabalho conjunto acaba em três meses e não deve ser renovado.

A falta de resultados destoa do discurso apresentado no início do atual governo, eleito sob a bandeira do combate ao desvio do dinheiro público. Logo que o protocolo foi formalizado, Bolsonaro foi às redes sociais anunciar que o MEC havia apurado “vários indícios de corrupção em gestões passadas” e enaltecer a iniciativa.

“Muito além de investir, devemos garantir que investimentos sejam bem aplicados e gerem resultados. Partindo dessa determinação, o Ministro Professor Ricardo Vélez apurou vários indícios de corrupção no âmbito do MEC em gestões passadas. Daremos início à Lava Jato da Educação!”, postou o presidente em seu Twitter, no dia 15 de fevereiro.

O foco da fiscalização eram medidas de governos anteriores como o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, o MEC foi comandado por petistas em quatro ocasiões – além de Haddad, Tarso Genro e Aloizio Mercadante. Este último foi ministro em dois períodos distintos.

Precipitação. A avaliação da atual cúpula do ministério é de que Vélez cometeu um erro ao anunciar que faria a Lava Jato da Educação. Ao antecipar uma ampla investigação no setor, o então ministro, segundo tem afirmado seu sucessor, alertou empresários e gestores, que podem ter corrido para destruir provas.

Mas essa não é a principal justificativa para a medida ter sido enterrada. A interlocutores, Weintraub também tem dito não concordar em usar o nome da bem sucedida operação de Curitiba. O atual titular da Educação prefere ter uma marca própria. Oficialmente, o MEC afirma que “para qualquer indício de irregularidade constatado, as investigações serão conduzidas pelos órgãos competentes, como CGU, MP e PF”.

Em julho, três meses após assumir o MEC, Weintraub suspendeu um acordo de assistência técnica firmado com a Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI), sob o argumento de que havia identificado irregularidades no vínculo jurídico de consultores. A pasta disse ter encaminhado o material para o Ministério Público, Tribunal de Contas da União e CGU. Até hoje, porém, não houve desdobramento do assunto.

Questionado na época, Weintraub negou que o caso estivesse relacionado à Lava Jato da Educação. “Não estou acusando ninguém de roubo nem de dolo. Quem vai decidir isso são os órgãos competentes”, disse na ocasião. O ministério informou ter desembolsado R$ 178 milhões com o contrato, desde 2008.

Espera. Na época que a Lava Jato da Educação foi anunciada, ações de empresas do setorna Bolsa de Valores cairam. Diretor da CM Consultoria, especializada na área, Carlos Antonio Monteiro, diz que o pente-fino em programas do MEC tem o apoio do setor. “Se o dinheiro foi malempregado, a sociedade é a primeira interessada a saber”, afirmou. Ele cita o Fies, em especial, como um dos programas que mereceriam ser mais bem fiscalizados. Para ele, as suspeitas de irregularidades, uma vez comprovadas, são importantes para correções de curso. 

REDES SOCIAIS

Bolsonaro defendeu a Lava-Jato da Educação em seu Twitter

Em 15 de fevereiro, disse que Velez havia encontrado ‘vários indícios de corrupção’

Em 4 de março fez uma série de publicações e disse que o Brasil tem resultados ruins no Pisa, apesar dos altos investimentos

Na sequência, voltou a falar de ‘indícios fortes’ de irregularidades, que não foram mostradas

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Aras pede extinção de delação de irmãos Batista

Rafael Moraes Moura

05/11/2019

 

 

Procurador-geral diz que colaboradores foram ‘desleais’ ao omitirem fatos e condena atuação de Marcelo Miller

Em parecer encaminhado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao tribunal que extinga os acordos de colaboração premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além dos executivos Ricardo Saud e Francisco de Assis. Na avaliação de Aras, os quatro delatores foram “desleais” e agiram com má-fé ao omitir fatos ao Ministério Público Federal (MPF) e contar com a ajuda nos bastidores do ex-procurador Marcelo Miller, acusado de auxiliar o Grupo J&F enquanto ainda mantinha vínculos com a Procuradoria.

“Ora, no âmbito da colaboração premiada não há espaço para espertezas, ardis e trapaças”, escreveu Aras em seu parecer. Para Aras, a atuação de Miller no episódio é “reprovável” do ponto de vista ético.

Aras pediu ao Supremo que os quatro colaboradores percam os benefícios acertados no acordo, como a imunidade penal (a previsão de não serem processados sobre os fatos que eles mesmos denunciaram). O procurador-geral da República, no entanto, pediu que o tribunal mantenha válidas todas as provas colhidas, inclusive os depoimentos dos delatores – e as multas já pagas por eles.

Por decisão do relator do caso, ministro Edson Fachin, a decisão final sobre a rescisão ou não do acordo de colaboração premiada caberá ao plenário do Supremo. Não há previsão ainda de quando esse julgamento vai ocorrer. Os quatro delatores já alegaram ao Supremo que não agiram de má-fé.

Julgamento. A discussão sobre a legalidade das colaborações premiadas volta hoje para o centro do debate no Supremo. A Segunda Turma do STF, que reúne cinco dos 11 ministros da Corte, retoma o julgamento que envolve a delação premiada de Luiz Antônio de Souza, um ex-auditor do Paraná acusado de ocultar fatos e mentir para a Justiça.