O Estado de São Paulo, n. 46039, 05/11/2019. Política, p. A6

 

Câmara articula convocação de general Heleno

Mariana Haubert

Camila Turtelli

05/11/2019

 

 

Com apoio de Rodrigo Maia, deputados querem ‘enquadrar’ ministro que defendeu declaração de Eduardo Bolsonaro sobre ‘novo AI-5’

Legislativo. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em Pernambuco: ‘A frase dele foi grave’

Uma articulação política de bastidores, na Câmara, pode resultar na convocação do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, para que ele explique declarações dadas ao Estado, na semana passada, quando saiu em defesa do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao se referir à necessidade de conter uma possível “radicalização” da esquerda no País com “um novo AI-5”. O movimento para “enquadrar” Heleno tem o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Ao cumprir agenda em Pernambuco, ontem, Maia lembrou que há um pedido de convocação do ministro, feito pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP), para que ele esclareça suas afirmações. “Infelizmente, o general Heleno virou um auxiliar do radicalismo do Olavo. É uma pena que um general da qualidade dele tenha caminhado nessa linha”, disse o presidente da Câmara, em Jaboatão dos Guararapes, numa referência ao escritor Olavo de Carvalho, classificado como guru do núcleo ideológico do governo. “Acho que a frase dele (Heleno, sobre novo AI-5) foi grave. Além disso ainda fez críticas ao Parlamento, como se o Parlamento fosse um problema para o Brasil.”

O pedido de convocação de Heleno deve ser apreciado hoje, em reunião de líderes de partidos e, segundo apurou o Estado, tem chance de ser aprovado. Caso isso ocorra, Heleno será obrigado a comparecer ao plenário da Câmara em um momento no qual o PSL, partido de Bolsonaro, está rachado e não tem disposição de formar uma “tropa de choque” para apoiá-lo.

“Um ministro palaciano tem de ser mais cuidadoso com o que fala”, afirmou Silva ao Estado. “A declaração é ainda mais grave pelo fato de ele ser um general da reserva. Muita gente imagina que se trata de uma manifestação com respaldo nas Forças Armadas e eu tenho certeza de que não é. Não se brinca com democracia”, disse o deputado.

Na entrevista concedida ao Estado, por telefone, no último dia 31 – e gravada –, Heleno não repudiou a possibilidade de “um novo AI-5”. Instituído pela ditadura militar em 1968, o Ato Institucional n.º 5 foi um dos mais duros daquele período, pois revogou direitos, suspendeu garantias constitucionais e delegou ao chefe do Executivo o poder de cassar mandatos parlamentares. “Não ouvi ele (Eduardo Bolsonaro) falar isso. Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter”, afirmou Heleno.

Diante da repercussão negativa e da ameaça de colegas de levá-lo ao Conselho de Ética, o próprio Eduardo recuou de suas afirmações e pediu desculpas. Antes, Bolsonaro chegou a desautorizar o filho, sob o argumento de que quem fala em AI-5 só pode estar “sonhando”.

Logo depois, no Twitter, Heleno disse que suas afirmações haviam sido deturpadas. “Lamentável. AI-5 é coisa do passado”, escreveu o general. Para o autor do requerimento de convocação, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional terá a “oportunidade” de se “explicar” ao plenário da Câmara. “O ministro diz que a imprensa mente ou altera o sentido das palavras ditas por autoridades do governo. Ele terá a chance de se explicar, dizer o que significa ‘estudar’ a proposta absurda de Eduardo Bolsonaro de reeditar um novo AI-5 e dar loas à democracia”, afirmou Silva, sem esconder uma pitada de ironia.

Aliados de Bolsonaro estranharam ontem a irritação de Maia com Heleno, que é um dos principais conselheiros do presidente, e até mesmo com Eduardo. Em conversas reservadas, dois parlamentares do PSL disseram que o ministro não tem qualquer relação com Olavo. O próprio presidente manifestou incômodo com o fato de Maia ter voltado a criticar as atitudes de seus filhos e também o governo.

Na semana passada, Maia divulgou nota na qual considerou as declarações de Eduardo como “repugnantes” e mencionou até mesmo a possibilidade de punição. Líderes de 18 partidos da oposição entraram com queixa-crime contra Eduardo no Supremo Tribunal Federal e avisaram que pedirão a cassação do seu mandato. “A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo”, destacou o presidente da Câmara.

Críticas

“Infelizmente, o general Heleno virou um auxiliar do radicalismo do Olavo.”

Rodrigo Maia (DEM)

PRESIDENTE DA CÂMARA

“Um ministro palaciano tem de ser mais cuidadoso com o que fala. Não se brinca com democracia.”

Orlando Silva (PCdoB)

DEPUTADO FEDERAL

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Rede entra com um pedido para cassar o mandato de Eduardo

Paulo Roberto Netto

05/11/2019

 

 

Partido diz que fala sobre ‘novo AI-5’ mostra que ações do deputado ‘militam de forma contrária’ à democracia

A Rede Sustentabilidade pediu a cassação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro. Representação do partido à Mesa Diretora da Câmara acusa Eduardo de “militar de forma contrária” à democracia e demonstrar “desprezo pela vontade do povo” ao falar sobre “novo AI-5”.

Eduardo, em entrevista divulgada na quinta-feira, 31, defendeu a edição de um “novo AI-5” para enfrentar uma “radicalização da esquerda”. No mesmo dia, após ser desautorizado pelo pai, o deputado recuou e pediu desculpas pelo comentário.

Na representação, a Rede afirma que a declaração de Eduardo caracterizaria abuso de imunidade parlamentar e causaria “danos incomensuráveis ao Poder Legislativo”. O partido também acusa o deputado de “violar o interesse público, a vontade popular e a Constituição Federal”. “Apesar de ter sido o deputado federal mais votado nas eleições de 2018, as suas ações militam de forma contrária a uma ideia mínima de democracia, demonstrando desprezo pela vontade do povo”, afirmou a sigla.

A Rede citou que se manifestar a favor da edição de um novo decreto como o baixado em 1968 pela ditadura militar viola a imunidade parlamentar. Se a representação da legenda for aceita pela Mesa Diretora, o pedido da Rede pode parar no Conselho de Ética da Câmara. Lá, Eduardo tem cenário desfavorável com três das quatro vagas do PSL pertencerem à ala ligada ao presidente da sigla, Luciano Bivar, desafeto da família Bolsonaro. O “centrão”, por sua vez, tem 24 das 42 cadeiras. A reportagem entrou em contato com o gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro, mas não houve resposta.