O globo, n.31432, 28/08/2019. País, p. 06
Ação e reação
Jailton de Carvalho
28/08/2019
Logo após se encontrar, em reunião reservada, com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça, Sergio Moro, elogiou ontem publicamente o chefe da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo, que foi ameaçado de demissão dias atrás pelo próprio presidente. A deferência ocorre no momento em que Moro vem sendo criticado inclusive pela cúpula da PF por, na visão de integrantes da corporação, não ter se posicionado em relação a recentes declarações de Bolsonaro que sinalizaram uma possível interferência do chefe do Executivo na PF.
Na semana passada, Bolsonaro afirmou que ele é “quem manda”, ao comentar a substituição do superintende da PF no Rio. Depois, disse que ele escolhe o diretor-geral da corporação, rompendo com o discurso de dar “liberdade total” a Moro, usado na época do convite ao ex-juiz para o Ministério da Justiça.
A insatisfação com o ministro não se limitou nos últimos dias às entidades sindicais da categoria. Alguns delegados, até mesmo do alto escalão, se queixam do silêncio de Moro diante das falas de Bolsonaro. Esses policiais esperavam que Moro fizesse uma defesa “enérgica” da PF ainda na semana passada, o que não ocorreu de imediato. Houve indicativos de que, caso Valeixo perca o posto, poderia haver outras baixas em cargos chave da instituição em solidariedade ao diretor-geral.
Moro foi recebido por Bolsonaro às 9h para uma conversa de meia hora. Depois de deixar o Planalto participou, ainda pela manhã, da abertura de um seminário sobre corrupção no Ministério da Justiça. Ao discursar, fez elogios a Valeixo ao ler a lista dos presentes.
— Cumprimento especial ao diretor Maurício Valeixo, que tem feito um trabalho extraordinário aí à frente da Polícia Federal —disse Moro.
CORDIALIDADE NAS REDES
Na mesma solenidade, Moro evitou qualquer atrito com Bolsonaro, avaliando que o presidente “tem um compromisso com o combate à corrupção”. Mais tarde, os dois trocariam afagos via Twitter. O ministro publicou uma mensagem dizendo que sua pasta vai avançar no combate à corrupção “em total alinhamento com a orientação” de Bolsonaro. Três horas depois, o presidente respondeu: “Vamos, Moro!”.
Em seu discurso de mais cedo, o ministro admitiu que “há alguns reveses” no combate aos crimes do colarinho branco. Nos últimos meses, o pacote anticrime enviado por Moro ao Congresso tem sido bastante modificado por deputados que analisam o projeto. Além disso, o ministro também ficou contrariado com mudanças no antigo Coaf, agora rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e integrado ao Banco Central.
—O presidente Jair Bolsonaro tem um compromisso com a prevenção e o combate à corrupção. Esse foi um dos temas centrais que me levaram a aceitar esse convite. O governo tem avançado nessa área. Claro que, às vezes, há alguns reveses. Mas nós temos avançado no enfrentamento da corrupção —afirmou o ministro.
Um eventual afastamento de Valeixo por motivos políticos poderia levar outros diretores a deixar o cargo. Um deles chegou a dizer, em resposta a uma pergunta do GLOBO, que estaria na leva de demissionários. Os delegados entendem que é natural um presidente trocar um diretor da PF. Mas dizem que não poderiam aceitar uma mudança no comando da instituição sem uma boa explicação.
— Alguns policiais queriam que ele (Moro) fosse mais incisivo na defesa da PF —disse um delegado.
OS PRINCIPAIS REVESES DO MINISTRO
Interferência na PF. As declarações do presidente Bolsonaro de que é ele quem manda na Polícia Federal, e não Moro, enfraqueceram publicamente a autoridade do ministro e incomodaram policiais. Ao elogiar o diretor-geral, o ministro sinalizou com uma resposta interna à categoria.
Coaf. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) esteve no centro de alguns reveses de Moro. Primeiro, o ministro gostaria que o órgão passasse do Ministério da Economia para o da Justiça, como previu a reforma administrativa feita no início do governo. O Congresso, porém, devolveu o Coaf à Economia. Depois, nova decisão do Executivo deslocou o órgão para o Banco Central, rebatizando-o de UIF. Além disso, o então presidente Roberto Leonel, indicado por Moro, foi exonerado. Outro ponto de atrito para o ministro relativo ao Coaf foi a decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de suspender investigações baseadas no compartilhamento de dados de órgãos de controle financeiro com o Ministério Público sem autorização prévia da Justiça. Ao fazer uma articulação direta com Toffoli para tentar reduzir o alcance da decisão, Moro irritou Bolsonaro e viu aumentar o mal-estar recente com o chefe.
Pacote desidratado e lei de abuso. Desde que começou a analisar o pacote anticrime proposto por Moro, o grupo de trabalho criado na Câmara já retirou vários itens do texto, como a prisão após condenação em segunda instância, o chamado excludente de ilicitude e o “plea bargain”, um acordo mediado pelo juiz entre acusação e acusado antes de o processo ser iniciado. Outro atrito entre Moro e o Parlamento foi a aprovação do projeto de lei de abuso de autoridade. O ministro da Justiça defende que o presidente Bolsonaro vete ao menos oito artigos do texto aprovado pelo Congresso.