O globo, n.31432, 28/08/2019. País, p. 10

 

Terras indígenas 'inviabilizam' o país, diz Bolsonaro 

Daniel Gullino

Gabriel Shinohara 

28/08/2019

 

 

Em reunião com governadores da Amazônia Legal, o presidente Bolsonaro disse que as demarcações de terras indígenas “inviabilizam o progresso ”. Especialistas veem a posição de Bolso na roco mo“colonialista” e ressaltam que apolítica de proteção aos índio sé vital, também,à preservação ambiental.

Em reunião com governadores da Amazônia Legal, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que, por trás das demarcações de terras indígenas, há uma tentativa de “inviabilizar” o país. Alguns dos governadores, como os de Roraima, Mato Grosso e Rondônia, seguiram na linha de Bolsonaro e criticaram a extensão de território demarcado. Já o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), disse, após o encontro, que não vê problema no número de terras indígenas no seu estado.

—Muitas reservas têm o aspecto estratégico. Alguém programou isso. O índio não faz lobby, não fala a nossa língua e consegue hoje em dia ter 14% do território nacional. Uma das intenções é nos inviabilizar—afirmou Bolsonaro.

O presidente relacionou as queimadas na Amazônia a ofato de seu governo não ter demarcado novas terras indígenas após reunião do G 20, no Japão no final de junho:

— Nosso governo não aceitou, quando veio de Osaka, demarcar mais dezenas de áreas indígenas aqui no Brasil. Se eu demarcar agora, pode ter certeza, o fogo acaba na Amazônia daqui a alguns minutos.

O presidente classificou ainda como“irresponsabilidade” a política indigenista dos seus antecessores:

— Com todo o respeito aos que me antecederam, foi uma irresponsabilidade essa política adotada no passado no tocante a isso, usando o índio como massa de manobra para que, ao inviabilizar o progresso nesses estados, (a Amazônia) não estivesse sob a nossa jurisdição ou fosse usada para o bem comum nosso.

Após a fala de cada governador, Bolsonaro perguntava o percentual de demarcações e de áreas de proteção ambiental em seu estado.

Do mesmo partido de Bolsonaro, o PSL, o governador de Roraima, Antônio Denarium, reforçou a ideia de que há um interesse por trás das demarcações:

— Roraima não é a porção de terra mais rica do Brasil, é a porção de terra mais rica do mundo. E as áreas indígenas e as ONGs de todo o Brasil estão concentradas exatamente nessas áreas onde tem as nossa riquezas.

Já o governador do Amapá defendeu a exploração racional das reservas:

— A bem da verdade, queremos criar outros mecanismos de planejamento estratégico público-privado para mobilizar as terras que estão disponíveis. Agora, não existe preocupação em querer produzir em terras indígenas ou em reservas extrativistas ou florestais.

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Direito dos índios à terra é garantido pela Constituição

Julia Cople 

28/08/2019

 

 

Criticada pelo presidente Jair Bolsonaro, a atual política indigenista é baseada no respeito às particularidades culturais dos povos indígenas e é vital para a preservação ambiental. Ouvidos pelo GLOBO, antropólogos atribuem à Constituição de 1988 um marco de garantias e de mudança do modelo político para esses povos, antes marcado por tutela e assistencialismo. Em novembro, o então presidente eleito comparou indígenas que vivem em demarcações feitas pelo governo a animais em zoológicos.

Em capítulo dedicado especialmente aos índios, a Constituição reconheceu a “posse permanente” desses povos sobre as terras que tradicionalmente ocupavam, a serem demarcadas pela União, e entregou a eles “usufruto exclusivo das riquezas”, em reconhecimento à organização social e aos costumes próprios.

—Até então, a visão que se tinha no país era a de que os índios deveriam ser integrados para se misturarem à população. A Constituição garante que sejam respeitados em suas particularidades, com educação diferenciada, intercultural, com suas terras demarcadas segundo as necessidades. A Constituição visa a respeitar as especificidades culturais e colocar os índios no futuro do Brasil, não no passado, com a diversidade indígena como parte da identidade brasileira — explica o secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA), André Villas-Bôas.

O coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marco Antônio da Silva Mello, considerou “um absurdo” avaliar a política indigenista pela relação entre hectares e número de populações indígenas:

— A terra para essas sociedades não é só meio de produção, como é para nós. O aparelho de Estado quer nos convencer de que o significante “terra” tem um só significado, isto é, é mercadoria. Não é disso que se trata. Muita gente pensa: “Se eu fosse índio, o que eu faria para ganhar dinheiro?” Você vive em outra sociedade. São culturas distintas, modos de pensar e conceber o universo. Esta terra não está à venda. As sociedades têm direito de permanecerem em suas dinâmicas próprias. Não é congelar a sociedade, não é jardim zoológico de índio.

ENTIDADES REAGEM

Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), afirmou que o presidente “mentiu e afrontou a Constituição ao atacar os povos indígenas”. “As acusações, públicas e recorrentes, do presidente da República de que a demarcação de terras indígenas atentaria contra o interesse e a soberania nacional são conscientemente falsas, injustas e potencializam o preconceito, o racismo e o sentimento de ódio contra os povos indígenas, cidadãos brasileiros historicamente vilipendiados e violentados em nosso país”, diz trecho da nota.

O ISA, também em nota, classificou como “cínicas” as declarações de Bolsonaro durante a reunião com os governadores. “A demarcação das terras indígenas e a titulação de quilombos são mandamentos da Constituição que o presidente jurou cumprir e a sua omissão deliberada constitui crime de responsabilidade”, afirmou o Instituto Socioambiental, no documento.

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Imensidão e riqueza mineral alimentam cobiça

Ana Lucia Azevedo 

28/08/2019

 

 

Áreas vastas e a promessa de riqueza mineral alimentam a cobiça sobre as terras indígenas brasileiras, 98% das quais estão na Amazônia Legal. As terras dos índios hoje, como há 500 anos, se adequam à imagem do El Dorado na floresta. Uma promessa de riqueza, que então como agora, tem produzido miséria, conflitos e devastação. A riqueza está sob o solo, na forma de ouro, diamantes e outros minerais. E também sobre ele, nas árvores de madeiras nobres e na própria terra, cobiçada para expansão do gado.

As demarcações indígenas ocupam 13,8% do território brasileiro, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), referência na temática indígena, ou 12,5%, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE, que contabiliza apenas as demarcadas e regularizadas. É uma área equivalente aos territórios da França e da Inglaterra somados. Nela vivem 57,5% das 896 mil pessoas que se declararam indígenas no Censo, cerca de 0,5% da população brasileira.

É incontestável que a riqueza existe, como mostram os frequentes conflitos com índios. Eles enfrentam garimpeiros, que invadem suas terras em busca de ouro, diamante, urânio entre outros. E também se confrontam com madeireiros ilegais e grileiros.

O conflito é fato. Incerto é o conhecimento sobre a riqueza mineral. O Brasil, porque nunca investiu com profundidade no assunto, sequer sabe muito bem o que de fato existe por lá. Temos somente levantamentos de potencial e poucos dados de áreas prospectadas, com estudos de campo. Ainda assim, chegam a quase 200 os projetos de empresas de mineração em terras indígenas.

E há milhares de garimpeiros ilegais dentro das terras indígenas. O caso mais lembrado é o da terra ianomâmi Raposa Serra do Sol, em Roraima, o estado que tem maior percentual de áreas indígenas do país. Sabe-se que lá há ouro, diamantes, nióbio, terras-raras. O quanto e o que exatamente ninguém sabe porque aquela região, como toda a Calha Norte, não foi prospectada.

Para explorar as terras dos índios, é preciso mudar a Constituição. O artigo 231 reconhece o direito permanente dos povos indígenas às terras que ocupam tradicionalmente, e determina que também lhes cabe “o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. A Constituição não proibiu a exploração mineral nessas terras, mas isso pode ser feito somente com a autorização do Congresso, sendo que esta nunca foi regulamentada.

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Comissão da Câmara aprova atividade agropecuária em reservas 

28/08/2019

 

 

A Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ ) da Câmara aprovou ontem um projeto que altera a Constituição para liberar atividades agropecuária e florestal em terras indígenas.

No texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o Congresso concede às comunidades indígenas a possibilidade de “exercer atividades agropecuárias e florestais nas terras (...), sendo (as comunidades) autônomas para praticar os atos necessários à administração de seus bens e comercialização da produção”.

Para entrar em vigor, o texto ainda precisa passar por comissão especial e ser aprovado, em dois turnos, tanto no plenário da Câmara quanto no Senado, por votação igual ou superior a três quintos dos parlamentares de cada Casa.

DENÚNCIA DE INVASÃO

Lideranças indígenas Xikrin denunciaram ameaças de morte e queimadas dentro da Terra Indígena Trincheira-B acajá, no sudeste do Pará. O Ministério Público Federal relatou à Polícia Federal (PF) riscos de ataques aos indígenas. Segundo os Xikrin, cerca de 300 invasores armados construíram casas na reserva.

A procuradora da República Thais Santi pediu o envio de policiais em até 24 horas. Em nota, a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que vem adotando medidas , como ações de monitoramento, e que as informações têm sido repassadas à PF  e ao Ibama (Com G1).