O globo, n.31432, 28/08/2019. Economia, p. 20

 

Governo quer rever isenção de IR para doentes 

Marcello Corrêa

28/08/2019

 

 

A revisão das deduções de Imposto de Renda na mira da equipe econômica não se limitará a acabar com os descontos referentes a despesas com saúde e educação. O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, disse ontem que o governo quer propor uma “faxina” mais ampla no tributo, que abrangerá de isenções que hoje beneficiam alguns tipos de investimentos do mercado financeiro a benefícios para pessoas com doença grave.

—Vamos fazer uma grande faxina (no Imposto de Renda), para torná-lo compatível com o que está acontecendo no mundo inteiro — disse Cintra, durante evento da

Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig).

A equipe econômica quer rever a isenção de IR sobre as aposentadorias de pessoas com moléstia profissional ou doenças como AIDS, doença de Parkinson e esclerose múltipla, por exemplo. Essa renúncia fiscal custa R$ 13,8 bilhões por ano, segundo relatório da Receita. O secretário afirmou que pretende rever essa regra.

MUDANÇA NO INVESTIMENTO

Cintra não especificou, no entanto, se a proposta afetaria todas as 16 doenças listadas pela lei do IR, que garante os benefícios. Perguntado sobre o assunto, não detalhou como as regras seriam revistas, mas destacou que quer rever o que considera “abusos”.

— Aquilo virou um abuso, um absurdo. Foi criada uma indústria em cima dessa dedução por moléstia, que de grave não tem nada, mas que se enquadra como moléstia grave. Tem mercado, empresas especializadas, para dizer que quem tem uma tendinite porque jogou tênis demais se qualifica como doença grave e para o resto da vida fica comprando automóveis, às vezes alguns de luxo, com isenção total de tributos. Isso é um vazamento gigantesco, e injusto —disse o secretário.

No mercado financeiro, os alvos são as isenções concedidas a Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), e de fundos exclusivos —títulos voltados para investidores de alta renda. O governo avalia ainda adotar alíquotas para as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) — títulos de renda fixa emitidos por bancos com o objetivo de financiar o setor imobiliário —e para Letras de Crédito para o Agronegócio (LCA), papéis emitidos por bancos garantidos por empréstimos ao agronegócio. Ambos são isentos de IR.

PROPOSTA EM ELABORAÇÃO

Essas propostas devem integrar um projeto de reforma tributária ainda em elaboração pelo governo. Ainda não está claro, no entanto, quando e como o Executivo encaminhará sua proposta ao Congresso.

Hoje, há pelo menos duas propostas principais em tramitação no Legislativo: uma originada na Câmara, outra no Senado. O governo já sinalizou que trabalha em uma proposta de conciliação. Fontes da equipe econômica garantem que há ao menos uma proposta de emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei em elaboração no gabinete do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Outros integrantes defendem, no entanto, que as contribuições do governo sejam enviadas ao Congresso por meio de sugestões ou emendas aos parlamentares. Nenhuma das propostas em tramitação no Congresso trata da reforma do IR. Abrangem apenas os tributos que incidem sobre o consumo.

Cintra defende uma proposta baseada em um tripé: além da reforma do IR, quer simplificar tributos federais sobre consumo e criar uma contribuição sobre movimentações financeiras para substituir a tributação sobre folha de pagamento, que hoje financia a Previdência.

Esse tributo, que vem sendo chamado internamente de Contribuição Social sobre Transações (CST), é frequentemente comparado à antiga CPMF, que vigorou no país entre 1996 e 2007 e se tornou impopular.

O secretário refutou a comparação e disse que foi contra a CPMF, que teria sido, na avaliação dele, um “estupro” do imposto único federal — projeto de sua autoria que previa a substituição de todos os tributos por um único, incidindo sobre transações financeiras.