O Estado de São Paulo, n. 46052, 18/11/2019. Política, p. A8

 

'Queda da prisão na 2ª instância favorece pacote anticrime'

Breno Pires

18/11/2019

 

 

Para relator, decisão do STF deixa sociedade ‘indignada’ e a aumenta pressão pela aprovação do projeto de Moro

Proposta. Marcos do Val vai endossar texto original do projeto anticrime de Sérgio Moro

‘Queda da prisão na 2ª instância favorece pacote anticrime’

Marcos do Val, senador (Podemos-ES)

Relator do pacote anticrime, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) deve endossar o texto original da proposta enviada ao Congresso pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Ele vai entregar seu parecer na próxima quartafeira à Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Em seu gabinete, sobre a mesa, o senador de 48 anos exibe duas garrafas d’água em formato de balas. Ex-instrutor de tiros e de técnicas de segurança, ele reclama do ritmo “lento” e das pressões no Congresso. “A pancada aqui é forte. A gente sofre muita pressão para ficar quietinho, entrar no jogo, jogar como sempre foi jogado”, diz. “Quando a gente confronta o sistema a pressão é grande.”

O senhor foi um dos 41 senadores que assinaram carta pedindo ao STF a manutenção da possibilidade da prisão em segunda instância. Como avalia a decisão da Corte tomada no sentido contrário?

Eu disse até para minha equipe que a queda da segunda instância no STF ia ajudar muito a fortalecer a aprovação do pacote anticrime. A sociedade ficou indignada. Eu fiquei indignado. Está todo mundo se mexendo para o pacote ser aprovado, então agora a pressão está sendo maior, e eu previ isso lá. Não estou falando que vai ser fácil.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), disse ao Estado que a 2.ª instância não é a única prioridade. O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), não deu garantia de que pautará.

Nós vamos continuar pressionando, porque é inadmissível a gente ver a demanda da sociedade e não atender a essa demanda. É algo que não entendi até agora como é que conseguem se convencer a não atender o desejo da sociedade. Têm outras pautas, importantes, têm, mas a sociedade está demandando essa e, como representantes da sociedade, temos de atender. Não consigo entender essa forma tradicional de fazer política. Nós estamos no grupo Muda Senado, vamos pressionar Alcolumbre e Rodrigo Maia para que deem importância e velocidade.

Como avalia a postura do Congresso na questão do combate ao crime?

O Congresso tem questionado muito as decisões do STF. Está dizendo que ele está passando a fazer o que nós fomos colocados aqui pra fazer. Mas eu percebo que nós temos uma morosidade aqui e uma vontade de que as coisas não tenham a velocidade que precisa ter.

O senhor vê “corpo mole”?

Corpo mole. E outros porque querem ser oposição por oposição. Se fosse oposição por ter um questionamento, uma visão diferente, que agregasse, tudo bem. Mas oposição por oposição é algo que eu não consigo entender. É torcer para a aeronave cair com você dentro.

Nesta semana, o STF decidirá regras sobre o compartilhamento de dados fiscais e bancários entre órgãos de investigação. Uma liminar do ministro Dias Toffoli paralisou o andamento de inquéritos. O senhor apresentou uma PEC com novas regras sobre o tema. O que o senhor pretende introduzir na legislação?

Que dê essa autonomia para esses órgãos fazerem suas investigações, sem precisar ficar pedindo autorização para a Justiça. Precisa ter velocidade, precisa ter independência. Eu penso o seguinte: quem não deve não teme. Tem de ficar à vontade para investigar. E eles precisam ter essa liberdade e velocidade. Se a gente começa a engessar, pronto. A gente está, de certa forma, sufocando o trabalho de combate à corrupção.

Um dos casos emblemáticos afetados pela liminar do ministro Dias Toffoli é o da “rachadinha” de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSLRJ). Como o senhor avalia a paralisação desse caso na Justiça?

Eu enxergo de forma muito negativa para o governo. A bandeira era o combate à corrupção. E isso mostrou que ele (presidente Jair Bolsonaro) freou essa caminhada, que foi uma das principais bandeiras durante a candidatura dele. E isso preocupa. Isso enfraqueceu. Hoje eu sinto que o combate à corrupção está enfraquecendo.

Como relator do projeto anticrime, o senhor manteve quase a íntegra do texto.

Só acrescentei algumas partes que estavam polêmicas. Na excludente de ilicitude, a bancada feminina estava muito preocupada, achando que isso daria mais chance ao feminicídio, então a gente colocou uma cláusula para excluir violência envolvendo mulheres ou parceiras do lar. Nas situações de feminicídio isso não entra. Mantivemos a prisão em segunda instância.

Mesmo depois da decisão do Supremo vetando a execução antecipada da pena.

Antes da votação do STF, o ministro (Moro) falou para mim: “Se o senhor quiser retirar da sua relatoria, para mim está tudo bem”. Mas aí eu falei: “Não, ministro, eu quero que permaneça na minha relatoria, porque é uma demanda da sociedade, eu acredito que, sem ela, o pacote anticrime não vai ter o mesmo efeito, e se alguém quiser tirar, que tire na CCJ, e se responsabilize perante a sociedade”.