O Estado de São Paulo, n. 46049, 15/11/2019. Economia, p. B1

 

Elite do funcionalismo atua para barrar proposta de reforma administrativa

Adriana Fernandes

15/11/2019

 

 

RH do Estado. Lideranças de servidores fazem pressão para tentar derrubar pontos como o fim da estabilidade para novos empregados e redução de salários em início de carreira; após três adiamentos, equipe econômica prevê enviar texto na próxima semana ao Congresso

Reestruturação. Mudanças propostas na reforma envolvem mais de 200 mil servidores da União, Estados e municípios

A elite do funcionalismo tem atuado para barrar a proposta de reforma administrativa em gestação no governo federal. A apresentação do texto ao Congresso – que deve prever a quebra da estabilidade para novos servidores e a redução dos salários iniciais – já foi adiada três vezes nas últimas duas semanas. Também há pressão contra as duas PECs em tramitação no Parlamento que propõem redução da jornada, com corte proporcional de salário, e o congelamento das progressões de carreira.

Essa elite é hoje constituída por integrantes das carreiras de Estado que reúnem mais de 200 mil servidores da União, Estados e municípios. Entre outras categorias, estão delegados da Polícia Federal, advogados públicos federais, auditores da Receita e funcionários do Banco Central e do Ministério Público.

Representantes dessas categorias se encontraram nesta semana com o secretário de Gestão de Pessoas do Ministério da Economia, Wagner Lenhart – um dos articuladores da reforma administrativa no governo federal – , para expor seus argumentos. Lenhart teria reconhecido que não há consenso ainda em torno da proposta, segundo relato de sindicalistas. Eles também já conversaram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tentar obter seu apoio.

Até 2022, fim do governo Jair Bolsonaro, cerca de 26% dos funcionários públicos vão se aposentar. Esse quadro é considerado uma janela de oportunidade para emplacar o que está sendo considerado como uma reconfiguração do RH do Estado.

O tema mais sensível é o fim da estabilidade. Os servidores argumentam que a quebra de estabilidade, com a possibilidade de contratação por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) nos primeiros dez anos, poderia abrir caminho para perseguição política de funcionários que “incomodarem” o governo de plantão.

Hoje, umas das formas de demissão no serviço público se dá no chamado estágio probatório, nos três primeiros anos da contratação. Para a equipe econômica, porém, as avaliações nesse período precisam ser reformuladas para filtrar apenas os “bons” servidores. Nos últimos quatro anos, apenas 0,3% dos servidores que ingressaram foram exonerados.

A mudança na estabilidade é uma das medidas que deverá constar na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, cuja divulgação está agora prevista para a próxima terça-feira.

Em nota, o Ministério da Economia afirmou que a reforma administrativa será encaminhada “no momento oportuno”. “As mudanças estruturais, tal como foi a nova Previdência, são sempre construídas com muito diálogo, que é exatamente o que está se buscando nesta fase final da elaboração da proposta”, diz comunicado.

A ideia é fazer uma reestruturação do plano de carreiras do funcionalismo. Diagnóstico feito pelo Ministério da Economia identificou mais de 300 carreiras. A equipe econômica pretende reduzir a quantidade para 20 a 30, mas isso será feito numa segunda etapa.

Pela proposta da equipe econômica, a estabilidade seria garantida para os servidores das carreiras de Estado. Os demais seriam contratados pela CLT. Mas a definição das carreiras deverá ser discutida em regulamentação da PEC, segundo sinalizaram integrantes do governo para os sindicalistas.

“Nós estamos muito preocupados com a estabilidade. Ela não é da pessoa, é do cargo. Esse negócio de dizer que estabilidade é só para os novos não faz sentido na nossa lógica”, afirma o presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.

Para ele, se esses novos critérios já estivessem valendo, servidores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Chico Mendes (Icmbio), da Receita e do Ibama que entraram em choque com políticas determinadas pelo presidente Jair Bolsonaro teriam sido demitidos.

Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), Mauro Silva, as “distorções” podem ser corrigidas de outras formas, sem a necessidade de retirar a estabilidade. Um dos caminhos, segundo ele, é maior rigor nas avaliações. “A demissão já é permitida pela lei, mas a contratação por CLT vai fomentar casos de demissão por abuso de poder e sem processo administrativo.”

Salários. Outra proposta da reforma é limitar o salário de entrada dos servidores públicos, mas a definição do valor não vai estar na PEC. Raio X do serviço público feita pelo Banco Mundial neste ano apontou que 44% dos servidores começam ganhando acima de R$ 10 mil, 22% entram com remuneração superior a R$ 15 mil e 11% têm contracheque maior de R$ 20 mil.

Um técnico-administrativo de universidade entra ganhando R$ 4,8 mil por mês, enquanto um professor de ensino superior ganha R$ 10,3 mil mensais. Carreiras policiais têm salário inicial de R$ 11,1 mil. Áreas de fiscalização e controle, como as da Receita, de R$ 17,6 mil. Carreiras jurídicas estão no topo, com salário inicial de R$ 24,1 mil.

Cálculos do Banco Mundial apontam que a redução do salário inicial a R$ 5 mil e mudanças na progressão de carreira (para tornar mais longo o caminho até o topo) poderiam render economia de R$ 104 bilhões aos cofres públicos até 2030.

Para facilitar a tramitação no Congresso, o governo abriu conversas com representantes dos servidores. O único ponto em que existe por ora consenso é sobre a mudança na forma de avaliação dos servidores. “Os gestores muitas vezes se negam a fazer uma avaliação real para não comprar briga e avaliam com nota máxima”, reconhece Marques.

Crítica

“Nós estamos muito preocupados com a estabilidade. Ela não é da pessoa, é do cargo. Esse negócio de dizer que estabilidade é só para os novos, não faz sentido.”

Rudnei Marques

PRESIDENTE DA FONACATE

RESISTÊNCIA

• Juízes, procuradores e parlamentares

Ficarão de fora, num primeiro momento, nas propostas do governo de reformulação do RH do Estado, mas podem entrar pelo Congresso

• Procuradores

O procurador-geral da República, Augusto Aras, reagiu à proposta e, em defesa das férias de dois meses, alegou que a carga de trabalho do MP é “desumana”

• Servidores do Judiciário

Preocupados, principalmente, com a regulamentação do limite de salário (hoje, em R$ 39,2 mil)

• Carreiras policiais

Recorreram ao ministro da Justiça por tratamento diferenciado

• Carreiras de Estado (BC e Receita, por exemplo)

Querem barrar, entre outros pontos, quebra da estabilidade e redução de salários iniciais

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Emprego Verde Amarelo corta e limita auxílio-acidente

Eduardo Rodrigues

15/11/2019

 

 

Benefício poderá cair para até 30% da média salarial e governo terá lista para determinar que pedidos serão aceitos

Dentre as inúmeras modificações nas regras trabalhistas que o governo incluiu sem alarde na Medida Provisória do emprego Verde Amarelo, também há mudanças significativas para quem precisar do auxílio-acidente. A nova medida reduz o valor do benefício pago aos trabalhadores que sofram sequelas permanentes decorrentes de acidentes relacionados à atividade exercida.

Até então, o auxílio-acidente era pago considerando metade do chamado salário de benefício, antes calculado pela média aritmética de 80% dos maiores salários de contribuição para o INSS. Agora, o cálculo do auxílio-acidente passará a ser a metade do benefício de aposentadoria por invalidez a que o segurado teria direito sob as novas regras previdenciárias.

A principal diferença é que a reforma da Previdência reduziu o valor das aposentadorias de quem contribuir o mínimo de 15 anos para apenas 60% do salário de benefício – que passou a considerar a totalidade dos salários de contribuição, e não apenas os maiores valores. Para receber 100% do salário de benefício, o trabalhador que ainda entrar no mercado de trabalho precisará contribuir por 40 anos no caso dos homens, e 35 anos no caso das mulheres.

Desta forma, o auxílio-acidente, que antes representava 50% da média dos maiores salários de contribuição, com a alteração poderá cair para até 30% da média de todos os salários, incluindo os menores.

A MP também restringe os casos em que o auxílio-acidente será concedido. Hoje, basta uma perícia médica atestar a existência de sequela que impeça do trabalhador de exercer a mesma atividade de antes. O novo texto, no entanto, estabelece que serão consideradas apenas as sequelas “especificadas em lista elaborada e atualizada a cada três anos pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, de acordo com critérios técnicos e científicos”.

Durante a apresentação da MP, na última segunda-feira, o secretário de Previdência e Trabalho da pasta, Rogério Marinho, e os demais técnicos presentes no Palácio do Planalto nem mesmo chegaram a citar essa mudança. Também não houve nenhuma comunicação sobre quando será elaborada essa “lista de sequelas” aceitáveis pelo governo.

Um dos pontos mais polêmicos da proposta do emprego Verde Amarelo é o que cria a “taxa desemprego”. O programa taxa em 7,5% os trabalhadores que estão no seguro-desemprego. O objetivo é obter receita para financiar o primeiro emprego para jovens entre 18 e 29 anos.

A ‘NOVA REFORMA TRABALHISTA’

• Auxílio-acidente

A medida reduz o valor do benefício pago aos trabalhadores que sofram sequelas permanentes decorrentes de acidentes relacionados à atividade exercida. O benefício, que antes era de 50% da média dos maiores salários de contribuição, poderá cair para até 30% da média de todos os salários, incluindo os menores.

• Trabalho aos domingos e feriados

O texto permite que todos os trabalhadores sejam convocados para trabalhar aos domingos e feriados. Leis que vetavam convocação de 70 categorias, como professores e funcionários de call centers, foram revogadas. Para comércio e serviços, está garantida uma folga em um domingo a cada quatro finais de semana.

• Seguro-desemprego

O programa taxa em 7,5% o seguro-desemprego para compensar os R$ 10 bilhões que o governo vai deixar de arrecadar em impostos. Na prática, os desempregados vão bancar a nova medida. Hoje, quem recebe o seguro-desemprego não é taxado.

• Registro profissional

A MP revoga exigências de registros específicos para a atuação em diversas profissões, como jornalista, publicitário, atuário e corretor de seguros. O texto também acaba com a obrigatoriedade de diploma para o exercício algumas atividades.

• Bancários

A medida acaba com a proibição de trabalho aos sábados nos bancos. Além disso, deixa claro que a jornada de seis horas por dia vale apenas para os bancários que trabalham nos caixas em atendimento ao público. Para os demais trabalhadores das instituições financeiras, a jornada ordinária é de oito horas.

• FGTS

Acaba com o adicional de 10% da multa rescisória sobre o FGTS pago pelas empresas em caso de demissão sem justa causa.

• Fiscalização

Na primeira visita, os fiscais do Trabalho não poderão fechar estabelecimentos por causa de irregularidades nem aplicar multas. A primeira das fiscalizações precisará ser “pedagógica”.

• Acordos

Será permitido ao trabalhador e patrão fechar acordo extrajudicial, a ser homologado por um juiz.