Correio braziliense, n. 20513, 20/07/2019. Política, p. 2

 

Investigações bloqueadas

Renato Souza

20/07/2019

 

 

Adecisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que determina a suspensão de investigações que utilizem dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Receita Federal e do Banco Central, atinge em cheio o combate ao crime ao provocar a paralisação nas ações dos órgãos de investigação criminal. Entre 2014 e 2019, o Coaf produziu mais de 15 mil relatórios indicando ações suspeitas de tráfico de drogas, atividades de facções criminosas e corrupção. Esses dados, que estão apontados em um levantamento divulgado pelo órgão, foram enviados às autoridades e são usados em diligências em todo o país.
De acordo com os dados do Coaf, foram feitos, no período, 9.421 registros relacionados à eventual prática de corrupção. Outras 1.586 informações estão ligadas à atuação de facções criminosas e 4.391, a tráfico, totalizando 15.398 notificações. As informações foram enviadas ao Ministério Público, à Polícia Federal e à Polícia Civil nos estados. Como os chamados Relatórios de Inteligência Financeira (RFIs) apresentam apenas detalhes iniciais, é necessário realizar investigações para atestar ou não o cometimento de crimes. Até a decisão do ministro, esse intercâmbio de informações era realizado — como ocorre nos Estados Unidos e em países da Europa — sem burocracia e não havia a necessidade de autorização do Poder Judiciário.
No entanto, após a liminar emitida pelo ministro na última quarta-feira, as diligências em andamento foram paralisadas e novos relatórios também ficam bloqueados para envio aos investigadores, até que se obtenha aval da Justiça. O repasse das informações, entretanto, esbarra na lentidão da Justiça e na morosidade dos tribunais, que já estão abarrotados de processos. A suspensão vai vigorar, pelo menos, até que o plenário do Supremo se reúna para decidir qual o nível permitido de troca de informações entre agentes de controle do sistema financeiro e o Ministério Público. O julgamento no plenário de um recurso que trata do tema está previsto para novembro deste ano, e Toffoli não parece ter a intenção de adiantar o debate.
A Polícia Federal e o Ministério Público já paralisaram o andamento de milhares de casos. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, avalia se vai ou não questionar a decisão individual de Toffoli. Mas, entre delegados da PF e procuradores, o clima é de perda na luta contra o crime organizado. O presidente do Supremo diz atuar na “defesa do cidadão”. Ele alega que está impedindo que informações privadas sejam utilizadas de maneira inadequada. “Se não é feito dessa forma, se o detalhamento é feito sem a participação do Judiciário, qualquer cidadão brasileiro está sujeito a um vasculhamento na sua intimidade”, disse.
Professor de direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, Edson Luz Knippel destaca que existem outros meios de monitorar ações criminosas ou suspeitas até que o Supremo decida sobre o assunto. “Os órgãos de controle financeiro podem solicitar autorização judicial para acessar dados aprofundados. No entanto, existem outros meios, como as denúncias recebidas pela Polícia Federal, a percepção de indícios de evolução patrimonial e até mesmo uma ação penal antecedente”, destacou.
Crimes hediondos
Além dos dados já mencionados, desde 2014, o Coaf identificou diversas práticas suspeitas de crimes graves. Ao longo dos últimos cinco anos, o Conselho enviou às autoridades 36 relatórios que apontam eventuais crimes ligados à prática de terrorismo. Outros 42 dados revelam movimentações suspeitas de estarem ligadas ao tráfico de pessoas.
A decisão do ministro Toffoli diz respeito ao compartilhamento das informações. Mas não interfere na coleta e no armazenamento dos dados. Ou seja, o Coaf continua monitorando todas essas atividades, mas só envia as informações ao Ministério Público e aos órgãos policiais se houver autorização da Justiça. Entre as competências previstas ao Coaf, não está a de acionar o Poder Judiciário para informar sobre indícios de crimes, o que limita uma atuação jurídica do conselho.

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Presidente apoia ato de Toffoli

20/07/2019

 

 

 

 

A decisão do ministro Dias Toffoli que paralisa investigações que utilizem dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Receita Federal e do Banco Central ocorreu após um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Os advogados do parlamentar alegam que o cliente estava sendo investigado antes mesmo de o caso ser levado ao Poder Judiciário. Ao ser questionado sobre o assunto, o chefe do Executivo defendeu o entendimento do presidente do Supremo. “Pelo que sei, pelo que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial. E o que é mais grave na legislação: os dados ,uma vez publicizados, contaminam o processo”, disse o presidente.

Em seguida, Bolsonaro completou, alegando que seu interesse gira em torno do combate à corrupção. “Somos poderes harmônicos e independentes. Ele (Toffoli) é presidente do Supremo Tribunal Federal. Somos independentes. Você acha justo Dias Toffoli criticar um decreto meu ou um projeto aprovado e sancionado? Se eu não quisesse combater a corrupção, não teria aceitado Moro como ministro da Justiça”, destacou.
No Rio de Janeiro, pelo menos três réus da Lava-Jato entraram na Justiça pedindo a suspensão de suas ações penais. Eles usam como argumento a decisão do presidente do STF. Entre eles, estão Leonardo Mendonça Andrade — assessor parlamentar acusado de ser operador financeiro do deputado eleito Marcos Abrahão, e Daniel Marcos Barbiratto de Almeida — apontado como operador financeiro do deputado Luiz Martins.
Em Santa Catarina, a defesa de Nelson Nappi, preso na operação Alcatraz, da Polícia Federal, também pediu a liberdade do cliente. Ele é acusado de se envolver em fraudes de licitações, desvio de dinheiro e superfaturamento de contratos de prestação de serviço de mão de obra terceirizada e do ramo de tecnologia firmados com órgãos do governo do estado.
O Senador Flávio Bolsonaro começou a ser investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro após o Coaf detectar movimentações financeiras atípicas nas contas bancárias dele e de Fabrício Queiroz, assessor dele na Assembleia Legislativa do estado. De acordo com relatório do conselho, quando era deputado estadual, o parlamentar recebeu 48 depósitos em sua conta bancária entre junho e julho de 2017, no valor total de R$ 96 mil. Queiroz também é suspeito por ter movimentado R$ 1,2 milhão na sua conta em um curto período, valor que, de acordo com o Coaf, era incompatível com a renda dele. (RS)