O Estado de São Paulo, n. 46042, 08/11/2019. Política, p. A4

 

Prisão após 2ª instância é derrubada pelo Supremo

Rafael Moraes Moura

Breno Pires

08/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Judiciário. STF revê entendimento sobre execução de pena; segundo Toffoli, Congresso pode mudar regra; decisão é derrota para Lava Jato e abre caminho para soltura de Lula

Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem derrubar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, medida considerada um dos pilares da Operação Lava Jato. Em um julgamento que se estendeu por quatro dias e cinco sessões plenárias, a Corte entendeu que um condenado tem o direito de aguardar em liberdade a decisão definitiva da Justiça até o fim de todos os recursos. A decisão abre caminho para a soltura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril do ano passado, e é vista como a maior derrota da Lava Jato até agora.

O resultado provocou reações no Congresso, no Palácio do Planalto e no Ministério Público. Pouco após o julgamento, a defesa de Lula divulgou nota informando que levará à Justiça um pedido para que haja sua “imediata soltura” e, além disso, reiterará solicitação para que o Supremo julgue os habeas corpus que têm como objetivo declarar a nulidade do processo “em virtude da suspeição do exjuiz Sérgio Moro e dos procuradores da Lava Jato”.

O voto decisivo para a reviravolta no atual entendimento do Supremo foi dado pelo presidente da Corte, o ministro Dias Toffoli, após mais de sete horas de sessão. “Não é a prisão após segunda instância que resolve esses problemas (de criminalidade), que é panaceia para resolver a impunidade, evitar prática de crimes ou impedir o cumprimento da lei penal”, disse ele, emocionado.

A libertação de réus presos não é automática, já que os juízes de execução vão analisar caso a caso. Podem até, em caratér excepcional, determinar prisões preventivas para punir réus que representem perigo para a sociedade, como estupradores e homicidas, ou para aprofundamento das investigações.

A mudança na jurisprudência do Supremo beneficiará 4.895 presos, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Ministério Público Federal diz que 38 réus da Lava Jato poderão ser soltos. O mais ilustre deles é Lula, que foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Embora ele esteja inelegível, a cúpula do PT está certa de que poderá também derrubar esse obstáculo mais adiante.

De qualquer forma, a provável libertação de Lula mexe no tabuleiro da sucessão presidencial, em 2022, acentuando a polarização entre a direita e a esquerda. O presidente Jair Bolsonaro não comentou a decisão. Nos bastidores, no entanto, aliados do presidente disseram que a decisão foi decepcionante. O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, foi lacônico. “Meu Deus!”, escreveu no Twitter.

O Congresso poderá mudar o entendimento do Supremo para definir quando o investigado começará a cumprir a pena. “Não vejo problema de o Parlamento alterar esse dispositivo. Tem autonomia para isso”, disse Toffoli, em referência ao artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê a necessidade do trânsito em julgado – quando todos os recursos jurídicos são esgotados – para estabelecer as condições da prisão.

O julgamento encerrado ontem foi sobre o mérito de três ações, movidas pelo Conselho Federal da OAB, PC do B e Patriota, que tratam sobre a execução antecipada de pena. Além do presidente do Supremo, votaram para derrubar a prisão após condenação em segunda instância os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e o relator das ações, Marco Aurélio Mello. Para a corrente majoritária do Supremo, a execução antecipada de pena fere o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no artigo 5º da Constituição.

Na outra ponta, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia se manifestaram a favor de manter a prisão após segunda instância.

A discussão do tema rachou o plenário do Supremo, opondo de um lado ministros que defendem resposta rigorosa da Justiça no combate à corrupção – e, de outro, quem destaca o princípio constitucional da presunção de inocência e os direitos fundamentais dos presos.

“Até mesmo o debate sobre o papel do STF precisa ser verificado. Discutimos muito essa questão da segunda instância tendo como pano de fundo o caso Lula. O caso Lula, de alguma forma, contaminou todo esse debate, tendo em vista essa politização. E isto acabou não sendo bom para um debate racional. Eu, inclusive, sou chamado nas redes sociais de um ‘corifeu (pessoa de maior destaque ou influência em um grupo) do petismo’”, disse Gilmar.

Penúltimo a votar, Celso de Mello frisou que, independentemente da posição de cada colega sobre o tema, todos se opõem à corrupção. “Nenhum juiz do Supremo (...) é contrário à necessidade imperiosa de combater e reprimir as modalidades de crime praticadas por agentes públicos ou por delinquentes empresariais”, afirmou o decano.