O Estado de São Paulo, n. 46042, 08/11/2019. Política, p. A8

 

Advogados de Lula pedirão soltura hoje

Bruno Ribeiro

Ricardo Galhardo

08/11/2019

 

 

Lei não impõe restrições ao ex-presidente caso ele deixe prisão em Curitiba nos próximos dias; PT já prepara uma agenda política

Expectativa. Dirigentes do PT estão no Paraná para esperar soltura do ex-presidente Lula, preso na sede da PF em Curitiba

O julgamento de ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) abriu caminho para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixe a prisão em Curitiba, onde está desde abril do ano passado, quando foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do triplex do Guarujá. Em nota após a decisão do STF, a defesa do ex-presidente informou que vai entrar hoje com o pedido de soltura do petista.

Caso Lula receba autorização da Vara de Execuções Penais para sair do cárcere, não será impedido de viajar pelo País nem de participar de atos políticos, segundo o que é previsto no Código de Processo Penal (CPP). Por outro lado, como já foi condenado por duas instâncias, Lula não pode concorrer a cargos públicos em razão da Lei da Ficha Limpa.

Em tese, a lei também não o obriga a cumprir medidas como se recolher em casa à noite, usar tornozeleira eletrônica ou entregar seu passaporte à polícia. Há uma exceção, porém. Se o Ministério Público Federal (MPF) avaliar que o réu oferece algum risco à investigação, ao processo ou a testemunhas, pode pedir à Justiça uma prisão preventiva ou alguma medida cautelar, como a proibição de sair do País, por exemplo. Desde que começou a ser investigado na Operação Lava Jato, no entanto, o ex-presidente não foi alvo de nenhuma decisão deste tipo.

Dirigentes do PT estão em Curitiba desde ontem para preparar a possível saída de Lula da sala da Polícia Federal onde está detido. Eles trabalham com a hipótese de que o ex-presidente possa deixar o local ainda hoje.

“Lula não praticou qualquer ato ilícito e é vítima do uso estratégico do direito para fins de perseguição política”, disseram em nota os advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins e Valeska Martins. Apesar da expectativa dos petistas, procuradores e policiais federais que trabalham no Paraná acreditam que a soltura de Lula ainda deve demorar alguns dias.

Juristas ouvidos pelo Estado afirmaram que o julgamento do Supremo faz com que, se for solto, Lula passe a ter direito às mesmas liberdades de um cidadão que não responde a nenhum processo e pode gozar da presunção de inocência enquanto seu processo não chegar ao trânsito em julgado.

“Lula poderá ter de cumprir alguma medida cautelar, mas isso depende de um pedido do Ministério Público”, disse o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Davi Tangerino.

Segundo o artigo 282 do CPP,  a determinação de medidas cautelares está ligada ao cumprimento de requisitos. “Lula respondeu ao processo inteiro em liberdade, não deu causa a nenhum tipo medida cautelar nem pedido de prisão preventiva. Então, a princípio, estará gozando de sua liberdade plena”, afirmou a presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB-SP), Daniella Meggiolaro Paes de Azevedo.

Agenda. Mesmo antes de terminar o julgamento do Supremo, dirigentes do PT começaram a discutir uma agenda política para Lula. A ideia é organizar o máximo possível de viagens antes do fim deste ano. Segundo a deputada Gleisi Hoffmann, presidente nacional do partido, o PT vai continuar batendo na tecla do “Lula livre” até que o ex-presidente tenha a condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro anulada. A pressão é para que haja o julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

Os petistas acreditam que a primeira aparição pública de Lula será na vigília que foi montada em um terreno na frente da superintendência da PF em Curitiba. O grande palco político para Lula, no entanto, deve ser o Congresso Nacional do PT, entre 22 e 24 de novembro, em São Paulo.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Dúvidas sobre caso do petista

1. O ex-presidente Lula vai ser solto?

A decisão do Supremo não derruba automaticamente todas as prisões no País. A defesa tem de pedir a soltura. E caberá ao juiz analisar cada caso.

2. Lula pode voltar para a cadeia antes do trânsito em julgado?

O julgamento do Supremo não impede que juízes decretem prisões preventivas em casos excepcionais, como ameaça à ordem pública ou ao aprofundamento das investigações. Lula poderia voltar à cadeia se tiver uma prisão preventiva decretada.

3. Lula pode ser candidato? Pode viajar fazendo campanha?

Ao admitir a execução da pena de prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos, o Supremo abre caminho para a soltura de Lula, mas o ex-presidente não pode se candidatar. Isso porque ele sofreu duas condenações no caso do triplex do Guarujá e é considerado inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

4. Como Lula pode voltar a ficar elegível?

A Segunda Turma do STF deve julgar neste mês a conduta do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar Lula no. O petista acusa Moro de agir com parcialidade. Se a Segunda Turma derrubar essa condenação, o caso retorna à primeira instância – e Lula volta a ficar elegível.

5. Lula responde a outros processos?

Além do caso do triplex, o petista já foi condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses pelo caso do sítio de Atibaia e responde ainda a seis denúncias criminais.

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Lava Jato critica decisão

Ricardo Brandt

08/11/2019

 

 

Integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba divulgaram nota em que afirmam respeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acabar com a execução da pena em segunda instância, votada ontem. Mas eles afirmaram que a medida é dissonante ao sentimento de “repúdio à impunidade e com o combate à corrupção”.

“A decisão do Supremo deve ser respeitada, mas como todo ato judicial pode ser objeto de debate e discussão. Para além dos sólidos argumentos expostos pelos cinco ministros vencidos na tese, a decisão de reversão da possibilidade de prisão em segunda instância está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, prioridades do País”, informa a força-tarefa, em nota distribuída via assessoria de imprensa.

“A existência de quatro instâncias de julgamento, peculiar ao Brasil, associada ao número excessivo de recursos que chegam a superar uma centena em alguns casos criminais, resulta em demora e prescrição, acarretando impunidade.”

Os procuradores afirmam que a decisão “impactará os resultados” do trabalho da força-tarefa, que abriu mais de 100 processos penais em seis anos, mas dizem que seguirão o trabalho. “A força-tarefa expressa seu compromisso de seguir buscando justiça nos casos em que atua”, finaliza o texto.

Bastidores. A decisão do STF era mais uma derrota anunciada para integrantes das força-tarefas da Lava Jato, que internamente acusam golpe da classe política em busca de salvação. Em reservado, investigadores disseram que a medida é um retrocesso.