O globo, n.31431, 27/08/2019. Economia, p. 17

 

Sem detalhes 

Henrique Gomes Batista 

Renato Andrade 

João Sorima Neto 

27/08/2019

 

 

Odebrecht propõe trocar dívidas por títulos, mas não define descontos, prazos ou vendas

Protagonista da maior recuperação judicial já realizada no país, a Odebrecht protocolou ontem na Justiça de São Paulo seu plano de reestruturação sem detalhar que negócios pretende vender nem apontar o desconto que pretende obter de seus credores. A dívida total do grupo soma R$ 98,5 bilhões. Especialistas acreditam que a empresa vai tentar convencer os credores — entre eles grandes bancos estatais e privados — a aceitar até 90% de desconto nos débitos acumulados.

Sessenta dias depois de pedir à Justiça proteção contra a execução de dívidas, a Odebrecht definiu que pretende emitir títulos correspondentes aos débitos que foram incluídos no plano e que somam R$ 51 bilhões. Os credores ficarão com esses papéis e só receberão de acordo com os resultados futuros da reestruturação dos negócios do grupo.

Na prática, só existem dois caminhos para que eles recebam o dinheiro de volta:a Odebrecht vender ativos ou fazer com que sua operação volte a dar lucro. De modo geral, o plano segue modelo que já foi adotado por outras companhias, como a PDG, do setor imobiliário, e a Ocyan (antiga Odebrecht Óleo e Gás).

Não foram incluídos no pacote R$ 33 bilhões relativos a débitos entre empresas da própria Odebrecht, bem como R$ 14,5 bilhões que os bancos que contam com ações da petroquímica

Braskem como garantia, controlada pela construtora, têm a receber. As dívidas trabalhistas do grupo, que somam R$ 100 milhões, serão pagas até um ano após a formalização do plano.

Em comunicado, a Odebrecht informou que “quanto melhores forem os resultados e o fluxo de caixa, maior será o volume de recursos destinados aos credores” detentores dos papéis a serem emitidos. O texto não estabelece prazos e diz que a empresa busca “a geração de riqueza no curto, médio e longo prazo, sobretudo por meio da venda de ativos estratégicos e da recuperação dos negócios do grupo”.

O diretor-presidente da holding Odebrecht S.A., Luciano Guidolin, disse, em nota, confiar em um avanço rápido “no diálogo já em andamento com os credores e na construção coletiva de uma proposta de reestruturação.”

NEGOCIAÇÃO À FRENTE

Fontes envolvidas na negociação reconhecem que o plano é genérico e serve para cumprir a exigência de apresentação de proposta à Justiça até 60 dias após o pedido de recuperação. Ainda assim, essas fontes ponderam que o documento traz as diretrizes básicas do que o grupo pretende executar: recuperar parte dos negócios e vender ativos.

A ideia é apresentar um detalhamento mais à frente, em conversas com credores que poderão levar a modificações na estratégia. Os credores sem garantias reais receberão 100% da receita líquida que a holding registrar, descontando apenas o dinheiro que a empresa precisa para pagar seus custos. Para que o plano dê certo é preciso que a Odebrecht volte ao lucro com obras e que a Atvos, sua companhia sucro energética, resolva sua recuperação judicial. A economia do país terá grande influência.

Só após negociação com os credores a Odebrecht deverá convocar uma assembleia para que eles ratifiquem o seu plano. Na avaliação de advogados especializados em recuperação judicial, a empresa terá que dar detalhes de seu plano nessas conversas. A expectativa é que credores que não têm ações da Braskem como garantia, como a Caixa Econômica Federal, possam resistir mais à proposta. Uma definição só deve sair entre o fim deste ano e o início de 2020.

— Os credores que não têm garantias sabem que não vão receber 100% das dívidas, mas precisam saber de quanto é o desconto que está sendo pedido—diz um advogado da área.

Além da Braskem, a Odebrecht pode vender sua fatia de 28,7% na hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), e concessões no Peru. Procurados, os principais credores (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Santander e BNDES) não comentaram. (Colaborou Bruno Rosa)

A derrocada da Odebrecht começou em junho de 2015, quando o escândalo de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato levou para a cadeia Marcelo Odebrecht, então presidente do grupo. Em 2016, ele e outros 78 executivos da empresa firmaram acordo de delação premiada e admitiram crimes no Brasil e em 11 países.