Título: Vitória dos guaranis
Autor: Chaib, Julia
Fonte: Correio Braziliense, 31/10/2012, Brasil, p. 7

Justiça decide que indígenas poderão permanecer em área ocupada até a conclusão dos trabalhos de delimitação e demarcação do território

Os indígenas da etnia guarani-caiová da comunidade Pyelito Kue, em Iguatemi, em Mato Grosso do Sul (MS), garantiram a permanência na área. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) cassou liminar de um juiz da 1ª Vara Federal em Naviraí (MS) que determinava a saída de 200 índios, incluindo 50 crianças, da Fazenda Cambará, de 700 hectares, onde estavam acampados há mais de um ano. Com a decisão, os guaranis-caiovás poderão ficar no local até que o processo de homologação da terra indígena seja concluído.

A derrubada da liminar ocorreu após a Fundação Nacional do Índio (Funai) entrar com recurso, em 18 de outubro, contra a decisão do juiz federal Sérgio Henrique Bonachela, da 1ª Vara Federal, tomada em 17 de setembro. Após a situação tensa da etnia que vive em Pyelito Kue ter repercutido pelo Brasil, o Ministério Público Federal também entrou com recurso contra a ação que determinava que a terra não pertencia aos indígenas.

Diante do drama vivido pela comunidade, o tema esteve ontem em discussão no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, esteve presente na reunião e anunciou medidas que serão tomadas para amenizar a situação de conflitos entre fazendeiros e os guaranis-caiovás em Mato Grosso do Sul. Ele informou que foram enviados reforços da Força Nacional e da Polícia Federal para garantir a segurança do local.

Além disso, o ministro anunciou que o processo de reconhecimento da terra indígena está na terceira etapa. "O relatório dos antropólogos que fizeram o estudo na comunidade Pyelito Kue está pronto e indica que a região é de fato indígena", afirmou. Cardozo disse que Funai despachará o relatório elaborado por técnicos do órgão em, no máximo, 30 dias. Essa ação, entretanto, não significa que a terra estará homologada. Após a publicação do decreto, é aberto o espaço para reivindicações e, após a definição sobre todos os processos judiciais, a terra enfim será demarcada.

Para o presidente da Comissão Especial Guarani-Caiová do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Eugênio Aragão, as novidades são positivas, mas avalia que o Estado precisa ser mais ágil em tomar decisões. "As coisas só acontecem quando chegamos à beira do abismo. O Estado sempre tem uma postura reativa", disse. "É hora de se fazer uma reflexão profunda. O processo de demarcação deve ser revisto. Da maneira como se dá hoje, os índios são vistos como estorvo. A nossa ação unilateral é genocida", disse Eugênio.

Reserva nativa A liderança indígena Solano Lopes, de Pyelito Kue, esteve no conselho para falar sobre a situação de quem vive na Fazenda Cambará. "Naquele local, não temos acesso nem saída da terra garantida, não temos saúde ou educação. Eu trouxe a nossa voz, a nossa situação, pedindo que imediatamente seja resolvido nosso problema", disse. O líder guarani-caiová Otoniel Ricardo também esteve presente e comentou a decisão inicial. "Só estarei 100% feliz quando a terra for homologada e todos os indígenas guaranis-caiovás de Mato Grosso do Sul tiverem demarcadas suas terras", completou Otoniel. A presidente da Funai, Marta do Amaral Azevedo, se comprometeu a publicar o despacho do relatório que indica que a terra é indígena. "Temos um longo caminho pela frente, a situação em Mato Grosso do Sul é difícil, mas vamos fazer o possível para demarcar as terras o quanto antes", afirmou.

A área ocupada pela comunidade de Pyelito Kue, localizada no sul do estado, é de reserva nativa. Ou seja, não pode ser explorada economicamente. Os índios atravessaram o rio e foram para a propriedade rural em novembro do ano passado, três meses depois de o acampamento onde moravam ser destruído em um ataque, em 23 de agosto de 2011. Desde então, os indígenas vivem em conflitos com os fazendeiros da região. O governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), responsabilizou a Fundação Nacional do Índio (Funai) pelo impasse resultante da decisão dos guaranis-caiovás de Pyelito Kue. "Se eu fosse presidente da República, já teria extinto a fundação por causa de sua ineficiência e incompetência."