O Estado de São Paulo, n. 46042, 08/11/2019. Política, p. A10

 

Presidente do Senado não quer discutir nova lei

Daniel Weterman

Camila Turtelli

08/11/2019

 

 

Senadora pretende levar a comissão PEC para restabelecer prisão após 2ª instância; Alcolumbre, porém, não deve pautar matéria

Em reação ao resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que restabeleceu ontem o entendimento de que um condenado só pode ser preso após esgotados todos os recursos, a senadora Simone Tebet (MDBMS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, disse ao Estadão/Broadcast que pretende colocar em discussão no colegiado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza a execução da pena após condenação em segundo grau. A proposta, no entanto, encontra resistência do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), responsável pela definição da pauta de votações no plenário da Casa.

Em seu voto decisivo no julgamento de ontem, que derrubou a possibilidade de execução de pena após condenação em segunda instância, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, lembrou que o Congresso tem autonomia para mudar o entendimento que garante a um acusado responder em liberdade até o fim da tramitação de um processo na Justiça.

De acordo com a senadora, o texto da proposta para retomar a “segunda instância” deve ser fechado na próxima segundafeira, e a expectativa é a de que ela seja levada a votação a partir do dia 20. “Mas alterando efeito dos recursos especiais (no Superior Tribunal de Justiça) e extraordinário (STF). Alguns senadores estão trabalhando no texto ideal”, afirmou.

Alcolumbre, no entanto, rejeita pautar uma proposta para autorizar a prisão de condenados em segunda instância – um dos pilares da Operação Lava Jato. Anteontem, um dia antes do término do julgamento, o Presidente do Senado deu o recado. “Isso aí não tem nem perspectiva”, afirmou, ao tratar do assunto. Alcolumbre foi procurado pelo Estado ontem após o resultado do julgamento do STF, mas não quis se manifestar.

Câmara. Na Câmara, a votação de uma PEC com o mesmo teor foi anunciada para semana que vem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “A decisão do STF é frustrante”, afirmou o deputado Alex Manente (Cidadania-SP), destacando que parlamentares vão acelerar a votação sobre o tema.

Líderes partidários, entre eles do PSDB e do Novo, disseram que pretendem trabalhar para votar a proposta na Câmara. “Vou torcer para que o Parlamento mude”, disse o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP). “Vamos fazer de tudo para que mude. É nossa obrigação”, afirmou o líder do Novo, Marcel Van Hattem (RS).

Com a possibilidade de soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, integrantes da oposição comemoraram a decisão do Supremo. “A decisão é também o reconhecimento, depois de um ano e seis meses, de que o ex-presidente Lula ficou preso durante todo esse período de forma ilegal por uma decisão política”, afirmou a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR). O partido cobra agora do Supremo a anulação da condenação que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, defensor da prisão após condenação em segundo grau e juiz da sentença de Lula no caso do triplex do Guarujá, evitou comentar os resultados do julgamento do STF. Conforme o Broadcast Político antecipou, Moro deve pedir a retirada do trecho que prevê a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância no pacote anticrime proposto por ele e em tramitação no Senado.

“Antídoto”. O Presidente do Senado concorda em pautar um projeto alternativo considerado como “antídoto” para o fim da prisão após condenação em segundo grau. Toffoli sugeriu alterar o Código Penal de forma a impedir a prescrição de casos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo. A demora para a conclusão final de processos e a extinção deles via prescrição são as principais críticas dos defensores da prisão após condenação em segunda instância.

Alcolumbre já liberou para votação em plenário um projeto apresentado pelo senador Alvaro Dias (Pode-PR) com a revisão na prescrição. Nas próximas duas semanas, a proposta deve ser adequada nos termos da “emenda Toffoli”.

Apesar da sugestão de Toffoli, a pressão pela PEC da segunda instância continua. “Os ministros do Supremo, chamados de ‘garantistas’, mais uma vez flexibilizam para os criminosos e a população vai pagar a conta disso”, comentou o líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP). A revisão do prazo de prescrição é defendida por senadores “lavajatistas”, mas o grupo fala que isso não é suficiente.

“Ele (Toffoli) está buscando um remédio que não cura, só diminui a dor. É um pretexto para se acabar com a prisão em segunda instância. O fim da prescrição é importante independentemente da prisão após segunda instância”, afirmou Dias.

O núcleo político do governo considerou a decisão do Supremo um duro golpe à Operação Lava Jato. Um dos interlocutores do presidente afirmou que a mudança de entendimento da Corte já era esperada desde que se soube que o voto de minerva seria do presidente da Corte, ministro Dias Tofolli.

O entendimento atual firmado ontem pelo Supremo causa preocupação adicional ao Palácio de Planalto, que acompanhará de perto a evolução de manifestações contra e a favor de possível liberação de Lula.

Críticas

“A decisão é frustrante.”

Alex Manente (Cidadania-SP)

DEPUTADO

“Vou torcer para que o Parlamento mude.”

Carlos Sampaio (SP)

LÍDER DO PSDB NA CÂMARA

“Vamos fazer de tudo para que mude.”

Marcel Van Hattem (RS)

LÍDER DO NOVO NA CÂMARA

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Maia ataca proposta de garimpo em terra indígena

Mariana Haubert

08/11/2019

 

 

Presidente da Câmara diz que arquivará projeto que autoriza atividade nas áreas demarcadas, proposta pelo governo

Presidente. Rodrigo Maia, durante solenidade na Câmara

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou ontem o projeto que o governo pretende enviar ao Congresso para legalizar a mineração em terras indígenas e disse que o País não crescerá apenas com as reformas econômicas. Em entrevista ao canal GloboNews, Maia disse que vai arquivar a proposta se ela chegar à Casa.

“A argumentação que eu vi hoje do ministro (Bento Albuquerque, de Minas e Energia) não está adequada. Não é porque tem garimpo ilegal que a gente vai tratar de legalizar o garimpo. Temos que, primeiro, combater o que é ilegal e fazer um amplo debate sobre esse tema. O tema do garimpo não é simples e o tema do garimpo em terra indígena é mais complexo ainda”, afirmou Maia, ao sair de um evento na Câmara.

Para ele, o Estado brasileiro precisa cumprir sua parte no combate ao que é ilegal e depois discutir se há espaço e quais são as condições para avançar com o debate sobre o tema.

Maia também criticou o governo por não promover um maior diálogo sobre o projeto e lembrou que ele deverá ser apresentado no momento em que o Brasil é criticado no exterior em relação a problemas no meio ambiente.

“As reformas, por si só, não vão fazer este Brasil crescer. A proteção do meio ambiente, nossa democracia, o bom diálogo com nossos vizinhos e com outros países é que vai fazer esse País crescer”, afirmou.

Em agosto, o Estado mostrou que a determinação do governo federal de permitir a exploração mineral em terras indígenas tem potencial para afetar quase um terço das reservas no País.

Prevista na Constituição de 1988, a atividade em territórios demarcados nunca foi regulamentada e é alvo de discussão no Congresso há décadas. O assunto foi tratado com insistência pelo presidente Jair Bolsonaro, declaradamente favorável à mineração em áreas indígenas, inclusive demarcadas.

Segundo cálculos do Instituto Socioambiental (ISA), havia em agosto 4.332 requerimentos para exploração do subsolo em 214 das 735 áreas indígenas registrados na Agência Nacional de Mineração – 29,1% do total, inclusive nos parques indígenas de Tumucumaque (AP e PA), Araguaia (TO) e Aripuanã (MT).