Correio braziliense, n. 20514, 21/07/2019. Política, p. 3

 

Bolsonaro nega preconceito

Jorge Vasconcellos

21/07/2019

 

 

Chefe do Executivo diz que, ao usar o termo "paraíba", quis se referir apenas aos governadores do Maranhão, Flávio Dino, e da Paraíba, João Azevedo, ambos oposicionistas, mas não ao povo nordestino. E acusou a mídia de distorcer suas declarações

Após a repercussão negativa dos comentários que fez a respeito de governadores do Nordeste, o presidente Jair Bolsonaro acusou a imprensa de ter distorcido o que ele disse na sexta-feira durante café da manhã com jornalistas estrangeiros. Ao deixar ontem o Palácio da Alvorada, o presidente afirmou que suas declarações sobre “governadores de paraíba” tinham a intenção de criticar o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e o da Paraíba, João Azevedo (PSB), e não a população nordestina.
“Eu fiz uma crítica ao governador do Maranhão e ao da Paraíba, que vivem esculhambando obras federais, que não são deles, são do povo”, disse o presidente a jornalistas. “A crítica que eu fiz foi aos governadores, nada mais. Em três segundos, vocês da mídia fazem uma festa. Eles são unidos, eles têm uma ideologia, perderam as eleições. Tentam o tempo todo, através da desinformação, manipular eleitores nordestinos. O Parlamento não é tão raso como estão pensando”, acrescentou.
Perguntado se o termo “paraíba” não reflete preconceito, Bolsonaro respondeu: “A maldade está no coração de vocês. Tenho tanta crítica ao Nordeste que casei com a filha de um cearense”. Na ocasião, o presidente tirou selfie com apoiadores, e alguns se disseram nordestinos. No início da noite, ele postou no Twitter vídeo da visita que fez ao evento de motociclismo Brasília Moto Week, onde também foi cercado por admiradores.
Na sexta-feira, aparentemente sem saber que o microfone estava ligado, o presidente usou o termo “paraíba” ao se referir aos governadores nordestinos, em conversa com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão; tem que ter nada com esse cara”, afirmou Bolsonaro na ocasião. Ontem, questionado por uma repórter sobre a declaração, ele respondeu: “Se eu chamar você de feia agora, todas as mulheres do Brasil estarão contra mim. Eles acham que o Nordeste é uma massa de manobra. Na verdade, a imprensa está com saudade do PT e do Lula”.
Confronto
Pelo Twitter, o governador Flávio Dino reagiu às declarações de Bolsonaro. “Hoje, o presidente da República reiterou agressões pessoais contra mim e o governador da Paraíba, tentando dissimular grave preconcento regional. Seria mais digno ter se desculpado. Mas o ódio impede um gesto de grandeza. Lamento muito. ‘Amanha há de ser outro dia’”, escreveu o governador, que, em enrevista ao jornal Folha de S. Paulo, chamou de “uma honraria” as críticas vindas do presidente .
A assessoria de Dino informou que, no próximo dia 29, os governadores do Nordeste se reunirão em Salvador, quando deverão definir uma ação conjunta em resposta às declarações de Bolsonaro, incluindo possíveis representações judiciais. 
O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), vice-líder do partido na Câmara, anunciou que dará entrada na Procuradoria-Geral da República com pedido de investigação de crimes de ameaça, contra a honra e racismo. “Bolsonaro se manifestou de forma preconceituosa em relação ao Nordeste e deu ordens a um ministro para discriminar e perseguir o Maranhão, duas situações ilegais”, disse o parlamentar, citando o artigo 20 da Lei do Racismo (Lei nº 9.459/1997), que prevê pena de reclusão de um a três anos e multa para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Repercussões
Em meio às repercussões, o termo “orgulho do Nordeste” se tornou o mais comentado do Twitter. No começo da tarde de ontem, a cantora Alcione postou vídeo no Instagram no qual exige respeito ao Nordeste e ao Maranhão. A gravação foi acompanhada de um texto que tem praticamente o mesmo conteúdo.
“Presidente Bolsonaro, eu não votei no senhor e não me arrependo. Eu sou uma brasileira que não torço contra o governo, não sou burra. Eu sei que se torcer contra, estou torcendo contra o meu país. Agora meu pai sempre me dizia, que meu avó já dizia para ele: ‘Quem quer respeito, se dá’. E o senhor não está se dando respeito”, disse a artista maranhense.
Grosseria
“O senhor precisa respeitar o povo nordestino. Respeite o Maranhão. O senhor tem medo de facada, tem medo de tiro, mas o senhor precisa ter medo do pensamento. O pensamento é uma força. Pense em mais de 30 milhões de nordestinos pensando contra o senhor? Comece a nos respeitar. Respeite o povo brasleiro”, concluiu Alcione.
Da ala militar, a reprovação veio do general da reserva Luiz Rocha Paiva. Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele considerou o comentário de Bolsonaro “antipatriótico” e “incoerente”. “Tem que ter calma, mas mostrar pra ele o quanto perdeu com essa grosseria com que menosprezou uma região do Brasil e seus habitantes. Um comentário antipatriótico e incoerente para quem diz ‘Brasil acima de tudo’”, afirmou o general, que foi integrante da Comissão da Verdade.
Em meio à artilharia de críticas, o presidente Bolsonaro contou, ontem, com o apoio do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. “Um testemunho: Em janeiro, na crise de segurança do Ceará, o presidente @jairbolsonaro, primeira semana de governo, não hesitou em autorizar o envio da Força Nacional e da Força de Intervenção Penitenciária e em disponibilizar vagas em presídios federais para as lideranças criminosas”, escreveu.
"A maldade está no coração de vocês. Tenho tanta crítica ao Nordeste que casei com a filha de um cearense”
Jair Bolsonaro, presidente da República