Correio braziliense, n. 20514, 21/07/2019. Política, p. 4

 

O sonho grande do ex-policial

Ingrid Soares

Rodolfo Costa

21/07/2019

 

 

Último dos filhos do presidente a se aventurar na política, o deputado federal Eduardo Bolsonaro é formado em direito, foi escrivão da PF, sempre desejou morar nos Estados Unidos e ambiciona o comando da embaixada em Washington

As polêmicas na família do presidente Jair Bolsonaro surgem, coincidentemente, na ordem em que Bolsonaro enumera os filhos. Flávio, o número “01” ganhou os noticiários após o caso Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que arranhou o capital político do senador. O vereador Carlos, o número “02”, é conhecido pelos comentários controversos no Twitter. Agora, Eduardo, o “03”, está em meio a uma polêmica. Isso porque pode ficar com ele a função de liderar a embaixada do Brasil em Washington (EUA), mesmo sem ter carreira diplomática. Como “credenciais” para o posto, diz saber falar inglês e ter feito intercâmbio nos Estados Unidos, além de ter “fritado hambúrgueres”.
Carioca, Eduardo Nantes Bolsonaro, 35 anos, estudou nos colégios Batista Brasileiro e Palas. Na adolescência, curtia os dias de sol no Rio com os membros da banda carioca Forfun. Formou-se em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2008, e foi aprovado em concurso público, tornando-se escrivão da Polícia Federal, pela qual atuou de 2010 a 2015. Pós-graduando na Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Mises Brasil, ainda precisa entregar o TCC (trabalho de conclusão de curso) até o fim do ano para se formar.
O mais esportista dos filhos do presidente é apaixonado por surfe. No fim de maio, casou-se com a psicóloga Heloísa Wolf, em cerimônia que contou com 150 convidados. Ele frequenta clubes de tiro e tem agenda pró-armamento.
Filho que queria distância da política, foi o último a se deixar seduzir. Empurrado pelo pai, filiou-se ao Partido Social Cristão (PSC) em 2014 e foi eleito deputado federal por São Paulo. Teve cerca de 80 mil votos, usando o nome do pai. Quatro anos depois, conseguiu a reeleição, pelo Partido Social Liberal (PSL), com 1.843.735 votos, sendo o mais votado da história do país. As bandeiras, conservadoras, são as mesmas de Jair Bolsonaro: defende a escola sem partido, faz oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e é contra a política de cotas.
De acordo com um amigo, quando pai e filho eram deputados, os gabinetes ficavam próximos e eles dividiam assessores. “Se fosse a um gabinete falar com o Eduardo, ele não gravava um vídeo sem falar com o pai. E por que ele quis ser PF? A família dele toda é militar. O Jair sempre fez os filhos estudarem para a polícia”, contou esse amigo. “Eduardo queria ser empresário e surfista.”
A carreira como parlamentar não transcorre sem imbróglios. Em abril de 2018, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou uma denúncia contra ele, no Supremo Tribunal Federal (STF), por ameaças à jornalista Patrícia Lélis. Em outubro último, circulou nas redes sociais um vídeo em que Eduardo é questionado sobre como reagiria se o STF indeferisse a candidatura do pai à Presidência da República. Ele disse que bastaria “um cabo e um soldado” se alguém “quisesse fechar o STF”. Diante da repercussão negativa, se desculpou.
Trabalho
Na Câmara, apresentou neste ano cinco projetos, dos quais três de iniciativa somente dele. Com Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), pretende “impor ideologia de gênero no rol de crimes hediondos”. Com outros deputados do partido, declara a princesa Isabel patrona da abolição da escravatura no Brasil. De autoria própria, prevê que sejam desvinculados compulsoriamente e tenham recusadas as matrículas nos estabelecimentos oficiais de ensino os discentes que forem condenados administrativamente ou judicialmente em casos de depredação do patrimônio público.
Um outro PL determina a concessão automática de registro aos medicamentos que já tenham sido avalizados por autoridades sanitárias de outros países, e outro, ainda, dispõe sobre a revalidação e o reconhecimento de diplomas de graduação, mestrado e doutorado expedidos por instituições de ensino superior estrangeiras.
O filho “03” gosta de viajar e sempre teve desejo de morar nos Estados Unidos e de atuar no ramo internacional. Preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Há meses, tem sido tratado como consultor informal de assuntos internacionais do Palácio do Planalto. Ele seguiu Bolsonaro na maioria das viagens internacionais, como na ida ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, em janeiro. Dois meses depois, chamou a atenção o fato de o pai tê-lo levado, e não o chanceler Ernesto Araújo, à reunião com o presidente norte-americano, Donald Trump, nos Estados Unidos. Em junho, também embarcou com Bolsonaro para a reunião do G-20, no Japão.
“Humilde”
Segundo o senador Major Olímpio (PSL-SP), Eduardo é uma pessoa “simples e sem frescura”. “Tenho-o como amigo, é uma consideração mútua. Ele é extremamente humilde, respeitoso nos propósitos e nas atitudes”, elogiou. “É indiscutível a prerrogativa do presidente de fazer indicações para agências e embaixadas. E Eduardo tem os requisitos necessários para o cargo”, defendeu.
Na opinião de Major Olímpio, caso ocorra a indicação, não haverá muita resistência no Senado para aprovar a nomeação. “A oposição vai fazer disso cavalo de batalha, tentar mostrar que é situação de nepotismo. Não creio que há. Alguns gostem ou não, a proximidade maior que Eduardo tem com a família Trump fará uma diferença significativa. Será um facilitador”, argumentou.
O senador comentou um vídeo em que o deputado mostra inglês claudicante numa entrevista à Fox, motivo de duras críticas nas redes sociais. “Acho que o inglês dele deve estar dentro do plano da normalidade. Talvez, possa fazer um aprimoramento a um linguajar mais técnico em relação ao cargo”, disse.
Uma fonte próxima ao deputado federal relatou que, se ele não assumir o posto diplomático, ficará muito frustrado. “Em Washington, creio que pode ser um ‘testa de ferro’ do Jair. Um braço dele, mas quem lidaria com as questões operacionais seria uma pessoa de carreira do Itamaraty”, ressaltou.
Jair Bolsonaro reafirmou suporte à indicação do filho e disse que “entra em campo para ganhar o jogo”, ao ser questionado sobre a expectativa de aprovação no Senado. Para o presidente, o filho será uma espécie de “vitrine” para o Brasil.
Posto vago
O cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos está vago desde abril, quando o chanceler Ernesto Araújo removeu o diplomata Sérgio Amaral do posto. O diplomata Nestor Foster era considerado o favorito para substituí-lo.

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Sem consenso entre senadores

Augusto Fernandes

21/07/2019

 

 

 

 

Apesar de o Congresso estar em período de recesso até o fim do mês, as atividades do Senado não devem parar por completo, em meio à possibilidade de o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ser indicado para chefiar a embaixada do Brasil em Washington, nos Estados Unidos. Até a volta oficial dos trabalhos, senadores da Comissão de Relações Exteriores (CRE) se movimentarão nos bastidores para analisar o nome do filho de Jair Bolsonaro. Em caso de confirmação da indicação do congressista pelo governo federal, vão sabatiná-lo e votar se avalizam a nomeação. Por enquanto, Eduardo não é unanimidade entre os 17 membros titulares do colegiado.
Nas contas do Correio, o filho de Bolsonaro tem oito votos contrários até o momento. Para críticos da indicação, pesa contra o parlamentar o fato de não seguir carreira diplomática e, portanto, não ter experiência suficiente para assumir o cargo, como disse o vice-presidente da CRE, Marcos do Val (Cidadania-ES). “A embaixada é estratégica e requer um diplomata com muita consciência. Tem os profissionais que dedicam sua carreira a isso. Não vejo de forma nem um pouco positiva. Peço que o presidente da República possa reavaliar essa posição”, afirmou.
Outros contrários à nomeação veem nepotismo da parte do presidente da República. Na opinião de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição, isso está “claro, declarado”. “Não existe precedente na história da diplomacia brasileira, desde a proclamação da República, a nomeação de filho de presidente para uma embaixada”, frisou. “É um absurdo que isso seja ao menos cogitado. Bolsonaro quer fazer do governo o quintal da sua casa, uma extensão familiar.”
Mesmo que Eduardo não consiga a maioria simples dos votos na comissão para ser aprovado ao cargo, o resultado mais importante será o do plenário do Senado. De acordo com Randolfe, a oposição já teria os votos suficientes para barrar a nomeação: 41. Contudo, como o pleito é secreto, ele teme que alguns parlamentares mudem de opinião no dia do referendo. Por isso, quer articular estratégias para que a votação seja aberta. “O Senado deve cumprir seu papel e não passar por esse constrangimento. Seria muito desgastante e vergonhoso para a instituição aprovar o filho do presidente para um dos principais postos da diplomacia”, destacou.
Sete senadores da comissão já se posicionaram a favor da nomeação, incluindo o presidente do colegiado, Nelsinho Trad (PSD-MS). Para ele, o chefe de missões diplomáticas do Brasil nos EUA tem de estar alinhado com as ideias do governo. “É um ato discricionário do presidente. Ele acabou indicando uma pessoa, se é que isso vai se concretizar, que é muito próxima e deve dar sequência a esse alinhamento notório que tem com os EUA”, argumentou.
Romário (Podemos-RJ) segue essa linha de pensamento. Segundo ele, Eduardo “tem algumas credenciais que fazem com que seja aprovado”. “É o filho do presidente. Sendo assim, o tratamento será bem diferente, positivamente falando, do que seria dado a qualquer outro embaixador. Se depender do meu voto, será nomeado”, garantiu.
Para tentar garantir a aprovação, o governo estuda promover mudanças na composição inicial da comissão, mais especificamente no bloco formado por PSDB e PSL. Roberto Rocha (PSDB-MA), líder do partido no Senado, já foi consultado por interlocutores para substituir Mara Gabrilli (PSDB-SP) — que deve votar contra a indicação — por Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), irmão mais velho de Eduardo e um dos suplentes do bloco. Uma eventual troca não depende da vontade da senadora titular da CRE.
Incertezas
Dois senadores preferiram não se pronunciar enquanto o presidente não formalizar a indicação: Esperidião Amin (PP-SC) e Antonio Anastasia (PSDB-MG). Outro voto que também não está certo é o do congressista a ser escolhido para ocupar a quinta vaga da comissão destinada ao bloco parlamentar Unidos pelo Brasil, composto por MDB, PRB e PP. Líder do grupo, Amin terá de escolher entre Renan Calheiros (MDB-AL), Simone Tebet (MDB-RS), Ciro Nogueira (PP-PI), Vanderlan Cardoso (PP-GO) e Fernando Bezerra (MDB-PE).
Os cinco têm opiniões distintas. Líder do governo no Senado, Bezerra, por exemplo, apoia a indicação de Eduardo. Ele garantiu que “apesar de toda a polêmica e o debate em torno dessa indicação, se for formalizada pelo presidente da República, o governo tem votos para aprovar tanto na comissão quanto no plenário”. Por sua vez, Tebet é contrária e diz que Bolsonaro “comete um erro estratégico ao indicar o filho”. “Há incerteza e dúvida entre alguns colegas. Independentemente de ser legal ou constitucional, eu não acho que seja moral”, opinou.
"É um absurdo que isso seja ao menos cogitado. Bolsonaro quer fazer do governo o quintal da sua casa, uma extensão familiar”
Randolfe Rodrigues, senador