O Estado de São Paulo, n. 46042, 08/11/2019. Política, p. A14

 

STF tira sigilo de gastos da Presidência

Paulo Roberto Netto

Rafael Moraes Moura

08/11/2019

 

 

Decisão do Supremo derruba artigo de decreto da época da ditadura que barrava a divulgação das despesas com os cartões corporativos

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou um artigo de decreto militar de 1967, que previa sigilo dos gastos presidenciais. A ação foi apresentada em 2008, ano marcado pelo escândalo dos cartões corporativos no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e questionava a falta de publicidade nas despesas do Palácio do Planalto, prática mantida até hoje.

A decisão que terá impacto sobre os cartões corporativos foi tomada pelo plenário virtual do Supremo, por seis votos a cinco. Votaram pela procedência da ação os ministros Luiz Fux, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, acompanhando a posição do relator, Edson Fachin. As manifestações contrárias foram do presidente da Corte, Dias Toffoli, e dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

O processo foi movido pelo antigo Partido Popular Socialista (PPS), hoje Cidadania. “Caiu um dos últimos entulhos da ditadura”, disse ao Estado o presidente do Cidadania, Roberto Freire. “Nós entramos no Supremo para dizer que aquela lei da ditadura – utilizada por Lula para decretar o sigilo dos cartões corporativos e mantida até hoje – não poderia ser recepcionada pela Constituição de 1988”.

A ação movida pela sigla alegou que o sigilo violava a Constituição, que prevê a publicidade dos atos públicos do governo como regra. De acordo com o processo, em casos em que fosse necessário o sigilo constitucional, como questões que envolvem a segurança nacional, tal ação deveria ser fundamentada. O partido tratou a lei militar como “nítida ofensa ao princípio da publicidade”.

Dados do Portal da Transparência indicam que a Secretaria de Administração da Presidência gastou R$ 4.649.787,28 desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Trata-se da maior despesa para o período, desde 2014. Deste total, R$ 4,5 milhões (97%) estão sob sigilo e não há detalhamento dos gastos. Os valores estão corrigidos pela inflação.

Bolsonaro já acenou com a possibilidade de levantar o sigilo de suas despesas pessoais com o cartão. A equipe do presidente chegou a cogitar a extinção do cartão, mas desistiu.

Em 2008, quando a ação foi levada ao Supremo, o então presidente Lula estava às voltas com o escândalo dos cartões corporativos. O Estado revelou, em janeiro daquele ano, que a União havia registrado aumento de 129% com essa modalidade de gastos, em 2007.

CPI. O caso impulsionou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso para investigar possíveis irregularidades no uso do dinheiro público e levou à queda da então ministra de Igualdade Racial, Matilde Ribeiro.

O cartão corporativo é usado por servidores do governo, incluindo o próprio presidente, com a finalidade de facilitar o pagamento de pequenas despesas ou daquelas que devam ser pagas no ato da compra, como as realizadas durante viagens. Gastos do ocupante do Palácio do Planalto, no entanto, são postos em sigilo sob a justificativa de “segurança nacional”.

A Advocacia-Geral da União (AGU) foi procurada, mas não havia se manifestado até o encerramento desta reportagem.

Questionamento

“Entramos no Supremo para dizer que aquela lei da ditadura não poderia ser recepcionada pela Constituição de 1988.”

Roberto Freire,

PRESIDENTE DO CIDADANIA

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Polícia apreende comunicação de condomínio e Bolsonaro

Fábio Grellet

08/11/2019

 

 

Perícia deve esclarecer dados de entrada de Élcio Queiroz, suspeito das mortes de Marielle Franco e seu motorista

Investigação. Condomínio Vivendas da Barra, no Rio, onde Bolsonaro e Lessa têm casas

A Polícia Civil do Rio apreendeu ontem o sistema de comunicação da portaria do condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), onde morava e foi preso em março passado Ronnie Lessa, um dos acusados pelas mortes da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) também tem casas nesse condomínio. Ele residia em uma, antes de tomar posse como presidente, e seu filho Carlos mora em outra.

Consultada pelo Estado ,a Polícia Civil afirmou que a investigação sobre o caso transcorre sob sigilo e, por isso, não iria se pronunciar.

A intenção da Polícia é fazer uma perícia para tentar esclarecer a entrada, no condomínio, no dia da morte de Marielle, de Élcio Queiroz, outro acusado de participar do duplo assassinato. Em depoimento, um porteiro do condomínio afirmou que, ao entrar no Vivendas na tarde daquele dia 14 de março de 2018, Élcio teria informado que iria à casa 58 – onde morava Bolsonaro. O porteiro teria conversado, por um sistema de comunicação, com alguém no imóvel do atual presidente, naquela ocasião. Segundo ele, “seu Jair” liberou a entrada.

Essa versão baseia-se em anotações em um livro da portaria e em dois depoimentos do empregado. Neles, o porteiro teria dito à Polícia que, ao verificar, pelas câmeras de vigilância, que o visitante não ia para a casa de Bolsonaro, mas para o imóvel de Ronnie Lessa, teria ligado novamente para a casa do então deputado federal. “Seu Jair” teria dito que sabia para onde Élcio se dirigia.

Nesse dia, porém, Bolsonaro estava em Brasília, onde gravou vídeos e registrou presença em de votações na Câmara. O conteúdo do depoimento do porteiro foi revelado pelo “Jornal Nacional”, da Rede Globo, na semana passada.

Na ocasião, o advogado Frederick Wassef, que representa Bolsonaro, negou a versão do porteiro. Afirmou que se tratava de uma “tentativa de atingir o presidente”.

No dia seguinte, o Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) convocou entrevista coletiva para afirmar que a informação fornecida pelo porteiro era falsa. Baseou-se em um exame realizado naquele dia, em menos de três horas, como mostrou o Estado.