O Estado de São Paulo, n. 46041, 07/11/2019. Política, p. A10

 

'Vai me torturar?', questiona Heleno a deputada

Mariana Haubert

07/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Ministro-chefe do GSI bate-boca com Sâmia Bonfim, do PSOL, chama golpe militar de 1964 de ‘contrarrevolução’ e critica anistia

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, participou ontem de uma tensa audiência pública na Câmara, chamou de “contrarrevolução” o golpe militar de 1964, disse que as Forças Armadas estão vacinadas contra “qualquer sintoma da ditadura”, mas não entrou em confronto com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), que defendeu um novo AI-5 no País. Questionado se repudiava a declaração de Eduardo, ele respondeu: “Eu não vou repudiar porque ele já repudiou.”

Heleno chegou a discutir com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que disse não ter se convencido das afirmações do ministro em defesa da democracia. Ela, então, insistiu para o general emitir uma opinião sobre o apoio do filho do presidente Jair Bolsonaro ao AI-5, o mais duro conjunto de leis da ditadura militar, em 1968, que resultou na cassação de direitos políticos e no fechamento do Congresso. “Não vou falar. A senhora vai me torturar para eu falar?”, perguntou.

Pouco antes, o ministro dizia que AI-5 era “uma coisa inconcebível”, que não passava “na cabeça” do governo Bolsonaro. “Eu posso garantir a todos que estão aqui presentes que, em relação aos militares das três Forças (...), as nossas gerações estão completamente vacinadas contra qualquer sintoma de ditadura, dessas coisas que ficam assustando aí as pessoas. Muitas vezes (isso) é bandeira para quem não tem muita coisa para inventar e inventa isso aí.”

Foi ao repetir que frases de uma entrevista dada por telefone ao Estado, na semana passada, haviam sido distorcidas, que Sâmia fez a pergunta mais direta ao ministro. A deputada disse que Bolsonaro chamava o golpe militar de 1964 de “revolução” e afirmou ver um “flerte” do general com a ditadura. “Há duas visões da história do Brasil. Na minha opinião, não foi golpe. Foi contrarrevolução. Se não houvesse contrarrevolução, hoje o Brasil seria uma grande Cuba”, afirmou Heleno, dirigindo-se a Sâmia.

“A senhora foi doutrinada pela esquerda. Do mesmo jeito que a senhora nos acusa de torturadores, e eu não posso estar incluído nisso aí, pois era um mero tenente, nós conseguimos com o período militar fazer uma anistia que levou uma terrorista à Presidência da República”, emendou ele, em referência a Dilma Rousseff, presa e torturada na ditadura.

Na semana passada, em entrevista ao Estado, Heleno havia defendido Eduardo, que pregou a edição de um novo AI-5 se houver “radicalização” da esquerda no País, com protestos semelhantes aos ocorridos no Chile. “Se (ele) falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo”, disse, na ocasião.

Diante da repercussão negativa de suas declarações, Eduardo Bolsonaro recuou e se desculpou. Mesmo assim, partidos de oposição, como PT, PSOL e PC do B, entraram com representação no Conselho de Ética, pedindo a cassação do deputado. Heleno, por sua vez, disse depois que suas afirmações haviam sido deturpadas e que se tratava de uma conversa em “off”, embora a entrevista tenha sido gravada e o ministro tenha autorizado a publicação.

Convidado. General Heleno participou como convidado de audiência pública realizada pela Comissão de Integração, Desenvolvimento Regional e da Amazônia sobre o monitoramento dos movimentos sociais. O bate-boca com Sâmia não foi o único momento tenso da reunião. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) quis saber como a área de inteligência do governo iria apurar as responsabilidades pelas queimadas na Amazônia. “O senhor acha que foi o presidente Bolsonaro que tocou fogo na mata?”, respondeu o ministro.