O Estado de São Paulo, n. 46041, 7/11/2019. Economia, p. B1

 

Megaleilão do pré-sal frustra previsão do governo e traz aperto nas contas de 2020

Denise Luna

Fernanda Nunes

Mariana Durão

07/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Sem disputa. Marcado por falta de concorrência e fraca participação das petroleiras internacionais, leilão foi dominado pela Petrobrás, que levou praticamente sozinha dois dos quatro campos ofertados; em vez dos R$ 106,5 bi previstos, governo arrecadou R$ 70 bi

O megaleilão de campos de petróleo do pré-sal terminou em clima de frustração ontem, no Rio. Até a véspera, o governo dava como certa a presença das gigantes estrangeiras. Mas, contrariando as expectativas, quem apareceu foi a brasileira Petrobrás. Teria sido a única, não fosse a tímida participação de duas companhias chinesas – CNOOC e CNODC –, na condição de sócias da estatal, com fatias de 5% cada uma. A Petrobrás levou os campos de Búzios, em consórcio, e de Itapu, sozinha. Sem competição e sem ágio, a licitação chegou ao fim com índice de sucesso de 50%: duas das quatro áreas foram vendidas, o que abriu margem para mudanças no modelo das disputas futuras.

Apesar de bem abaixo da previsão do governo, de R$ 106,5 bilhões, a arrecadação não foi pequena. Ao todo, R$ 70 bilhões vão entrar nos cofres da União ainda neste ano. A equipe econômica, porém, contava com um pagamento maior, que poderia ser feito em duas parcelas. Uma em 2019 e outra em 2020. O resultado dificulta as contas do ano que vem . Estados e municípios vão ficar com R$ 11,7 bilhões e o governo federal, com R$ 23,7 bilhões. A Petrobrás ainda tem um crédito de R$ 34,6 bilhões com o Tesouro e vai se valer dele para pagar a conta.

Em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro negou que o governo tenha ficado frustrado com o resultado. “Foi menor que o previsto, lógico que o dinheiro será menor”, reconheceu. “O campo mais importante foi vendido. No meu entender, foi um sucesso”, acrescentou.

“Tenho convicção de que os Estados estão muito felizes”, afirmou o ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao fim da disputa. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, também se esforçaram para convencer que o leilão foi um sucesso. “A ANP não tem preferência de quem é o operador. O que nos interessa é atrair os investimentos para transformar o pré-sal em riqueza. Eu, particularmente, fico feliz que tenha sido a Petrobrás”, argumentou Oddone.

Os dois concordaram, porém, que algo tem de ser feito para atrair a iniciativa privada daqui para frente. Uma das alternativas será acabar com o regime de partilha, que condiciona o repasse de parte da produção para a União e garante a liderança dos projetos à Petrobrás, sempre que ela demonstrar interesse. Companhias como a francesa Total anteciparam que não iriam desembolsar tanto dinheiro se não tivessem a garantia do comando dos investimentos. Na mesma linha, o presidente da Shell no Brasil, André Araujo, reclamou dos altos preços dos campos. Estavam “caros”, disse ele ao fim do leilão. “Os blocos de hoje não passaram no nosso corte de aprovação”, acrescentou.

Pesou ainda na decisão das multinacionais a incerteza em torno da compensação financeira que deverá ser paga à estatal por investimentos antecipados por ela. No campo de Búzios, onde foram feitos os maiores investimentos, já existem quatro plataformas com capacidade para produzir 600 mil barris diários de petróleo. Além disso, as vencedoras deveriam comprar da estatal o direito de antecipar a produção. A previsão era de que essa conta seria bilionária. Isso tudo somado aos valores de bônus de assinatura, que tinham de ser pagos de uma tacada só, apesar de o retorno financeiro só acontecer no longo prazo.

Logo após o resultado do leilão, a Petrobrás viu suas ações caírem mais de 5%, em função da preocupação do mercado com um potencial impacto negativo na estratégia da petroleira de redução da dívida. A estatal terá de desembolsar R$ 29 bilhões em bônus de assinatura – diferença entre os R$ 63,14 bilhões a pagar e o que receberá da União como crédito por ter pago valores excessivos por outros campos em 2010. Além disso, terá de arcar com a maior parte dos investimentos para desenvolver os campos. No fim do dia, no entanto, as ações da estatal terminaram praticamente estáveis (alta de 0,20% nas ações PN e queda de 0,43% nas ON). Em relatório, o Bradesco BBI afirmou que o maior apetite da estatal tende a comprometer o processo de desalavancagem no curto prazo, mas não deve ser uma preocupação a longo prazo, “a menos que o preço do petróleo caia rapidamente”.

O presidente da companhia, Roberto Castello Branco, garantiu que “não haverá um dólar de aumento da dívida”. O gasto vai ser compensado por um crescimento do caixa no quarto trimestre deste ano.

Resultado

“Estou muito feliz. A aquisição do campo de Búzios consolida a liderança global da Petrobrás na exploração e produção de petróleo em águas ultraprofundas.”

Roberto Castello Branco

PRESIDENTE DA PETROBRÁS