Correio braziliense, n. 20517, 24/07/2019. Política, p. 3

 

Do preconceito à declaração de amor

Rodolfo Costa

Ingrid Soares

Beatriz Roscoe

24/07/2019

 

 

Em evento na Bahia, Jair Bolsonaro diz amar o Nordeste, região à qual se referiu pejorativamente como "paraíba", na semana passada. Presidente critica "xiitas ambientais"

O presidente Jair Bolsonaro fez afagos ao Nordeste, ontem, e voltou a criticar os “xiitas ambientais”. As declarações foram dadas na cerimônia de inauguração do Aeroporto Glauber Rocha, em Vitória da Conquista, na Bahia. A radicalização em algumas falas e gestos de agrado em outras têm dado o tom das manifestações do chefe do Planalto em solenidades e em declarações à imprensa.

Depois de chamar os governadores nordestinos de “paraíba”, o que causou polêmica na sexta-feira, Bolsonaro procurou, ontem, “pedir desculpas”. Do jeito dele, se retratou declarando “amor” ao Nordeste e emendou com a frase: “Somos todos ‘paraíbas’”. Antes, porém, criticou o governador da Bahia, Rui Costa (PT), em postagem no Twitter, sustentando que o petista não autorizou a presença da Polícia Militar para fazer a segurança no evento. “Pior ainda, passou a responsabilidade de tal negativa ao seu comandante geral”, declarou.

Em resposta, Rui Costa provocou o presidente, insinuando que “quem é impopular e tem medo de ir às ruas, fica em seu gabinete”. “Se o evento é exclusivamente federal, as forças federais cuidem da segurança do presidente. Eu não posso colocar a PM para entrar em conflito com as pessoas que querem ver o aeroporto. (...) Quem é governante tem de enfrentar aplausos, beijos, selfies, mas, também, tem de ter o ônus de, às vezes, enfrentar protestos”, declarou, em entrevista à Rádio Metrópole. Rui Costa não compareceu à cerimônia no aeroporto.

No evento, Bolsonaro se declarou à região. “Eu amo o Nordeste. Afinal de contas, a minha filha tem em suas veias sangue de ‘cabra da peste’. ‘Cabra da peste’ de Crateús, o nosso estado aqui, mais pra cima, o nosso Ceará”, ressaltou.

O chefe do Planalto pregou união. “Não estou em Vitória da Conquista, não estou na Bahia nem no Nordeste. Estou no Brasil. Não há divisão entre nós: (divisão por) sexo, raça, cor, religião ou região. Somos um só povo com um só objetivo: colocar este grande país em um lugar de destaque que merece”, destacou. Ao fim do discurso, colocou um chapéu de vaqueiro. “Somos todos ‘paraíba’, somos todos baianos”, emendou.

Meio ambiente

No discurso, Bolsonaro também criticou “xiitas ambientais” e disse ter “repulsa por quem não é brasileiro”, ao comentar a intenção de revogar a proteção ambiental da Estação Ecológica de Tamoios, no litoral do Rio de Janeiro. “Eu tenho um sonho. Quero transformar a Baía de Angra (dos Reis) numa Cancún. Cancún fatura US$ 12 bilhões anuais. E a Baía de Angra fatura o quê? Quase zero, por causa dos xiitas ambientais, esses que fazem uma campanha enorme contra o Brasil lá fora”, afirmou.

Para Gustavo Baptista, professor de sensoriamento remoto do Instituto de Geociências da UnB, abrir uma perspectiva como essa é “dar um tiro no pé”. “A exploração do Brasil se iniciou pelo litoral, então já houve muita degradação. É uma área vulnerável, principalmente devido aos riscos que o interesse do setor mobiliário apresenta às questões ambientais”, disse. “Uma estação ecológica é definida porque tem uma preocupação importante na preservação das espécies que ali residem. Toda unidade de uso restrito tem por trás um estudo que chancela essa criação.”

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O jogo bruto começou
Luiz Carlos Azedo

 

 

 

 

 

24/07/2019

 

 

O ataque frontal de Bolsonaro aos adversários na Bahia, o principal reduto de oposição ao seu governo, sinaliza uma estratégia para os demais estados do Nordeste nas eleições de 2020"

A inauguração do Aeroporto Glauber Rocha, em Vitória da Conquista, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro, foi muito mais do que uma tentativa de consertar o estrago feito pelas declarações presidenciais desastradas da sexta-feira passada em relação aos nordestinos e aos governadores da região, em especial o do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Foi a largada de uma estratégia política eleitoral para a região, mirando as eleições municipais do próximo ano, por descuido revelada nas entrelinhas de seu comentário sobre o governador comunista.
Bolsonaro atropelou politicamente o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que não compareceu à inauguração, em protesto por receber apenas 100 convites para uma festa que previa 600 convidados. Durante o discurso, porém, Bolsonaro tirou por menos. Disse lamentar que Costa não estivesse no evento e que não tem preconceitos em relação a partidos, mas que não aceita quem quiser “impor a nós o socialismo ou o comunismo”. Assim como o governador Rui Costa, o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Nelson Leal (PP), também não participou da cerimônia em solidariedade a Costa. Além deles, a filha do cineasta baiano que dá nome ao terminal, Paloma Rocha, se recusou a ir ao evento.
Quem aproveitou a cerimônia, feliz como pinto no lixo, foi o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), que está no segundo mandato e foi muito paparicado por Bolsonaro: “Chamo de garoto porque você é muito mais novo que eu. Mais na frente, se Deus quiser, você ocupará a honrosa cadeira que ocupo”, declarou. A solenidade também contou com a presença do prefeito de Vitória da Conquista, Hélzem Gusmão, e desenhou a política de alianças de Bolsonaro na Bahia, o quarto colégio eleitoral do país, onde foi fragorosamente derrotado pelo petista Fernando Haddad em 2018.
A obra do aeroporto levou cinco anos para ficar pronta e custou R$ 105 milhões: R$ 74 milhões do governo federal e R$ 31 milhões do estadual. À margem da BR-116, a 10km do centro de Vitória da Conquista, seus voos comerciais atenderão 2,3 milhões de pessoas de 100 municípios vizinhos, baianos e mineiros. Os recursos federais foram obtidos por meio de emendas parlamentares, entre as quais as do senador Jaques Wagner, ex-governador petista que derrotou o grupo político do falecido senador Antônio Carlos Magalhães e ocupou seu lugar como principal liderança política do estado. Foi outro que não compareceu à festa governista.
Estratégia
O prefeito de Salvador, ACM Neto, atual presidente do DEM, é o principal aliado político de Bolsonaro na Bahia. O jovem político pavimenta sua candidatura ao governo do estado. Nas eleições passadas, sofreu grande desgaste ao desistir de disputar o governo do estado, sendo muito criticado pelos aliados por “desarrumar” as chapas de oposição ao PT no estado. O resultado foi tão desastroso que antigas lideranças da própria legenda, como o ex-deputado José Carlos Aleluia, acabaram sem mandato. Ontem, ACM Neto voltou a ser protagonista nas eleições baianas, mas tem um dever de casa a fazer: eleger o futuro prefeito de Salvador.
O ataque frontal de Bolsonaro aos adversários na Bahia, o principal reduto de oposição ao seu governo, sinaliza uma estratégia para os demais estados do Nordeste: “Eu amo o Nordeste, afinal de contas, a minha filha tem em suas veias sangue de cabra da peste. Cabra da peste de Crateús, o nosso estado aqui, mais pra cima, o nosso Ceará. Quem é nordestino aqui levanta o braço. Quem concorda com o presidente Jair Bolsonaro levanta o braço. Estamos juntos ou não estamos?”, bradou Bolsonaro para o público presente, que gritava “Mito!, Mito!”, como é chamado por seus partidários.
A fórmula será repetida em todas as inaugurações programadas pelo novo governo para o Nordeste, a maioria iniciadas nos governos petistas e agora retomadas, principalmente as de infraestrutura, cuja atual política é uma herança do governo Michel Temer. A continuidade de obras e serviços é um valor importante na administração pública, mas isso não impede a narrativa de ruptura com as gestões anteriores, que é uma marca registrada do governo Bolsonaro. (...)