O Estado de São Paulo, n. 46043, 09/11/2019. Política, p. A4

 

Lula deixa prisão após 580 dias e reitera ataques

09/11/2019

 

 

NOVO ENTENDIMENTO DO STF

Beneficiado por novo entendimento do Supremo, Lula é autorizado a sair da PF em Curitiba; ao discursar para apoiadores, criticou o “lado podre” do Judiciário, PF e Ministério Público

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi libertado ontem da prisão em Curitiba, onde estava desde 7 de abril do ano passado, um dia após o Supremo Tribunal Federal derrubar a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância. O líder petista deixou a sala especial da Superintendência da Polícia Federal (PF) na capital paranaense às 17h42. Ontem, como há 580 dias, quando fez ataques ao então juiz Sérgio Moro, à imprensa, ao Ministério Público e ao Supremo antes de se entregar à PF, Lula falou para apoiadores e manteve retórica crítica às instituições. O ex-presidente mirou no que chamou de “lado podre do Estado brasileiro”, citando a Justiça, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Receita Federal – setores que, segundo o petista, agiram para criminalizar a esquerda, o PT e a ele próprio.

Condenado em três instâncias da Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP), Lula permanece com os direitos políticos cassados – o que o impede de se candidatar –, mas a análise mais recorrente é que sua liberdade reacende a polarização do petismo com o presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Durante uma fala de 17 minutos, o ex-presidente disse que “o Brasil piorou” e acusou o atual governo e Bolsonaro de mentirem. Um ato está previsto para hoje no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). O mercado financeiro também interpretou a soltura de Lula como um sinal de acirramento da polarização política, com possível impacto no andamento da pauta econômica do governo. O dólar registrou o terceiro dia consecutivo de alta (fechou em R$ 4,16) e a Bolsa fechou com queda de 1,78%.

Considerado uma derrota da Lava Jato, o entendimento do Supremo de que um condenado tem o direito de responder em liberdade até o fim de todos os recursos abriu caminho para a soltura de até 4.895 presos em todo o País. Entre eles, políticos sentenciados nos últimos anos. Ontem, também foram beneficiados com a liberdade dois ex-presidentes do PT e do PSDB: o ex-ministro José Dirceu e o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, respectivamente. Moro, atual ministro da Justiça, defendeu ontem que o Congresso analise proposta que altere a Constituição para autorizar novamente a prisão após condenação em segunda instância.

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Ex-presidente vai viajar o País para 'propor alternativas'

Ricardo Galhardo

09/11/2019

 

 

Ao sair da sede da PF, Lula discursou para apoiadores que fizeram vigília durante os dias em que ele ficou preso

Ao discursar na “Vigília Lula Livre”, acampamento instalado desde sua prisão em um terreno alugado ao lado da sede da Polícia Federal em Curitiba, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que vai viajar pelo País para propor alternativas às políticas do governo Jair Bolsonaro. Segundo dirigentes petistas, Lula pretende fazer caravanas e viagens ainda antes do final do ano na busca por protagonizar a oposição a Bolsonaro, até aqui restrita à atuação dos partidos de esquerda e centroesquerda no Congresso.

Ontem, o petista indicou a linha do discurso que vai manter nos atos políticos – focado na criação de emprego, geração de renda e educação. “O Brasil não melhorou, o Brasil piorou, o povo está desempregado, o povo está trabalhando de Uber, trabalhando de bicicleta para entregar pizza. Além disso, depois de o Brasil ter um ministro da Educação da qualidade do (Fernando Haddad), colocaram um ministro que tenta destruir nossa Educação”, disse Lula. “Amanhã (hoje) tenho encontro no Sindicato e depois as portas do Brasil estarão abertas para que eu possa percorrer esse País.”

A liberdade de Lula foi comemorada por nomes de peso do PT. O líder do partido no Senado, Humberto Costa (PE), disse que a libertação do ex-presidente terá impacto direto na sobrevivência do partido. “O PT sai da prisão junto com Lula”, afirmou o senador ao Estado (mais informações na pág. A8).

As horas que antecederam a saída de Lula da prisão foram marcadas pela ansiedade. O expresidente estava desde o início da tarde acompanhado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato do partido à Presidência em 2018. Depois chegaram os advogados Luiz Eduardo Greenhalgh, Wadih Damous, Manoel Caetano e Luiz Carlos Rocha.

A primeira notícia veio por intermédio de um delegado da PF que foi até a sala onde Lula estava preso e informou que o juiz Danilo Pereira Junior, da 12.ª Vara Federal, responsável pela execução de sua pena, já havia dito que iria enviar ainda na sextafeira o alvará de soltura. “Vamos esperar o documento”, respondeu o ex-presidente, ainda receoso de uma reviravolta.

Depois foi a vez de outro delegado da PF chegar na sala para dizer que o juiz já havia assinado o alvará. Então chegaram os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira com o alvará e uma dispensa de exame de corpo de delito.

Militantes. Centenas de militantes se posicionaram nas ruas no entorno da PF em Curitiba para acompanhar a saída do ex-presidente. Ao longo do dia eles cantaram músicas e gritaram palavras de ordem enquanto aguardavam a libertação do petista.

No alto do palanque, Lula brincou que fazia muito tempo não via um microfone e atacou os setores de instituições – “o lado podre do Estado” – como Ministério Público, Justiça, Polícia Federal e Receita Federal, que atuaram em sua condenação, que chamou de “maracutaia”, “safadeza” e “canalhice”.

A crítica direta a Bolsonaro foi quando falou de um governo que “mente no Twitter e não fala de frente com a população”.

Apesar das críticas, Lula disse que não guarda mágoas de ninguém, que aposta no amor e teve tempo de apresentar e dar um beijo em sua noiva, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, com quem pretende se casar.

Custo. Segundo estimativa da Polícia Federal, a manutenção de Lula na sua superintendência em Curitiba gerava um gasto mensal para a instituição de “aproximadamente R$ 300 mil”. Considerando esse valor, a estadia do petista de abril até hoje pode ter custado cerca de R$ 5,7 milhões.

Em abril do ano passado, a PF pediu à juíza Carolina Lebbos, da Vara de Execuções Penais, a transferência de Lula para um presídio. Foi nesse ofício que a instituição estimou em cerca de R$ 300 mil o custo mensal para mantê-lo em suas dependências. O valor, segundo o documento divulgado na época, cobria despesas com diárias de policiais, passagens e deslocamentos de pessoal de outras unidades para reforçar a segurança da superintendência.

Além das condenações no caso do triplex (a oito anos e dez meses de prisão pelo Superior Tribunal de Justiça) e do sítio de Atibaia (SP), a 12 anos e 11 meses de prisão, o ex-presidente foi alvo de outras seis denúncias criminais e responde a ações penais. 

- ATAQUE

“O lado podre do Estado brasileiro, o lado podre da Justiça, o lado podre do Ministério Público, o lado podre da Receita Federal, o lado podre da Polícia.”

Luiz Inácio Lula da Silva

EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA