O globo, n.31430, 26/08/2019. Mundo, p. 19

 

Saída diplomática 

Fernando Eichenberg

Janaína Figueiredo 

26/08/2019

 

 

Após o segundo dia de debates do encontro entre os líderes dos países do G7 (Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá), o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que o grupo concordou em ajudar os países atingidos pelas queimadas na Amazônia “o mais rápido possível”, sem dar detalhes nem prazos. Macron utilizou o termo “convergência” para se referir ao consenso alcançado e assegurou que “respeitando a soberania, nós devemos ter um objetivo de reflorestamento”. O anfitrião da cúpula realizada em Biarritz que termina hoje afirmou, ainda, que “há contatos” sendo feitos pela França “com todos os países da Amazônia” para disponibilizar “meios técnicos e financeiros”.

—A importância da Amazônia para esses países e para a comunidade internacional é tão grande em termos de biodiversidade, oxigênio e luta contra as mudanças climáticas, que precisamos contribuir coma restauração—disse Macron.

A atitude do presidente francês contrastou coma adotada no final da semana passada, quando assegurou que as queimadas na Amazônia eram uma “crise internacional” e chegou até mesmo a condicionara aprovação por parte de seu país do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), argumentando que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), mentira sobre seus compromissos com o meio ambiente. Segundo fontes de governos que participaram do encontro, os países do G7 escolheram Macron para liderar os trabalhos de cooperação com os países afetados pelas queimadas na Amazônia. Os primeiros contatos começarão nos próximos dias.

MACRON ISOLADO

Bolsonaro não comentou o pronunciamento do presidente francês. Semana passada, o chefe de Estado acusara Macron de usar “um tom sensacionalista” para se referir à Amazônia “apelando até para fotos falsas”. Quem respondeu a Ma cron foi o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Com ironia, o ministro disse no Twitter que o presidente francês poderia começar pagando os “US$ 2,5 bilhões de crédito do Brasil pendentes desde 2005”.

De acordo com Salles, esse montante é devido pela França ao Brasil por causa do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kioto, assinado em 1997 com o objetivo de reduzir a emissão de poluentes no planeta.

Analistas ouvidos pelo GLOBO coincidiram em apontar que em Biarritz o presidente francês foi minoria e a falta de adesão a suas posturas iniciais levaram a “um mínimo denominador comum”.

— Há vários países, esta manhã a Colômbia fez um apelo à comunidade internacional. Devemos nos mostrar presentes, e vamos finalizar isso. Mas é preciso ser bastante claro, respeitando a soberania, devemos ter um objetivo de reflorestamento, e devemos ajudar cada país a se desenvolver economicamente. A importância da Amazônia para esses países como para a comunidade internacional é tão grande em termos de biodiversidade, de oxigênio, de luta contra o aquecimento global, que devemos proceder a esse reflorestamento —disse o anfitrião do encontro. O líder francês enfatizou que “estamos trabalhando em um mecanismo de mobilização internacional para poder ajudar de maneira mais eficaz estes países”.

Uma câmera de TV que filmava os líderes à mesa, antes do início de mais uma rodada de discussões, flagrou uma conversa lançada pela chanceler alemã Angela Merkel sobre um eventual contato com o presidente Bolsonaro. “Anunciei que vou ligar para ele (Bolsonaro) na próxima semana, para que não tenha a impressão de que estamos agindo contra ele”, disse a chanceler. “É, acho que isso é importante ”, concordou o premier britânico, Boris Johnson. Ma cron acrescentou: “Sim. Nós ligaremos para ele?”. “Sim, eu ligarei para ele”, concluiu Merkel, antes que um segurança interrompesse a filmagem.

Pouco depois, Bolsonaro postou o vídeo em seu perfil no Twitter, acompanhado de um comentário: “Desde o princípio busquei o diálogo junto aos líderes do G7, bem como da Espanha e do Chile, que participam como convidados. O Brasil é um país que recupera sua credibilidade e faz comércio com praticamente o mundo todo”.

O anúncio francês de que não ratificará o acordo comercial entre o Mercosul e a UE enquanto o governo brasileiro não se prontificar a respeitar as exigências do Acordo de Paris sobre o clima, não teve, ontem, novas repercussões. Pelo menos, não externamente de parte de Macron. A iniciativa francesa não recebeu o apoio esperado dos demais países da UE, que preferem manter o pacto comercial dissociado da atual disputa ambiental com o Brasil.

Para Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais da Uerj, “o presidente da França ficou isolado e em relação à Amazônia conseguiu-se alcançar apenas um mínimo denominador comum”.

— Macron encontrou um ambiente menos receptivo do que esperava. Sua declaração expressa preocupação pela Amazônica, mas não se fala em ameaças e sim em abertura para o diálogo e a cooperação. É uma oportunidade para o Brasil — avaliou Santoro.

MEDIAÇÃO ALEMÃ

A decisão de aceitar ou não a ajuda doG7é política e dependerá exclusivamente do presidente brasileiro. Em sua cruzada contra Bolsonaro e ameças sobre o entendimento entre Mercosul e UE, o presidente da França enfrentou resistências por parte dos governos do Reino Unido e Alemanha. A intermediação de Merkel, coincidiram Santoro e Oliver Stuenkel, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas( FGV ), foi crucial. A chanceler alemã impôs um tom conciliador nas conversas .

— Merkel deixou claro que o confronto direto dificilmente ajudaria, ela sabe que isso só serviria par afortalecera narrativa do presidente Bolsonaro e justificar posturas nacionalistas e teses de que o Brasil está sob ataque externo — opinou o pesquisador da FGV.

Para Stuenkel, “existe uma compreensão por parte de muitos países europeus de que a questão de Amazônia é de longo prazo”.

— Uma posição dura do ponto de vista retórico fortaleceria narrativas internas, mas não ajudaria a resolver o problema —disse.

Stuenkel acredita, ainda, que o debate sobre o acordo entre Mercosul e UE está longe de terminar e sua efetiva implementação ainda é um dos principais desafios do governo Bolsonaro em matéria de política externa:

— A tensão não acabou, a crítica a Bolsonaro continua sendo útil para Macron.

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Chanceler iraniano vai a G7 para negociações paralelas 

26/08/2019

 

 

Biarritz recebeu a visita inesperada do chanceler iraniano, Mohammad Javad Zarif, para um encontro com o líder francês anfitrião da cúpula, à margem do G7, em uma estratégia diplomática de Paris na tentativa de forçar as negociações sobre o impasse no acordo nuclear e a escalada de tensões entre Washington e Teerã.

Grande parte do dia de ontem foi ocupa dacoma questão, te maque opõe frontalmente o presidente americano, Donald Trump,a os demais líderes desde a saída dos Estados Unidos do acordo nuclear firma doem 2015 e ore torno da imposição de sanções à Teerã, incluindo a Zarif.

Macron disse à imprensa que havia sido acertado no âmbito da cúpula um acordo sobre um discurso em comum:

—Concordamos com o que queríamos dizer em conjunto sobre o Irã. Há uma mensagem do G 7 sobre nossos objetivos e ofato de compartilhá la é importante, oque evita divisões que enfraquecem a todos. É preciso quenas próximas semanas consigamos que não haja mais decisões iranianas contrárias a este objetivo e que possamos abri resta nova negociação.

Cerca de uma hora depois, um lacônico Trump se mostrou menos otimista ao desmentir que os países do G7 tenham concordado com uma mensagem comum:

—Eu não discuti isso. Segundo o Palácio do Eliseu, a visita teria sido comunicada por Macron ao americano durante o almoço tête-àtête na sexta-feira.

— Nenhum membro quer que o Irã possa ter a arma nuclear, e todos são profundamente vinculados à estabilidade e à paz da região, e não desejam engaja rações que possam prejudicá-las —disse Macron. Na diplomacia do Twitter, o ministro iraniano desabafou: “O caminho é difícil. Mas vale apena tentar ”.

Trump lançou um “sem comentários” ao ser questionado por jornalistas sobre o episódio.Preferiu semostrara o lado de seu mais novo aliado, o premier Boris Johnson, e anunciou que, após a saída do Reino Unido da UE, “um fantástico acordo comercial” será concluído entre os dois países.

Segundo ele, um eventual retorno ao G 7 da Rússia, excluída do grupo em 2014 pela anexação da Crimeia, foi alvo de uma “intensa discussão” entre os líderes. (F.E.)