O globo, n.31430, 26/06/2019. Sociedade,  p. 21

 

Novas frentes 

Marco Grillo 

Daniel Grillo

26/06/2019

 

 

Os dois únicos estados da Amazônia Legal que ainda não haviam sido incluídos na operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) determinada pelo presidente Jair Bolsonaro para conter as queimadas devem solicitar apoio das Forças Armadas nesta segunda-feira. O governador do Maranhão, Flávio Dino, fará o pedido oficial hoje, segundo sua assessoria. Já o do Amapá, Waldez Góes, definirá também nesta segunda se fará o mesmo.

Porém, enquanto se intensificou acorri dados estados ao apoio federal, o Ministério da Defesa divulgou um balanço tímido de operações. Informou apenas que 30 bombeiros da Força Nacional de Segurança Pública foram enviados de Brasília em direção a Porto Velho para auxiliar no combate aos incêndios na Amazônia. A ida já tinha sido anunciada.

O emprego dos militares já foi autorizado em sete estados: Rondônia, Roraima, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Acre e Amazonas. A pasta informou ainda que, a partir das demandas dos estados que já formalizaram pedido de ajuda, “estão sendo planejadas as ações de apoio das Forças Armadas às iniciativas já em andamento”.

Anotada Defesa cita que um helicóptero do Ibama, quatro aeronaves de combate a incêndio do ICMBio, além de dois aviões da FAB, foram disponibilizados desde a última sexta-feira.

Segundo o Inpe, os focos de queimada na Amazônia ultrapassaram a média histórica de agosto. Mesmo antes do fim do mês, foram registrados 25.934 focos de incêndio. Esse número está um pouco acima da média da série histórica do mês, de 25.853, iniciada em 1998.

Os dois últimos estados que ainda não pediram formalmente o apoio federal têm índices menores de queimadas. Mas no Pará foram detectados 7.924 focos pelos satélites, número 184% maior que o verificado no mesmo mês do ano passado —2017 foi o ano com menos queimadas no estado em agosto, de acordo com a série histórica do instituto.

AJUDA DE ISRAEL

O presidente Jair Bolsonaro conversou ontem com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e aceitou uma oferta de ajuda do governo israelense, que irá enviar um avião com equipamento de combate a incêndios.

“Aceitamos o envio, por parte de Israel, de aeronave com apoio especializado para colaborar conosco nessa operação. Os laços de amizade entre Brasil e Israel nunca estiveram tão sólidos”, escreveu o presidente em rede social.

Está prevista para hoje a publicação de autorização para envio da Força Nacional de Segurança Pública para conter o desmatamento no Pará e em Rondônia.

Apedido de Bolson aro, o ministro da Justiça, Ser gio Moro, determinou que a Polícia Federal investigue o chamado “dia do fogo”: incêndios coordenados às margens da BR 163, no Pará. Segundo reportagem do site da revista“Globo Rural”, por meio de um grupo de WhatsApp, mais de 70 pessoas planejaram, em 10 de agosto, a ação criminosa.

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Fundo internacional fará doações para ONGs ambientais brasileiras 

26/08/2019

 

 

Organizações da sociedade civil brasileiras dedicadas ao meio ambiente e aos povos indígenas vão receber US$ 5 milhões (R$ 20,6 milhões) da Earth Alliance, uma iniciativa criada pelo ator Leonado DiCaprio,

por Lauren Jobs (viúva de Steve Jobs) e pelo bilionário Brian Sheth. A doação às iniciativas da sociedade civil para o combate dos incêndios equivale a mais da metade da verba destinada pelo governo federal — R$ 38,5 milhões que foram desbloqueados no sábado pelo Ministério da Economia.

DiCaprio anunciou que novas doações de celebridades e filantropos estão sendo captadas e que os US$ 5 milhões são apenas o início do que deve se tornar um fundo permanente para financiar projetos da sociedade civil de restauração e proteção da Amazônia. O dinheiro será repassado para ONGs que estão atuando neste momento na Amazônia, como o Instituto Socioambiental (ISA), a Coiab e as Associações Kayapó.

Ontem, uma multidão protestou na praia de Ipanema contra a política ambiental do governo do presidente Jair Bolsonaro e o aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia.

A manifestação foi organizada pelo grupo @342 Amazônia, da produtora Paula Lavigne, e contou com a participação de Caetano Veloso, Criolo, Alinne Moraes e de políticos, como Alessandro Molon (PSB) e Marcelo Freixo (PSOL).

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Amazônia brasileira dividida 

Antônio Gois 

26/08/2019

 

 

A frase acima dava título a um dos boatos mais disseminados na década passada, ainda nos primórdios da internet. Não havia ainda redes sociais co moas de hoje, masa notícia bombástica de que livros didáticos americanos apresentavam aos estudantes um mapa em que a Amazônia era retratada como território internacional circulava por e-mail com velocidade e persistência impressionantes para os padrões da época.

Perdi a conta, como jornalista de educação, da quantidade de vezes em que recebi a sugestão de que fosse feita uma reportagem investigativa sobre o assunto. A montagem do livro apresentando a Amazônia apartada do território nacional era tosca, escrita num inglês macarrônico. Assim como era – e ainda é – absurda a ideia de imaginar que autoridades educacionais americanas aceitariam colocar num material didático uma informação tão grosseiramente falsa.

Pouco importava. O boato foi tão popular que originou uma investigação de um diplomata da embaixada brasileira em Washington na época. A conclusão foi de que a montagem foi feita por um grupo de extrema-direita no Brasil, mas rapidamente disseminada também por uma parcela da extrema-esquerda que comungava das mesmas paranoias antiamericanas e nacionalistas. O motor daquela Fake News, antes mesmo de começarmos a usar no Brasil esse termo, era o mesmo que alimenta tantas notícias falsas hoje: um assunto que desperta forte paixão, no caso ainda ancorado numa bizarra teoria conspiratória. Hoje o tema ganhou ainda mais relevância com o acirramento da polarização política, a crise de credibilidade de instituições tradicionais, e a facilidade para disseminar qualquer tipo de conteúdo.

Como resposta, cresceu a preocupação em entender como as escolas podem melhor preparar os alunos a identificar notícias falsas. Esta é sem dúvida uma habilidade necessária, mas não suficiente. No artigo “Misinformation in the Information Age: What Teachers Can Do to Support Students” (Desinformação na Era da Informação: o Que Professores Podem Fazer para Ajudar Estudantes), os pesquisadores Erica Hodgin e Joe Kahne argumentam que as escolas precisam também trabalhar nos alunos a metacognição. No contexto do artigo, o termo se refere ao entendimento de como nossos vieses pessoais nos deixam vulneráveis a acreditar em notícias falsas ou deslegitimar outras verdadeiras, quando estas não confirmam nossas opiniões prévias. Por fim, os autores defendem que é preciso dar oportunidades práticas para os alunos debaterem de forma qualificada, desenvolvendo essas capacidades de reconhecer os próprios vieses e de identificar as melhores evidências para sustentar uma argumentação qualificada.

Desde que o assunto das queimadas na Amazônia ressurgiu com força, vimos Bolsonaro acirrar a polarização no tema, desacreditar dados científicos do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, e alimentar a desinformação com ilações absurdas de que ONGs poderiam estar por trás dos incêndios. Ao ser atacado pelo presidente francês, também provou do próprio veneno, quando uma foto antiga foi usada para ilustrar um fenômeno – real – recente. Nunca foi tão necessário ter cidadãos capazes de identificar essas estratégias e perceberem o quão nocivas elas são para a democracia.