O Estado de São Paulo, n. 46037, 03/11/2019. Política, p. A6

 

Ex-presidentes criticam fala de Eduardo sobre AI-5

Felipe Frazão

03/11/2019

 

 

Collor, FHC, Dilma e Temer reagem à declaração do filho de Bolsonaro às vésperas dos 30 anos da primeira eleição pós-ditadura

Cédulas de papel depositadas em urnas de madeira para escolher de forma direta o presidente quebraram o jejum de eleições naquele feriado da Proclamação da República. O resultado do primeiro turno da disputa, em 15 de novembro de 1989, garantia a presença de Fernando Collor de Mello, então no PRN, e de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, na segunda rodada de um duelo que consolidou o processo de abertura política, após duas décadas de ditadura militar. Quase 30 anos depois, a lembrança daquele embate volta à tona no momento em que o deputado federal mais votado do País sugere a edição de “um novo AI-5”.

O Estado ouviu quatro expresidentes para debater a disputa de 1989, avaliar a experiência democrática dos últimos 30 anos e comentar declarações recentes da família Bolsonaro. Entre eles, o consenso é de que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi infeliz ao dizer que um “novo AI-5” poderia ser uma resposta a uma eventual radicalização da esquerda. Instituído em 1968, o AI-5 autorizou o chefe do Executivo a fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos de parlamentares, suspender direitos políticos de qualquer cidadão, decretar o confisco de bens considerados ilícitos e suspender a garantia de direitos como o habeas corpus. Diante de críticas dos mais variados setores da sociedade, Eduardo pediu desculpas, mas a militância bolsonarista seguiu firme numa campanha nas redes sociais em defesa do mais duro conjunto de leis instituído pela ditadura.

Pilares. Vencedor da eleição de 1989, o hoje senador Fernando Collor de Mello (PROS) avaliou que o País já vive um período de instabilidade institucional. “O preocupante é que a cada dia ela se aprofunda”, disse Collor, que sofreu impeachment em 1992 e foi alvo no mês passado de operação da Polícia Federal. “São declarações que repugnam. As consequências são de aumento da instabilidade institucional. Resta perguntar: por quanto tempo mais seremos sobressaltados com fatos desse primitivismo?”

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi a partir da eleição de 1989 que o “princípio da soberania popular”, um dos “pilares” de regimes democráticos, ganhou força. “Embora meus candidatos tivessem perdido, um no primeiro, outro no segundo turno, começava a se afirmar o princípio da soberania popular”, comentou FHC, referindo-se a Mario Covas (PSDB) e a Lula.

Além das afirmações da família Bolsonaro, o tucano enumerou outras iniciativas que podem ser entendidas como antidemocráticas por parte do atual governo. “Há vários gestos semelhantes: ameaças à imprensa, descaso quanto à educação e à ciência, um tom geral de desdém das instituições. Ainda bem que a mídia, o Congresso e os tribunais têm tido altivez e as Forças Armadas parecem ter noção do seu papel como esteios da Nação, da Constituição e do Estado, e não como servidores de partidos ou de governos”, disse ele.

Estabilidade. Presa e torturada no regime militar, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu impeachment em 2016, disse não ter sido surpreendida pelas declarações do filho de Bolsonaro. “Já houve seguidas manifestações contra a democracia por parte da família Bolsonaro. Defenderam a ditadura militar e, portanto, o AI-5; reverenciaram regimes totalitários e ditadores; homenagearam o torturador e a tortura; confraternizaram com milicianos”, afirmou.

O ex-presidente Michel Temer (MDB) disse que o filho de Bolsonaro cometeu um erro ao defender “um novo AI-5” para conter eventual “radicalização” da esquerda. “Tão logo ele fez a declaração, imediatamente se levantaram as mais variadas vozes para se rebelar contra isso. Até do presidente. Esse fato é revelador da grande força das instituições.”

Os 30 anos da eleição de 1989 e os 31 da atual Constituição mostram, na visão de Temer, uma estabilidade institucional “incomum” na história. “A cada 20 ou 30 anos faziam um novo Estado, uma nova Constituição. Em cada momento tinha uma grande mudança institucional. Agora, temos uma estabilidade extraordinária”, destacou Temer, que é réu em ações de corrupção e chegou a ser preso em março e maio deste ano.

REPERCUSSÃO

Fernando Collor

“O preocupante é que a cada dia (a instabilidade) se aprofunda. São declarações que repugnam.”

FHC

“A democracia é uma planta tenra a ser cuidada. É preciso regá-la sempre. Há sempre riscos, e a valorização de suas instituições e cultura deve ser contínua.”

Dilma Rousseff

“Aquele coronel (Ustra) só agiu com tal brutalidade contra os opositores do regime militar porque estava protegido pelo AI-5.”

Michel Temer

“(Hoje) temos uma estabilidade extraordinária. Basta dizer que tivemos dois impeachments e a vida continuou.”

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Punição seria perseguição política, diz Bosonaro

Idiana Tomazelli

03/11/2019

 

 

Para presidente, sanção a Eduardo por fala sobre AI-5 ‘abriria brecha para punir parlamentares por suas opiniões’

Piloto. Bolsonaro foi buscar moto que custa R$ 33.980

Para o presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) será alvo de “perseguição política” se for punido por fala sobre um “novo AI-5”. “Vamos respeitar a Constituição. Os senadores e deputados são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas palavras, opiniões e vozes. Agora, não existe AI-5”, disse ontem o presidente. “Não acredito que isso (punição) aconteça, porque abre brecha para punir qualquer parlamentar por suas opiniões.”

Bolsonaro disse ainda que o filho fez uma “comparação hipotética” no caso de o Brasil virar palco para manifestações como no Chile. “Nós deveríamos mudar a lei que trata do terrorismo, tramitando na Câmara. Esses atos de incendiar metrô, ônibus, prédio têm que ser enquadrados como se terrorismo fossem.”

Caso Marielle. Também ontem, o presidente acusou o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), de manipular as investigações sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes para implicá-lo. Bolsonaro disse ainda ter obtido os áudios de ligações feitas entre a portaria e as casas do condomínio Vivendas da Barra, antes que fossem “adulterados”. “Pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de ano. A voz não é minha.”

O Estado pediu ao Planalto detalhes sobre as declarações do presidente, para esclarecer quando os áudios foram obtidos, em que circunstâncias e se Bolsonaro obteve uma cópia deles, mas a resposta foi de que não haveria comentários.

Após a declaração, os líderes da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), e no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informaram que acionariam a Procuradoria-Geral da República, sob a alegação de que Bolsonaro cometeu “obstrução de Justiça”, ao “ter se apropriado de provas relacionadas às investigações do assassinato”.

Críticas à imprensa. Bolsonaro fez críticas à Rede Globo por causa da exibição de reportagem pelo Jornal Nacional com o depoimento do porteiro. Pela manhã, ao sair de moto de uma concessionária, Bolsonaro disse que, se a Globo tiver “vergonha na cara”, vai lhe conceder direito de resposta. À noite, questionou: “E a Globo, já acharam quem matou a Marielle? Foi eu mesmo ou não?” Procurada, a Globo não se manifestou até o fechamento desta edição.