O globo, n.31429, 25/08/2019. Mundo, p. 43

 

Macron isolado no boicote ao Mercosul

Fernando Eichenberg

25/08/2019

 

 

O presidente da França, Emmanuel Macron, assumiu publicamente um desafio na abertura do encontro do grupo de países ricos do G7 (Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá): prometeu “medidas concretas” ao final das discussões de polêmicos temas pelos líderes presentes no balneário de Biarritz. As queimadas na Amazônia,última hora no cardápio da cúpula, têm destaque no visor presidencial francês. A aposta do anfitrião enfrentará, no entanto, um G7 dividido, em uma reunião conhecida por não tomar ações decisivas.

O presidente americano, Donald Trump, é reconhecido por seu pouco apreço à causa ecológica. Berlim e Londres já se manifestaram contra colocar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) na disputa ambiental com o governo brasileiro, discurso também partilhado por Madri. Macron impôs a questão do meio ambiente e da urgência climática no centro dos debates em Biarritz em um pronunciamento ontem aos franceses, pela televisão:

— Nesta questão, vocês sabem de nossas discordâncias com certos países, particularmente com os EUA. Mas quis que este G7 seja útil e, portanto, devemos responder ao apelo do oceano que está atrás de mim, aqui em Biarritz, e ao chamado da floresta que queima atualmente na Amazônia, de uma forma muito concreta. O presidente definiu a questão amazônica como um tema de todos, sem esquecer da extensa fronteira da Guiana com o Brasil. “Nós somos amazônicos”, afirmou.

—Sobre a Amazônia, vamos lançar não somente um apelo, ma suma mobilização de todas as potências que estão aqui, ma sem associação com os países da Amazônia, para investir. Primeiro, para combater as queimadas e ajudar o Brasil e todos os demais países atingidos. Depois, para investir na no reflorestamento, para permitir aos povos nativos, às ONGs, aos habitantes desenvolver as boas atividades, preservando esta floresta que necessitamos, porque é um tesouro de biodiversidade e um tesouro para nosso clima, graças ao oxigênio que emite e ao carbono que absorve.

IMPASSE SOBRE MERCOSUL

Como instrumento de pressão, Macron recorreu ao pacto comercial entre o Merco sule a UE, assinado em junho após duas décadas de negociações: se o governo brasileiro não respeitar as exigências do Acordo de Paris sobre clima, a França não ratificará o acordo. A iniciativa francesa recebeu o apoio de países de menor peso político, como a Irlanda e a Finlândia, mas foi acolhida com reservas pela Alemanha, de Merkele o Reino Unido, de Boris Johnson. Berlim criticou a atitude do governo brasileiro em relação à Amazônia e ao meio ambiente, mas afirmou que impedir o acordo UE-Mercosul “não é a resposta apropriada ao que se passa atualmente no Brasil”, segundo um porta-voz.

Com uma queda de 0,1% da economia no segundo trimestre, e dependentes de suas exportações, os alemães defendem o acordo como “um sinal forte a favor de um comércio fundado sobre regras e contra o protecionismo”, com “normas ambientais e sociais elevadas”, e consideram que um eventual fracasso “não contribuiria a reduzir o desmatamento da floresta tropical no Brasil”. Ao chegar em Biarritz, o premier britânico Boris Johnson adotou um tom similar, alfinetando o líder francês:

— Há todo tipo de pessoas que utilizará qualquer desculpa para interferir no comércio e frustrar os acordos comerciais, e não quero ver isso. O governo espanhol também aderiu ao grupo dos contrários ao rejeitara obstrução do acordo UE-Mercosul. “Consideramos que é justamente aplicando as cláusulas ambientais do acordo que se poderá mais avançar, e não propondo um bloqueio de sua ratificação que isolaria os países do Mercosul”, disse Madri por meio de um comunicado. Já o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, também presente em Biarritz, disse não acreditar que o pacto entre o Mercosul e a UE possa avançar enquanto a Amazônia continuar ardendo:

— Claro que apoiamos o acordo entre a UE e o Mercosul, mas é difícil imaginar um processo de ratificação enquanto o governo brasileiro permite a destruição da Amazônia.

O presidente Jair Bolsonaro declarou, ontem, que a situação na Amazônia "está indo para anormalidade ", defendeu as ações do governo e disseque aceitaria conversar como líder francês, mas somente se a iniciativa partisse de Paris.

—Depois de tudo que ele falou a meu respeito, você acha que eu vou ligar para ele? Não tem condições. Eu estou sendo educado. Se ele ligar, eu atendo. Estou sendo extremamente educado com ele, para ele me chamar de mentiroso. No tabuleiro político francês, Macron, com sua estratégia, faz um gesto à oposição de agricultores do país que temem a concorrência que será aberta com o pacto UE-Mercosul. E também contempla um crescente eleitorado adepto à pauta ambiental, e que é igualmente contra o acordo. Se o presidente francês vencerá sua aposta pela adoção de medidas concretas no G7, só se saberá na segunda-feira, ao final do encontro. Na dúvida, abriu uma porta de saída, resumindo, de uma certa forma, o espírito da cúpula:

— Nós não alcançaremos êxito, sem dúvida, em tudo, e não me queiram mal se, por vezes, não conseguirmos. A França deve fazer o máximo, mas nós não podemos com tudo sozinhos.

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Movimento contra cúpula reúne milhares em marcha 

Alessandro Soler 

25/08/2019

 

 

Pouco mais de 25 km separam Biarritz e as localidades de Hendaye (França) e Irún (Espanha), bases de dois grandes acampamentos nos quais umas 25 mil pessoas montam vigília contra a reunião do G7. Não que isso tenha impedido essa multidão de se fazer ouvir. Cerca de 15 mil pessoas, segundo os organizadores, marcharam ontem em uma das passagens fronteiriças entre os dois países, à base de cânticos e um protesto multicolorido.

A chamada “contracúpula”, que também tem debates, discussões e propostas “por um mundo melhor”, é organizada por mais de 100 ONGs de natureza bem plural: anticapitalistas, ecologistas, ativistas pelos direitos das mulheres, representantes de coletivos de imigrantes e LGBT. Não críticas ao presidente Jair Bol sonar o.

—A hora é de conscientização. Esses caras ali em Biarritz não querem falar do que interessa, de sustentabilidade, do futuro das próximas gerações —atacou Cristina Pérez Diall, professora franco-espanhola que vive em Bordeaux e viajou mais de 250 km para se juntar aos protestos.

— O Macron abraçou a causa ecológica no último momento porque claramente estava sem função nenhuma aqui. Mas ninguém quer discutir o dano que Bolsonaro e seu discurso de ódio e destruição estão fazendo. Líderes da manifestação gritavam slogans contra a destruição das florestas, ressaltando oque chamavam de conivência do presidente criadores de gado e madeireiros ilegais.

—Ele e Ma cron têm o mesmo interesse em preservara floresta: zero. Nestes debates, importante é pensarem mecanismos para perpetuar paraísos fiscais e manter aboa saúde dasgran desfortunas.—afirmou Maëlle Delavaud, integrante dos Solidaires Unitaires Démocratiques, uma união de sindicatos franceses. O espanhol Carlos Marcos, dono de uma floricultura em Hendaye, levou a filha Irena, de 1 ano, para o protesto:

— Trouxe a minha filha porque quero que, desde muito pequena, saiba o que é lutar pelo lugar onde vive. Já na cidade francesa de Bayonne, próxima a Biarritz, houve confronto entre manifestantes e a polícia. Bombas de gás e jatos d'água foram usados para dispersar o protesto.

Hoje estão previstas outras manifestações na região, sempre a dezenas de quilômetros do centro de Biarritz. A maior delas espera reunir milhares de pessoas em vilarejos próximos para evocar “um arcoíris” de reivindicações, com mais música, cores e gritos contra os líderes mundiais.

ATOS NO BRASIL

Ontem ocorreram atos em defesa da Amazônia em mais de 30 cidades brasileiras. Os maiores foram em Belém, no mercado Ver-o-Peso, e em Manaus, onde estudantes, professores e ativistas andaram pelas ruas do centro, pedindo ações para conter os incêndios.