O Estado de São Paulo, n. 46095, 31/12/2019. Espaço aberto, p. A2

 

Educação - balanço e perspectivas

João Batista Araujo e Oliveira

31/12/2019

 

 

Acostumados a tudo esperar do governo federal, Estados e municípios parecem estar paralisados e sem condições ou fôlego para fazer o que precisa ser feito. O novo governo federal criou dois conjuntos de expectativas. De um lado, muitos grupos esperavam a continuidade de políticas e modos de fazer implementados nos últimos 20 anos. Isso vem sendo feito, mas de forma tímida e marginal. Não faz parte da agenda oficial. Por outro lado, o próprio governo deixou clara a sua agenda, a guerra cultural. Seu único grande programa anunciado, a alfabetização, não saiu do papel. Pelo andar da carruagem, salvo alguma reviravolta inesperada, pouco se pode esperar do governo para promover a necessária reforma da educação. Trocar de ministro sem que haja uma agenda robusta e radical tocada por equipes experientes e competentes – como é na área econômica – não fará muita diferença.

No âmbito dos Estados houve alguma movimentação, mas tímida. O momento inicial, de expectativa, foi seguido de perplexidade. Agora parece que a ficha já caiu e os Estados começam a entender que lhes cabe tomar iniciativas e cuidar da própria casa. Dois grandes temas se mantiveram em pauta. O primeiro deles foi a “regionalização” da Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Um festival de gastança do tipo baile da Ilha Fiscal. De concreto, um documento que já era grande e prolixo ganhou mais cem páginas em média em cada Estado, apenas para acrescentar a cor local. Vale citar aqui um trecho do relatório da OCDE relativo ao Pisa 2018: “Alunos de um mesmo país aprendem em diferentes contextos de acordo com o ambiente local e a escola que frequentam, mas seu desempenho é avaliado em face de padrões comuns. Quando se tornam adultos, eles enfrentarão os mesmos desafios e, frequentemente, competirão pelos mesmos empregos. Da mesma forma, numa sociedade global o sucesso dos sistemas educacionais não mais se mede por padrões locais, mas em face de padrões que vêm se tornando comuns aos vários sistemas”. Enquanto isso...

A outra iniciativa se refere à implantação da “reforma do ensino médio”, focada na criação de algumas escolas de tempo integral. Provavelmente terá o mesmo destino dos grandes programas nacionais padronizados, sem estudos prévios de viabilidade e escalabilidade, que nunca deram em nada. Felizmente, a crise econômica e a desestruturação do MEC parecem ter evitado uma gastança maior.

Pouco se ouve a respeito de iniciativas estaduais. Aqui e ali, algum Estado tenta copiar o modelo de incentivos fiscais que deu bons resultados no Ceará, mas sempre sem levar em conta o contexto e as circunstâncias que contribuíram para os avanços nesse Estado. O Estado de São Paulo anunciou que está elaborando uma nova carreira para o magistério. Contudo o que foi divulgado até agora parece estar longe do que é necessário para transformar o magistério numa carreira atrativa: permanece a ideia de carreiras piramidais, em que os professores ganham mais em função de provas e títulos acadêmicos e depois que se aposentam, e não nos anos iniciais de carreira.

As grandes questões, como a municipalização do que resta do ensino fundamental, o equacionamento das questões previdenciárias e a expansão do ensino médio técnico-profissional até agora não apareceram de forma saliente na agenda dos novos governadores. Em nenhum Estado se ouve falar de um debate qualificado sobre as grandes transformações demográficas e seu impacto no financiamento e na provisão da educação. Tampouco se viu uma análise competente e refletida dos resultados do Pisa. Nem mesmo na Região Sul, cujo desempenho é o mais medíocre, especialmente considerando seu elevado nível socioeconômico. O grande avanço é que desistiram de esperar pelas iniciativas do MEC. Resta ver o que vão propor.

Nos municípios é onde há mais esperança, pois estamos diante da oportunidade das eleições municipais em 2020. Do lado positivo situam-se a perspectiva da reforma da Previdência e os primeiros impactos da redução demográfica e do elevado número de professores que poderão aposentarse. No entanto, a grande maioria dos municípios com mais de 20 mil habitantes – onde vivem mais de 75% da população – começará a enfrentar uma grave crise previdenciária. Esta será a grande oportunidade para novos prefeitos repensarem estratégias para promover profundas reformas na educação.

A agenda posta para a educação, baseada em ideias como as contidas no Plano Nacional de Educação e em propostas das grandes organizações não governamentais, continua fundamentada na ideia de “mais”: mais recursos, mais regulação, mais diplomas para justificar maiores salários. A bola da vez é o tempo integral – mais horas na escola, mesmo que não seja para aprender mais. Essa agenda se esgotou, mesmo porque não há recursos para tocá-la adiante. E ela só seria viável num contexto de revisão estrutural do funcionamento da rede escolar, e não como parte de um processo pedagógico.

Vamos entrar em 2020 com resultados educacionais próximos aos que sempre tivemos: desde que começamos a avaliar o desempenho dos alunos, no final do século passado, as melhoras são pífias. Nesse período houve um avanço na universalização da matrícula, aumento da escolarização obrigatória e quase o triplo de gastos. Mas os indicadores de resultados mudaram pouco e as desigualdades aumentaram.

O momento não é dos mais propícios a um diálogo ou a uma tentativa de concertação nacional – há dificuldades por todos os lados. Há diversas iniciativas do terceiro setor, mas há limites, inclusive éticos, no que este pode e deve fazer. Resta esperar que as eleições municipais façam emergir lideranças interessadas em examinar e implementar novas ideias que pelo menos façam a escola municipal funcionar. Ou, quem sabe, renovar a esperança de um ano novo mais promissor.